Jovens privados de liberdade participam de oficinas sobre Direitos Humanos, memória e racismo

O professor de História Carlos Alberti desenvolveu diversas atividades em um Centro de Atendimento Socioeducativo na Grande Florianópolis.
18 de julho de 2022
Jovens privados de liberdade participam de oficinas sobre Direitos Humanos, memória e racismo 1
O professor de História Carlos Alberti em ação. Foto: Carlos Alberti

A privação de liberdade para crianças e adolescentes brasileiros é uma realidade marcada pelas consequências do racismo estrutural e das desigualdades sociais. Esses jovens, frequentemente estigmatizados como “violentos”, na maioria das vezes não têm suas vozes ouvidas ou consideradas. Pensando nesse cenário e nas oportunidades que a aprendizagem histórica pode oferecer em contexto de privação de liberdade, o professor Carlos Alberti produziu a dissertação “Ensino de História e privação de liberdade: estudo de caso em Centro de Atendimento Socioeducativo na Grande Florianópolis-SC (2018-2020)”, pelo ProfHistória. O trabalho foi defendido na Universidade do Estado de Santa Catarina, em 2020.

Autobiografia e memória: as histórias de cada um

Alberti desenvolveu 6 aulas-oficinas, organizadas em 3 sequências didáticas. Ao todo, 7 jovens participaram da proposta desenvolvida pelo professor. As oficinas ocorreram no Centro Socioeducativo Regional de São José, no estado de Santa Catarina. Em todas as oficinas, o professor de História procurou o diálogo com os estudantes e o bom andamento das atividades dependia da participação de todos os envolvidos.

Os principais conceitos debatidos entre professor e estudantes foram: autobiografia, memória e racismo. Na primeira oficina, Alberti solicitou aos jovens que registrassem as primeiras palavras em que pensavam quando ouviam esses termos. Após esse momento, o professor apresentou trechos do filme sobre a trajetória de Rubin Hurricane Carter. Nessa obra de ficção baseada em fatos, o boxeador conhecido como “Furacão”, Hurricane em inglês, é condenado à prisão perpétua injustamente por ser acusado de assassinato. Sua condenação lhe retirou a chance de lutar por uma das mais almejadas premiações do box: o cinturão de ouro.

O primeiro encontro foi marcado pela sensibilização dos estudantes com o filme e um rico debate. Já na segunda oficina, Alberti retomou a atividade do primeiro encontro e conceituou autobiografia, memória e racismo, a partir das respostas dos alunos. Em seguida, o professor sugeriu que cada um escrevesse a própria biografia.

Os estudantes aceitaram o desafio e se dedicaram à escrita de suas autobiografias. Na maioria delas, a figura de suas mães apareceu como grande referência de amor, como mulheres trabalhadoras e “guerreiras”. Por outro lado, como destaca Alberti, a ausência paterna, violência familiar e afastamento da escola foram também aspectos destacados pelos jovens em suas histórias como desafios por eles enfrentados.

O professor de história também ressaltou o silêncio dos estudantes sobre o presente e suas relações com a privação de liberdade. Em nenhuma das autobiografias essa temática apareceu, por inúmeras razões, que incluem a dor da memória e a vergonha. Apesar dos desafios, Alberti destaca que essa atividade permitiu que os alunos se percebessem como construtores de suas próprias histórias, refletindo e compartilhando com os demais, partes suas trajetórias de vida.

Arte e Ensino de História     

A segunda sequência de atividades foi dedicada à apresentação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e à história dessa conquista. Para essas discussões, o professor utilizou recursos audiovisuais e escritos, como o livro “A História dos Direitos Humanos” e a cartilha da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Após os debates sobre a temática, o professor pediu que os estudantes analisassem e apontassem alguns dos Direitos Humanos que foram violados na história do boxeador Hurricane Carter.

A sequência final de atividades foi marcada pela conceituação do racismo. Para melhor exemplificar a temática, o professor trabalhou com letras de RAP do artista Baco Exu do Blues e dos grupos Tarja Preta e Racionais MC’s. As letras trabalhadas versavam sobre os desafios que a população negra enfrenta na sociedade brasileira. Nos momentos de debate, os estudantes também expressaram aspectos de suas trajetórias de vida que refletem a experiência do racismo.

Para fechar as oficinas, Alberti pediu que os estudantes escrevessem letras de RAP com as temáticas discutidas em sala. As letras produzidas pelos jovens evocavam a nostalgia da infância, o desejo de “mudar de vida”, de transformar a própria história e de orgulhar suas mães. Um dos estudantes escreveu: “E seis meses se passaram/ E ele saiu com atitude de fazer feliz sua senhora”.

A experiência do trabalho desenvolvido por Alberti contribui para a reflexão sobre jovens em contexto de privação de liberdade. O professor de história vai além de qualquer estereótipo e se posiciona não como aquele que leva o conhecimento para jovens que sofreram situações de violência, mas como professor que ensina e aprende junto desses estudantes. Com isso, Alberti mobiliza o direito e a possibilidade do Ensino de História em diferentes espaços, e contextos, de aprendizagem.  

Thaís Pio Marques

Faz parte da equipe do Café História, onde realiza estágio voluntário. Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Durante a graduação fez parte do Grupo PET Conexões de Saberes – Licenciaturas, voltado para a elaboração e desenvolvimento de Projetos pedagógicos interdisciplinares. Atualmente, organiza o perfil de Instagram “Poesia e oralidade”, onde compartilha textos breves sobre competições de poesia (slams) e seus participantes. O trabalho na rede social é
articulado aos estudos sobre História Oral e História Pública.

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