Alunos desenvolvem biografia de guerrilheira do Araguaia após oficina sobre Ditadura Militar

Lúcia Maria de Souza está entre as 434 pessoas mortas e desaparecidas durante a Ditadura Militar (1964-1985), conforme relatório final da Comissão Nacional da Verdade.
1 de abril de 2024
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Nascida em 1944, em São Gonçalo, Lúcia Maria de Souza começou na militância ainda na adolescência, ao ingressar no Movimento Estudantil como integrante do PCdoB. Foto: Relatório final da Comissão da Verdade

Lúcia Maria de Souza está entre as 434 pessoas mortas e desaparecidas durante a Ditadura Militar (1964-1985), conforme relatório final da Comissão Nacional da Verdade. A história da militante carioca morta em 1973 durante a Guerrilha do Araguaia virou uma mini biografia elaborada por estudantes do Ensino Médio de uma escola de São Gonçalo – RJ. O projeto é resultado do mestrado da professora Andrea Luysa dos Reis Santos para o ProfHistória, intitulado “Lúcia Maria de Souza, mulheres militantes e Ditadura Militar: narrativas vivenciais no ensino de história”, defendido em 2023, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A dissertação e a ficha biográfica podem ser acessadas aqui.

Durante quatro oficinas, a professora Andrea Luysa estimulou alunos do 3º ano do Ensino Médio da Escola Sesi São Gonçalo a pesquisarem sobre as trajetórias de mulheres perseguidas durante o regime de exceção. “O trabalho foi realizado com objetivo de proporcionar uma análise do ensino de história com foco nas relações de gênero, ações e esquecimentos relacionados às mulheres no período da Ditadura Militar brasileira e apresentar caminhos diferenciados de compreender e estudar a história do recorte histórico”, explica.

A proposta inicial era a produção de textos biográficos de diversas mulheres vítimas dos excessos praticados pelo Estado brasileiro durante o período, mas os planos mudaram conforme o desenvolvimento das oficinas. “A escolha dessa mulher tem relação com o fato dela ter nascido em São Gonçalo, o que motivou a escolha de alunas/os, já que essa é a cidade onde fica a nossa escola e onde mora a maioria das/os estudantes”, diz Andrea Luysa.

O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro faz uma abordagem teórica sobre a ausência e o silenciamento das mulheres nas narrativas históricas e no ensino de História, em uma perspectiva feminista e antirracista. O segundo capítulo segue a mesma linha de argumentação teórica, porém, aplicada aos estudos relacionados à Ditadura Militar. O capítulo final apresenta a proposição didática a ser desenvolvida em sala de aula por meio de oficinas, propondo a reflexão dos alunos sobre os usos de documentos para a construção do saber histórico e a elaboração da ficha biográfica de Lúcia Maria de Souza a partir das escolhas dessas fontes.

Oficinas e debates

Na primeira oficina, os alunos responderam um questionário com perguntas sobre suas lembranças de personagens históricas femininas citadas nas aulas e livros didáticos de História. Também disseram se acham que homens e mulheres são representados de forma equitativa nas aulas de História. O objetivo foi discutir a ausência das mulheres nas narrativas históricas.

No encontro seguinte, as turmas elaboraram uma lista com nomes de militantes que atuaram frente ao regime militar. “A seleção de mulheres que atuaram nessas frentes diferentes e momentos díspares da ditadura nos auxiliam no entendimento de que existe uma pluralidade de histórias de vida permeadas pelo regime que elas/eles estavam estudando”, ressalta Andrea Luysa.

Na penúltima oficina, os estudantes organizaram as informações selecionadas para a criação da ficha biográfica a partir de diferentes acervos, como o Instituto Vladimir Herzog, o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional Digital do Brasil.

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Comissão da Verdade. Foto: Agência Brasil.

A última oficina consistiu na construção da ficha biográfica de Lúcia Maria de Souza. “Alunas e alunos foram responsáveis por elaborar a ficha biográfica a partir das narrativas vivenciais e fontes diversas que tratavam das histórias dessa mulher selecionada, Lúcia Maria de Souza, e elencadas a partir de memórias, testemunhos, esquecimentos e silenciamentos. A partir de pesquisas, análises e usos diversificados de fontes históricas como relatos vivenciais, documentos da Comissão Nacional da Verdade, inquéritos, jornais e outras”, resume Andrea Luysa.

Quem foi Lúcia Maria de Souza?

Nascida em 1944, em São Gonçalo, Lúcia Maria de Souza começou na militância ainda na adolescência, ao ingressar no Movimento Estudantil como integrante do PCdoB. Em 1969 e 1970, quando era estudante da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, começou a imprimir e distribuir o jornal comunista A Classe Operária, tendo participado da Secretaria de Agitação e Propaganda do partido, cuja função principal era a tiragem da imprensa partidária

Lúcia Maria abandonou o curso de Medicina no quarto ano e foi para a região do Bico do Papagaio, na fronteira entre Pará, Maranhão e Tocantins, onde atuou no “Destacamento” A, realizando trabalhos relacionados à sua profissão como procedimentos médicos e partos na localidade, ingressando posteriormente na luta armada.

Na Guerrilha do Araguaia, adotou o codinome de Sônia. Ela morreu em 24 de outubro de 1973, em uma emboscada do Exército durante a Operação Marajoara, em uma região chamada de Grota da Borracheira. Ao ser abordada pela patrulha, teria recusado se identificar, respondendo “guerrilheira não tem nome, eu luto pela liberdade!”, antes de abrir fogo contra os militares. A patrulha reagiu e ela foi metralhada no local. No relatório da Comissão Nacional da Verdade, Lúcia Maria de Souza é considerada uma desaparecida política, porque seu corpo não foi entregue à família.

Bruno Lima

Graduado em Jornalismo e História. Meste em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade de Brasília (UnB). Dedica-se a estudos de História do Brasil República, com ênfase na Era Vargas, direitos trabalhistas, História Social do Trabalho, Justiça do Trabalho, comunismo e anticomunismo e PCB nos anos 1930. Escreve regularmente sobre mestrado profissional em História (ProfHistoria) para o Café História.

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