Pesquisadora cria site que combate o apagamento da presença indígena em cidade do Sul do Brasil 

São José Terra Firme (atual São José), no litoral de Santa Catarina, é tradicionalmente conhecida como “fruto do trabalho imigrante”. Pesquisa de mestrado, no entanto, destaca que o passado da região não possui apenas europeus. Populações indígenas são antigas na região e ajudaram a construí-la.
19 de abril de 2024
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Bugreiros (como eram chamados os caçadores e assassinos de indígenas) posam com crianças e duas mulheres Xokleng sobreviventes ao massacre. Eles levavam alguns para servir de prova de que haviam feito o serviço. Foto: Acervo SCS.

Bem antes da chegada de colonizadores europeus no século XVI, a região conhecida como São José da Terra Firme (atual São José), no litoral de Santa Catarina, era ocupada pelos Carijó-Guarani e os Laklãnõ Xokleng. Mas essa história é pouco conhecida. A presença dessas populações indígenas sofreu um apagamento histórico com o avanço do projeto colonial ao longo dos séculos. Contudo, um projeto desenvolvido pela professora Andréa Vicente durante o mestrado para o ProfHistória busca contar parte da história dessas etnias na região.

A professora reuniu em um site gratuito textos interativos, imagens, mapas e vídeos que abordam as narrativas e visibilidade indígena, a cultura M’byá Guarani e Laklãnõ Xokleng e a agência indígena na cidade de São José (SC). O material é resultado da premiada dissertação intitulada “Presença indígena em São José da Terra Firme: outras narrativas são possíveis no Ensino de História”, defendida em 2022, no Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), que pode ser acessada aqui.

“São imagens, textos, músicas e vídeos feitos pelos indígenas, com trilha sonora guarani, a fim de criar uma atmosfera que pode sensibilizar e conectar os estudantes com as subjetividades indígenas”, detalha a professora. O site foi batizado com o título da dissertação (Presença Indígena em São José da Terra Firme) e pode ser acessado aqui.

Além dos recursos audiovisuais, a página também disponibiliza atividades pedagógicas voltadas aos estudantes dos últimos anos do ensino fundamental e turmas do ensino médio. “A principal questão era falar da história indígena em São José, a partir de uma perspectiva que desmontasse o discurso tradicional hegemônico, devolvendo o lugar destes povos na história local, sem passar a ideia de que os indígenas são seres pretéritos”, ressalta Vicente.

A dissertação está dividida em quatro capítulos. No primeiro deles a autora propõe uma discussão sobre a legislação educacional e o ensino de história indígena. O capítulo seguinte aborda a importância do ensino da história a partir da criação de novas narrativas que subvertam o currículo tradicional eurocentrado. O terceiro capítulo é dedicado à trajetória de indígenas no município catarinense. E por fim, a autora trata das novas tecnologias de informação e comunicação na educação e no ensino de História e de História Indígena e apresenta o site Presença Indígena em São José da Terra Firme.

Nova História Indígena

Andréa Vicente explica que, desde a fundação em 1750, a história da Vila de São José da Terra Firme é contada, tradicionalmente, a partir da colonização europeia na região. O próprio hino do município traz em sua letra o trecho “São José é fruto do trabalho do imigrante”, o que reforça o argumento da pesquisadora. “No projeto colonial pensado para São José (SC) no século XVIII, não havia espaço para as populações indígenas. Tal fato resultou em episódios violentos, mas dada a resistência dos povos originários, o que se seguiu foi um longo apagamento histórico que tem se mantido até a contemporaneidade”, reflete a professora.

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Mapa de Hans Staden da ilha de Santa Catarina e proximidades – 1549.

Para repensar a presença dos povos originários em São José, Andréa fundamentou seus argumentos nos preceitos teóricos da Nova História Indígena em diálogo com a perspectiva decolonial. “A ideia que transparece nos discursos históricos sobre São José e sobre os municípios que anteriormente faziam parte de seu território é a de que o lugar dos povos indígenas é apenas no passado, quando não são totalmente ignorados ou invisibilizados. Mas, o processo histórico não é estático, é dinâmico, e seus atores estão sempre se ressignificando, se reinventando”, sustenta.

De acordo com Vicente, essa abordagem pode gerar novas interpretações sobre a história da colonização da região e contribuir para uma maior participação dos povos indígenas nesse processo. “Esta proposta, realizada a partir de um debate historiográfico com a Nova História Indígena, possibilita que os educandos possam chegar à conclusão de que os povos indígenas fazem história ao agirem e que estas ações mudam os rumos e eventos da história”, aponta.

Presença Indígena em São José da Terra Firme

Voltado, principalmente, para professores da rede de ensino de São José e demais regiões, o site Presença Indígena em São José da Terra Firme disponibiliza informações, fontes, recursos e atividades que podem auxiliar o ensino da história indígena local. Em umas das abas, por exemplo, o usuário pode assistir a trechos do documentário “Mbyá Guarani – guerreiros da liberdade”, que aborda os costumes e histórias da etnia.

Entre as atividades propostas para serem desenvolvidas em sala de aula estão a exposição de “provas” da presença dos Guarani e dos Laklãnõ Xokleng nos territórios históricos de São José e proximidades, como pinturas e relatos do francês Jean-Baptiste Debret sobre a existência de indígenas nas regiões próximas ao Cambirela e imagens de uma coleção de pontas de flecha de pedra do Museu de Arqueologia de Lomba Alta, demostrando a ocupação milenar dos povos indígenas por todo o território josefense desde muito antes da chegada dos europeus. 

O site também apresenta mapas que demonstram a extensão inicial dos territórios indígenas em Santa Catarina, o avanço da colonização e o recuo dos indígenas para o interior. “Por ser um espaço dinâmico, o ambiente do site apresenta a memória indígena de forma diferente de conforme exposta nos museus, onde sempre esteve congelada, cristalizada e empoeirada. Agora a memória, a história e a agência indígena em São José seguem vivas e atuais no mundo digital”, conclui Andréa Vicente.

Bruno Lima

Graduado em Jornalismo e História. Meste em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade de Brasília (UnB). Dedica-se a estudos de História do Brasil República, com ênfase na Era Vargas, direitos trabalhistas, História Social do Trabalho, Justiça do Trabalho, comunismo e anticomunismo e PCB nos anos 1930. Escreve regularmente sobre mestrado profissional em História (ProfHistoria) para o Café História.

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