Professora de História desenvolve jogos sobre feministas brasileiras para uso em sala de aula

Caráter lúdico, avanço de pautas conservadoras e inquietações pessoais motivaram criação dos jogos, que nasceram de uma pesquisa de mestrado profissional em História.
7 de março de 2024
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Da esquerda para a direita: Lélia Gonzáles, Chiquinha Gonzaga, Djamila Ribeiro e Maria da Penha. Fotos: Agência Brasil, Instituto Maria da Penha, Site Djamila Ribeiro e Brasil de Fato.

Chiquinha Gonzaga, Bertha Lutz, Maria da Penha, Lélia Gonzalez e Djamila Ribeiro. Alguns dos maiores ícones do feminismo brasileiro viraram personagens de jogos didáticos para uso em aulas de História do 9º ano do Ensino Fundamental. O material é o resultado do premiado mestrado da professora Denise Aparecida Ribeiro da Cruz para o ProfHistória, intitulado “O jogo não acabou: jogos de cartas e de tabuleiro para o estudo do feminismo no Brasil (XIX-XXI)”, defendido em 2022, na Universidade Federal do Paraná. O guia para a confecção dos jogos pode ser acessado gratuitamente aqui.

Denise criou três jogos de cartas e um de tabuleiro, articulando os debates em torno da perspectiva de gênero, a legislação educacional e o próprio interesse dos alunos. O material nasceu de uma pesquisa com discentes de um Colégio Estadual do Campo de São José dos Pinhais, no Paraná. O objetivo principal dos jogos é permitir que ao final das atividades os estudantes sejam capazes de responder questões como: O que é o feminismo? Quem são as feministas brasileiras e quais as suas lutas? Quais os preconceitos que as mulheres enfrentaram? Quais são as leis e conquistas das mulheres brasileiras?

A ideia para a iniciativa partiu da própria experiência da professora Denise em sala de aula. “As mulheres apareciam nas margens da História e dos livros didáticos, o que pode acarretar que a maioria dos discentes saia dos bancos escolares desconhecendo sobre a história das mulheres, sobretudo das brasileiras, suas lutas e conquistas”, reflete.

O trabalho foi o vencedor do Prêmio ProfHistória de Melhor Dissertação (Turma 2020) e está dividido em 4 capítulos. Os três primeiros são de cunho mais teórico. Eles abordam questões diversas, como a relação entre feminismo, educação e jogos, a legislação educacional, os livros didáticos e as demandas e conquistas das mulheres brasileiras. O capítulo final apresenta os jogos elaborados pela professora, a metodologia utilizada e a aplicabilidade da proposta em sala de aula.

O lúdico como didática

De acordo com Denise, os jogos foram elaborados para unirem a dimensão lúdica com o conhecimento histórico. Eles vão ao encontro de suas próprias inquietações das do corpo discente, principalmente das alunas. “Existe uma demanda dentro das salas de aulas, das estudantes que questionam sobre a participação das mulheres na história, como viviam, o que fizerem, o que disseram e quais registros deixaram”, revela.

Denise também pontua que o avanço de pautas conservadoras e o surgimento de movimentos como o Escola Sem Partido foram uma motivação para a pesquisa. “A resposta encontrada reproduz um caminho já trilhado pelas feministas, o uso pedagógico dos jogos de cartas e de tabuleiro, para que, ao unir o lúdico com o conhecimento histórico, os estudantes conheçam e reelaborem seus conhecimentos sobre o feminismo no Brasil”, define. 

Aprender brincando

“Memória Feminista” é um dos jogos de cartas proposto pela professora e consiste em levar para a sala de aula a biografia e a luta de 10 feministas e dois movimentos feministas brasileiros, com o intuito de fazer com que os estudantes conheçam quem são essas mulheres que se destacaram na luta por igualdade de gênero no Brasil. “Se pedirmos para nossos alunos nomearem feministas brasileiras, podemos ter como resposta um grande silêncio”, justifica Denise. No jogo, cada feminista tem duas cartas — uma com dados biográficos e outra com uma frase de sua autoria. A proposta é que o aluno seja desafiado a relacionar as duas cartas correspondentes à mesma feminista, selecionando e combinando o maior número de pares possíveis. A dinâmica é parecida com a de um jogo de memória tradicional, contudo, as cartas não são iguais, e, sim, complementares.

Já o jogo de cartas “Linha do Tempo das Conquistas e Direitos das Mulheres” permite que os alunos conheçam as conquistas das mulheres brasileiras e as organizem cronologicamente. “O objetivo de aprendizagem consiste que ao ordenar as cartas o discente conhecerá as lutas e conquistas das mulheres historicamente e também trabalhará com o conceito histórico do tempo a partir da construção da linha do tempo”, explica Denise. O jogo é formado por 63 cartas, das quais 49 abordam os avanços conquistados pelas mulheres brasileiras no âmbito jurídico, político, econômico, social e cultural, como o acesso à universidade e o direito ao voto. Outras oito cartas representam demandas que ainda não foram conquistadas, mas que são pautas para o movimento feminista brasileiro, como a descriminalização do aborto e igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenham a mesma função profissional. Seis cartas correspondem a tentativas de retrocesso de direitos já conquistados apresentados em Projetos de Lei, como a extinção de cota das mulheres em eleições e a criminalização do aborto em qualquer situação. O jogador que ordenar primeiro corretamente todas as cartas, vence!

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Instruções que estão presentes na dissertação da professora. Reprodução.

No jogo de cartas “Junte-se a luta: Derrote os Preconceitos” os alunos precisam usar 68 cartas-ação com estratégias feministas para derrotar 12 cartas com frases preconceituosas. “As cartas que devem ser derrotadas foram construídas com frases sobre preconceitos históricos sobre as mulheres. Elas são datadas, ainda que possamos escutar as mesmas falas do século XIX em pleno século XXI”, avalia Denise. O objetivo é que o aluno escolha uma carta-ação para vencer a carta-frase e cumprir com o desafio da rodada. Quem decide se a carta-ação foi adequada para combater a frase preconceituosa é a figura do “decisor”, que, preferencialmente, deve ser desempenhada por um professor. Ele deve atuar como árbitro nas rodadas, atentando-se para possíveis anacronismos nas escolhas de cartas-ação, uma vez que não dá para jogar a carta de “denúncia nas redes sociais” para uma carta de preconceito que data de 1850. Vence o estudante que ganhar mais rodadas e, portanto, ter mais cartas-frases derrotadas.

O último jogo proposto é de tabuleiro e foi intitulado “No caminho do Feminismo: É verdade ou mentira?”. A atividade se desenvolve em torno de um tabuleiro em forma do símbolo do feminismo dividido em 23 casas, onde os estudantes movimentam suas peças a partir da resposta de questões sobre o que é o feminismo e ser feminista no Brasil. “O objetivo é de construir a ideia do que é o feminismo, mas principalmente do que ele não é”, resume Denise. A cada rodada, um aluno retirará uma carta-pergunta e responderá uma questão sobre o feminismo dizendo se é verdade ou mentira. Se a resposta for errada, o discente deverá recuar uma casa. Em caso de reposta correta, ele avança uma casa. Vence que cruzar a chegada em primeiro.

Como citar esta matéria

LIMA, Bruno. Professora de História desenvolve jogos sobre feministas brasileiras para uso em sala de aula. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/jogos-brasileiras-feministas-em-sala-de-aula/. ISSN: 2674-5917. Publicado em 7 de março de 2024.

Bruno Lima

Graduado em Jornalismo e História. Meste em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade de Brasília (UnB). Dedica-se a estudos de História do Brasil República, com ênfase na Era Vargas, direitos trabalhistas, História Social do Trabalho, Justiça do Trabalho, comunismo e anticomunismo e PCB nos anos 1930. Escreve regularmente sobre mestrado profissional em História (ProfHistoria) para o Café História.

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