O longo caminho até a Itália: cinco obras de referência sobre Força Expedicionária Brasileira 1
Brasil enviou cerca de 25 mil soldados para a Segunda Guerra Mundial. Ilustração: IA Bing.

O longo caminho até a Itália: cinco obras de referência sobre Força Expedicionária Brasileira

A Força Expedicionária Brasileira (FEB) percorreu um longo caminho até entrar em ação na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Em bibliografia comentada, Wilson de Oliveira Neto dá boas dicas para quem deseja conhecer um pouco mais sobre o que os historiadores produziram sobre o tema.
21 de agosto de 2023

A Força Expedicionária Brasileira (FEB) é um dos aspectos mais conhecidos da participação militar do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). São mais de 80 anos de desfiles, filmes, monumentos, museus e publicações diversas que refutam afirmações sobre uma história pouco lembrada e que nossos heróis foram esquecidos.

Contudo, o patrimônio histórico sobre a FEB vai além das preocupações com a memória e a história dos mais de 25 mil cidadãos-soldados brasileiros enviados à Itália. Cada exposição aberta ou monumento inaugurado, assim como os livros publicados, refletem contextos políticos e historiográficos no Brasil e no exterior.

Nesta bibliografia comentada, vou apresentar cinco obras sobre a Força Expedicionária Brasileira. ELas podem ajudar o leitor ou leitora a compreender o longo caminho percorrido pelo governo brasileiro da criação da FEB ao desembarque do seu 1.º Escalão no porto de Nápoles, no dia 16 de julho de 1944. Exceto por um título, há muito tempo esgotado, cuja reedição foi bem recebida pelos estudiosos, todos os outros são trabalhos inéditos publicados entre 2019 e 2023 que abordaram a FEB por meio de objetos e, principalmente, das relações militares entre o Brasil e os Estados Unidos

LATFALLA, Giovanni. Relações militares Brasil-EUA 1939/1943. Rio de Janeiro: Gramma, 2019.

Em 1939, os Estados Unidos estavam longe de ser uma das superpotências que passou a dar as cartas na política internacional a partir de 1945. A política de isolamento adotada pelos americanos não via com simpatias os investimentos militares e defendia que a projeção do país no cenário internacional ocorresse através do poder econômico. Somente após o início da Segunda Guerra Mundial na Europa, em setembro de 1939, foi que as primeiras iniciativas sérias para a defesa do hemisfério foram encaminhadas pelo presidente Franklin D. Roosevelt. Nessas circunstâncias, o Brasil se tornou estratégico para os planos de defesa continentais de Washington, especialmente, a região nordeste de nosso país. Em Relações militares Brasil-EUA 1939/1943, Giovanni Latfalla estudou o processo de alinhamento militar do Brasil junto aos Estados Unidos. O trabalho é fruto de seu doutorado em Ciência Política. Teria o governo brasileiro sido subserviente às vontades dos americanos? Para Laftalla, a resposta é não, pois, segundo ele explica, as negociações entre lideranças militares brasileiras e estadunidenses foram marcadas por visões distintas e antagônicas sobre qual deveria ser o papel do Brasil na defesa do continente, bem como por diversas promessas não cumpridas pelos Estados Unidos, em particular o fornecimento de material bélico moderno do Exército. Relações militares Brasil-EUA pode ser considerada o primeiro volume de uma trilogia lançada entre 2019 e 2023 que aprofundou a revisão histórica das relações militares entre Brasil e Estados Unidos iniciada por autores como Dennison de Oliveira, Frank McCann e que avançou sobre clássicos das décadas de 1970 e 80, a exemplo de Gerson Moura.

LATFALLA, Giovanni. Segunda Guerra Mundial: propostas para o emprego de tropas do Brasil. Juiz de Fora: Editar, 2022.

O envolvimento militar do Brasil com a Segunda Guerra Mundial foi iniciado em agosto de 1942, com a declaração brasileira de guerra contra a Alemanha e a Itália, certo? Não para Latfalla, que abordou nesta obra as diversas propostas feitas pelos Estados Unidos ao Brasil para emprego de suas tropas dentro de fora do continente americano, entre 1941 e 1943: ilhas da Trindade e de Fernando de Noronha; Suriname; Guiana Francesa; Porto Rico; Açores; norte da África. Para os Estados Unidos, o engajamento militar brasileiro era fundamental em sua estratégia defensiva das Américas no caso de uma ofensiva do Eixo. Além do Tio Sam, até o magnata da imprensa Assis Chateaubriand fez uma proposta para lá de inusitada: a organização de uma legião de voluntários latino-americanos para lutar na Europa ao lado dos aliados, imediatamente vetada pelo então Ministro da Guerra do Brasil Eurico Gaspar Dutra. O livro de Latfalla é encerrado pela sondagem feita pelo General Mark Clark ao General Mascarenhas, comandante da FEB, sobre um possível emprego da tropa brasileira como força de ocupação na Áustria durante o pós-guerra. Um convite formal nunca foi feito e a recusa brasileira custou, segundo Latfalla, a perda de prestígio brasileiro no cenário internacional do pós-guerra.

LATFALLA, Giovanni. FEB, missões e observadores militares. Juiz de Fora: Editar, 2023.

Este pode ser considerado a continuação do livro anterior, por meio do aprofundamento da pesquisa sobre as missões militares no Suriname e na Guiana Francesa, em 1942 e 1943, e da atuação dos observadores militares brasileiros no norte da África. Em seu longo caminho até a Itália, a FEB deveria passar por um estágio de treinamento no teatro de operações norte-africano, como as demais divisões do exército dos Estados Unidos que lutaram na Itália. Para isso, foram enviados observadores militares brasileiros destinados a preparar a recepção da tropa brasileira. Contudo, as recomendações dos observadores brasileiros não foram colocadas em prática, muito menos os escalões da FEB passaram por um período intenso de treinamento na África setentrional. Por uma decisão tomada pelos americanos à revelia do governo brasileiro, a FEB foi direito para a frente italiana, diferente do que se acreditou por muito tempo como um desleixo brasileiro. Com riqueza de fontes primárias, Latfalla descreveu o trabalho dos observadores militares brasileiros nos mínimos detalhes e como se empenharam em preparar a recepção da FEB e iniciar seu treinamento para, mais tarde, enfrentarem os alemães na frente italiana.

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Soldados da FEB sendo saudados por moradores de Massarosa. Final de setembro, 1944. Foto: Durval Jr, Wikipedia.

CAMPIANI, CESAR. 120 objetos que contam a história do Brasil na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Livros de Guerra, 2019.

O longo caminho percorrido pela FEB até a Itália também pode ser seguido por meio da cultura material – tudo aquilo usado pela tropa brasileira no cotidiano da frente italiana: uniformes, artigos de higiene pessoal, armas, cartões de felicitações, galochas, itens de primeiros socorros, recordatórios, entre outros. Contudo, adverte Cesar Campiani: “Por si só, os objetos não contam uma história. Eles precisam ser compreendidos a partir de um contexto e de como se relacionam entre eles”. 120 objetos que contam a história do Brasil na Segunda Guerra Mundial examinou um conjunto variado de itens, geralmente encontrados em coleções particulares, lojas de militaria, mercado de pulgas ou museus. Objetos de fabricação nacional ou estrangeira, que se analisados na totalidade, “podem criar uma ideia aproximada de como era a vida dos combatentes brasileiros nas linhas de frente”, afirma Campiani. Mais do que fontes histórias, esses artefatos despertam afetividades, pois servem de referências para as memórias dos próprios ex-combatentes e dos seus familiares, que os guardam como se fossem relíquias. Ao expor os objetos selecionados, Campiani os descreveu e contextualizou. Tudo isso revela detalhes do cotidiano da tropa em operações e dá uma boa ideia ao leitor sobre o esforço desprendido pelo Brasil para que mais de 25 mil cidadãos-soldados brasileiros atravessassem o Atlântico rumo à Itália para contribuir com o esforço de guerra aliado.

BONALUME NETO, Ricardo. A nossa Segunda Guerra: brasileiros em combate 1942-1945. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2021.

Ricardo Bonalume Neto (1960-2018) foi um jornalista brasileiro graduado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou para a Folha de S. Paulo, onde se tornou uma referência nacional em assuntos militares, divulgação de história e jornalismo científico. Em 1995, ele lançou A nossa Segunda Guerra, pela editora “Expressão e Cultura”. Logo na introdução, ele faz uma pergunta retórica, porém típica de uma época pós-Regime Militar: você falará bem ou mal da FEB? A resposta de Bonalume Neto foi a minha primeira lição de teoria da história: nem bem, nem mal, já que uma história é feita por nuanças. O foco do livro é a participação das Forças Armadas brasileiras em operações militares durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1942 e 1945, com destaque para a FEB. Foram consultadas diversas fontes, tais como bibliografias específicas e gerais, entrevistas com ex-combatentes (FEB e 1.º Grupo de Caça) e fotografias. A contribuição do Brasil naquele conflito foi modesta, embora tenha causado um grande impacto na sociedade deste país. As Forças Armadas de hoje refletem as transformações que começaram a ocorrer a partir de seu envolvimento na Segunda Guerra Mundial. O livro de Bonalume Neto estava esgotado há décadas, mas a recente reedição pela editora Contexto foi bem-vinda, pois devolveu ao mercado uma síntese indispensável para entendermos a participação militar brasileira na Segunda Guerra Mundial.

Novas interpretações

As obras comentadas nesta bibliografia, em particular, as três primeiras, oferecem ao público o aprofundamento de dois aspectos ligados à participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, em especial a FEB: a importância do Brasil no plano de defesa continental dos Estados Unidos; as dificuldades enfrentadas pelo governo brasileiro em firmar uma aliança militar com esse país, especialmente, no fornecimento de material bélico ao Exército e na desconfiança americana sobre as lideranças militares brasileiras, principalmente, os Generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra. São obras que deixam claro o longo caminho até a Itália não foi fruto de organizações militares brancaleônicas, como foi interpretado por certa bibliografia, mas da própria natureza de um conflito militar das proporções da Segunda Guerra Mundial.

Referências

MAXIMIANO, Cesar Campiani. Barbudos, sujos e fatigados: soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Grua, 2010.

_____; BONALUME NETO, Ricardo. Brazilian Expeditionary Forçe in World War II. Oxford: Osprey Publishing, 2011 (Men-at-Arms).

OLIVEIRA NETO, Wilson de. Segunda Guerra Mundial. Participação Brasileira (historiografia). In.: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da (et al.). Dicionário de História Militar do Brasil (1822-2022): volume II. Rio de Janeiro: Autografia; EDUPE; Editora da UFRJ; FAPERJ, 2022.

Como citar esta bibliografia comentada

NETO, Wilson de Oliveira. O longo caminho até a Itália: uma bibliografia comentada sobre a Força Expedicionária Brasileira. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/forca-expedicionaria-brasileira-bibliografia-comentada/. Publicado em: 21 ago. 2023. ISSN: 2674-5917.

Wilson de Oliveira Neto

Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Possui Estágio Pós-Doutoral em História pelo PPGHS/UeL. Professor Adjunto da Univille Universidade, onde leciona, pesquisa e orienta estudos sobre fontes visuais, impressos e história militar com ênfases no fascismo histórico e na Segunda Guerra Mundial. Autor de artigos e livros, com destaque para o verbete “Segunda Guerra Mundial. Participação Brasileira (historiografia)” publicado no volume II do Dicionário de História Militar Brasileira.

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