Os Banshees de Inisherin: história individual mundana com conflito histórico como pano de fundo

Mesmo com a lentidão do seu desenrolar, “Os Banshees de Inisherin” é uma das melhores obras produzidas em 2022, e também um forte candi-dato a prêmios internacionais, já contabilizando 98 troféus, entre eles 3 Globos de Ouro nas categorias de melhor comédia, ator (Colin Farrell) e roteiro.
25 de janeiro de 2023
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Os Banshees de Inisherin: história individual mundana com conflito histórico como pano de fundo 1
Cena de Banshees de Inisherin. Reprodução.

Pádraic Súilleabháin, interpretado por Colin Farrell, é um pequeno produtor de leite em uma ilha imaginária na costa irlandesa chamada Inisherin. Sua vida consiste em cuidar de seus animais, compartilhar a casa com sua irmã Siobhán, incorporada pela atriz Kerry Condon, e todos os dias, pontualmente às 14 horas, se encontrar no único pub local com seu amigo de longa data Colm Doherty, interpretado pelo veterano Brendan Gleeson, para trocar as trivialidades do dia a dia entre pints de cerveja Guinness.

Um belo dia, Colm, sem aviso ou motivo aparente, declara a amizade por encerrada e se recusa a falar com Pádraic. A partir daí cria-se a atmosfera tragicômica da confusão emocional de Pádraic e um conflito com Colm que acaba se tornando o assunto central da pequena comunidade.

O diretor, produtor e roteirista Martin McDonagh nos apresenta uma história aparentemente mundana e simplória, mas que, nem de perto, é trivial nos temas e sentimentos que aborda. Temporalmente a trama se desenrola na década de 1920 na Irlanda, em uma época extremamente tumultuada devido à guerra de independência da Irlanda (1919-1921) e a guerra civil resultante de discordância que grupos da resistência republicana irlandesa terão diante o Tratado Anglo-Irlandês (1921), que causou a separação dos territórios da Irlanda do Norte e foi o estopim da guerra santa entre protestantes e católicos irlandeses.

Enquanto Pádraic e Colm travam sua batalha pessoal, no continente ouvimos as balas de canhão trocadas entre o IRA e os pró-Tratado no conflito que durou mais de 10 meses entre nos anos de 1922 e 1923. Em Inisherin, a considerada longínqua guerra é assunto de curiosidade e fofocas, mas o drama entre os dois amigos é pivotal para a saúde emocional da pequena comunidade. Farrell e Gleeson formam o par perfeito nessa constelação – intensos, provocativos, implicantes e, ao mesmo tempo, inseparáveis. Ambos já tinham nos dado uma amostra desse entrosamento perfeito em In Bruges (2008), outra comédia ácida e sinistra de McDonagh, onde os dois interpretam dois assassinos de aluguel irlandeses na Bélgica.

Farrell nos surpreende com sua amplitude performática, como Pádraic ele vai facilmente do bobo do vilarejo que tem em Jenny, seu burrinho em miniatura, em quem possui sua maior fonte de amor e aconchego, ao rancoroso, solitário e amargo amigo traído em poucas cenas. Sua atuação é impecável e nos faz mergulhar em uma reflexão sobre amizade. Gleeson interpreta o compositor desiludido, que vê na monotonia da ilha e de seus habitantes um tédio criativo quase intransponível. Ao se encontrar no entardecer de sua vida, Gleeson nos entrega um Colm que tem como único objetivo terminar sua última composição, a qual chamou de “Os Banshees de Inisherin”. Gleeson nos entrega a profunda dor da depressão, o desespero da perda de objetivo e da vontade de viver com nuances impressionantes.

À margem desse embate, temos Siobhán, que sacrifica seus sonhos de viver no continente para permanecer na ilha e cuidar do irmão, claramente, em uma relação maternal e emocionalmente dependente. Kerry Condon nos passa tudo isso sem grandes diálogos. Assim como Dominic, aparentemente o único jovem da comunidade, que esconde, vestindo uma máscara de palhaço e de superficialidade, os horrores domésticos que sofre nas mãos de seu pai, o sádico policial Peadar. Barry Keoghan, como Dominic, é, sem dúvida, o responsável por algumas das cenas mais tristes e comoventes do filme. E as faz com uma maestria fenomenal.

Apesar de nos apresentar sua obra como uma tragicomédia, McDonagh não nos fornece muitos alívios cômicos. Optando por uma visão sardônica, fria e desiludida, o diretor nos coloca diante de uma perfeita alegoria sobre as dores de uma guerra civil, onde os que uma vez foram amigos e lutaram pelo mesmo ideal, se tornam inimigos mortais. A fotografia das belezas naturais das falésias e os verdejantes campos irlandeses têm o tom gélido do sol que parece nunca alcançar o ponto mais alto do céu. A simplicidade rural, os figurinos repletos de peças de tricô, o uso ocasional do vermelho sobressaindo-se ao verde, nos saltam aos olhos. Tudo é simbolismo. Todos os detalhes, os dialetos e as imagens nos transportam temporalmente para a vida pastoral irlandesa. McDonagh está em casa. Está em seu elemento, e nos convence completamente de sua visão.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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