Uma breve história dos álbuns de figurinhas

A cada quatro anos, crianças e adultos são acometidos por uma febre incontrolável pelas figurinhas dos mundiais de futebol. Mas, de onde vem esse negócio de colecionar figurinhas?
19 de setembro de 2022
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A febre mundial acontece de quatro em quatro anos. Imagem: reprodução do Catwiki.

A cada quatro anos, crianças e, especialmente, adultos são acometidos por uma febre incontrolável pelas figurinhas dos mundiais de futebol, ou como são denominados oficialmente, FIFA World Cup. Há poucas semanas foi lançado no Brasil pela editora Panini o álbum da Copa do Qatar e que já está dando o que falar devido aos “cromos extras”, que para o público brasileiro são ilustrados com o craque Neymar. Em plataformas de e-commerce, a exemplo do Mercado Livre, um exemplar na versão “gold” está à venda por 6.900 Reais.

Mas, de onde vem esse negócio de colecionar figurinhas?

Muito antes das figurinhas da Copa

O Grupo Panini é o mais importante editor de figurinhas do mundo e foi fundado na cidade de Modena, na Itália, em 1961, pelos irmãos Giuseppe e Bruno Panini. Foi durante a década de 1970 que os álbuns de figurinhas de futebol da Panini ganharam a forma com a qual estamos familiarizados: cromos autoadesivos, imagens dos estádios, equipe técnica, etc.

Contudo, muito antes dos irmãos Panini, na Alemanha ou mesmo no Brasil, álbuns de estampas ou de figurinhas eram publicados e colecionados. O contexto em que as figurinhas colecionáveis surgiram está situado durante a virada do século 19 para o 20, uma época marcada pelo aparecimento da sociedade de massa e do desenvolvimento de novas técnicas de impressão de imagens visuais em larga escala. Através de cartões postais, cromolitogravuras, estampas e revistas ilustradas, por exemplo, as imagens passaram a ser consumidas pelo público de diferentes lugares, que através delas, abriram novas janelas para o mundo.

Em uma época em que o acesso ao conhecimento era caro e difícil, em que a maioria das pessoas era analfabeta, as imagens se tornaram uma forma importante de aquisição de conhecimento geral e mesmo de formação política. Não foi por acaso que no romance “Capitães da Areia”, escrito por Jorge Amado e lançado em 1937, que o personagem João Grande, analfabeto, após ouvir a leitura de uma reportagem sobre Lampião e seu bando, ele recortou e guardou a fotografia que ilustrava a matéria. A imagem recortada serviria como um suporte visual de uma memória que reforçava a afetividade que João Grande nutria pelo rei do cangaço.

Figurinhas de cigarro

A febre das figurinhas foi iniciada pela indústria dos cigarros, nos Estados Unidos, durante o final do século 19, a exemplo da American Tobacco, que passou a incluir pequenos cartões ilustrados com fotografias e cromolitogravuras nos maços das marcas que comercializava. Os personagens e os temas dos cigarette cards eram diversos e expressavam a cultura de massa de seu tempo.

Dos Estados Unidos, a febre das figurinhas se espalhou para outros países, como por exemplo, a Alemanha, onde foram denominadas Zigarettenbild. De 1930 a 1940, as figurinhas de cigarro foram um passatempo de massa, segmentado em diversos temas, tais como Aus Wald und Flur (Da Floresta e dos Campos) ou Die Grossen der Weltgeschichte (Os Grandes da História Mundial). Uma vez reunidas, os cromos eram colados em livros ilustrados, popularmente chamados de álbuns, muitos dos quais com mais de dois volumes confeccionados com materiais de primeira qualidade.

As figurinhas de Hitler

A instalação do regime nacional-socialista na Alemanha, a partir de 1933, estimulou o aparecimento de coleções de figurinhas de cigarros com temas voltados ao Nazismo e ao culto à personalidade de Adolf Hitler (1889-1945). A ascensão do Nacional-Socialismo foi representada como uma espécie de “revolução” que resultaria em uma nova Alemanha sendo o tema de duas coleções de figurinhas de cigarros: Deutschland Erwache (Alemanha Desperta) e Der Staat der Arbeit und des Friedens (O Estado do Trabalho e da Paz). A imagem a seguir, representa a figura 48, da segunda parte do álbum Der Staat der Arbeit und des Friedens, que tem como título Auf nach Nürnberg (Para Nuremberg) e faz referência aos congressos anuais do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães realizados anualmente naquela cidade.

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Imagem: acervo do autor.

Tendo como pano de fundo o alto do antigo burgo de Nuremberg, é possível ver as armas da Alemanha nacional-socialista e um aperto de mãos representando a unidade entre os alemães, reforçada pela frase “Einig das Volk stark das Reich” (Unidos o povo forte do Reich). Sobre o verso da figurinha, foram impressas informações sobre a coleção, formada por 310 cromos, distribuídos nos maços dos cigarros Juno e Vera, produzidos pela fábrica de cigarros Josetti, localizada em Berlim.

A produção de figurinhas de cigarros foi descontinuada na Alemanha em 1942, em decorrência do esforço de guerra.

A febre das figurinhas no Brasil

O primeiro álbum de figurinhas foi lançado no Brasil em 1900. Ele foi publicado pela tabacaria Estrela de Nazareth, sendo composto por 60 cromos sobre as bandeiras dos países do mundo.

Em 1930, surgiram as estampas eucalol. Elas tiveram como objetivo impulsionar as vendas do sabonete eucalol, produzido pela empresa Paulo Stern & Cia Ltda (a partir de 1932, a razão social mudou para Perfumaria Myrta S.A.). As primeiras séries produzidas abordaram temas brasileiros, intercalados com estampas acerca de assuntos internacionais de cultura geral. Colecionar as estampas eucalol foi uma mania que envolveu crianças e adultos.

A produção e a distribuição dos cartões foram encerradas em 1957. Durante os 27 anos foram emitidas 2.400 estampas diferentes, organizadas em 54 temas, entre os quais o envolvimento do Brasil com a Segunda Guerra Mundial e a Força Expedicionária Brasileira – FEB.

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Imagem: acervo do autor.

Nas décadas seguintes, apareceram diversos álbuns de figurinhas de balas, a exemplo das balas atlas, cujo tema envolveu conhecimentos gerais sobre geografia e história do Brasil e dos estados da federação. Somente em 1950, foi lançado no país o primeiro álbum de figurinhas específico sobre futebol, motivado pela realização do mundial do Brasil naquele ano.

A editora Abril foi uma das responsáveis pela popularização das figurinhas entre o público jovem, especialmente, durante a década de 1980. Os temas das suas coleções eram variados, sendo os cromos comercializados em bancas de jornais espalhadas pelo país. Em 1986, por exemplo, em parceria com a Marvel Comics Group e a ICA Press, a Abril lançou a coleção Heróis Marvel em Ação, formada por 192 cromos autoadesivos que eram fixados em um livro ilustrado rico em informações sobre os heróis e vilões dos quadrinhos do universo Marvel. Além dela, outra editora responsável pelo lançamento de álbuns e coleções de figurinhas durante o período foi a CEDIBRA, que em 1986, colocou em circulação o álbum dos Transformers.

Voltando ao futebol, em 1989, a Abril, em parceria com a Panini, lançou o primeiro álbum oficial de figurinhas do Campeonato Brasileiro, o “Brasileirão” da série A.

Há figurinhas difíceis?

No interior da contracapa do livro ilustrado da coleção “Heróis Marvel em Ação”, seus editores afirmam que os “cromos deste livro foram impressos e distribuídos em quantidades rigorosamente iguais, não havendo, portanto, cromos difíceis”. Durante o mundial da Rússia, os representantes da Panini no Brasil afirmaram a mesma coisa. No entanto, seja nas reuniões de trocas ou nas redes sociais, os entusiastas das figurinhas discordam e os cromos considerados difíceis se tornam objetos de desejos dos colecionadores que atingem valores extraordinários, a exemplo da figurinha do Neymar.

Controvérsias à parte, as figurinhas fazem parte de um conjunto de fontes históricas que os profissionais da História denominam genericamente de “iconográficas”. Itens de coleção e objetos de memórias afetivas, as figurinhas podem revelar aos estudiosos da história diversos aspectos da vida em sociedade, em particular a cultura de massa, as formas de sociabilidades, os imaginários e mesmo as dinâmicas do mercado. Pois, afinal, quem aqui já não sonhou em conseguir por meros 4 Reais uma figurinha do Neymar cotada em 6 mil Reais?

Por último, a febre pelas figurinhas possui um forte aspecto nostálgico. Completar o álbum da Copa remonta à infância e serve de mote para pensarmos sobre as formas com as quais as pessoas se relacionam com o passado.

Referências

BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutemberg à Internet. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

RIZZO, Wagner Antonio. Fina(s) estampa (s): as estampas eucalol e a memória publicitária brasileira. Brasília: Editora da UnB, 2014.

Como citar este artigo

NETO, Wilson de Oliveira. Uma breve história dos álbuns de figurinhas. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/uma-breve-historia-dos-albuns-de-fugirinhas/ ISSN: 2674-5917. Publicado em: 19 set. 2022.

Wilson de Oliveira Neto

Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Possui Estágio Pós-Doutoral em História pelo PPGHS/UeL. Professor Adjunto da Univille Universidade, onde leciona, pesquisa e orienta estudos sobre fontes visuais, impressos e história militar com ênfases no fascismo histórico e na Segunda Guerra Mundial. Autor de artigos e livros, com destaque para o verbete “Segunda Guerra Mundial. Participação Brasileira (historiografia)” publicado no volume II do Dicionário de História Militar Brasileira.

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