Tár: praticamente um monólogo de Cate Blanchett

Produção americana e alemã tem sido bem cotado para a próxima cerimônia do Oscar.
2 de dezembro de 2022
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Situado no mundo internacional da música clássica ocidental, o filme é centrado em Lydia Tár, amplamente considerada uma das maiores compositoras-regentes vivas e a primeira diretora musical de uma grande orquestra alemã.

Lydia Tár (Cate Blanchett) está no topo do mundo. Como uma das mais conhecidas e respeitadas regentes e compositoras da atualidade, ela reina quase soberana – uma das únicas mulheres a reger orquestras famosas, interpretar de forma singular gênios da música clássica como Mahler enquanto principal regente da Orquestra Filarmônica de Berlin ou dar aula em escolas da elite musical como a novaiorquina Julliard. Tár não faz questão alguma de esconder a sua falta de humildade. Ela sabe que é singular, e ao seu redor só tolera a presença de outras personalidades singulares. Tudo que leva seu nome é um sucesso instantâneo e serve de inspiração para muitos outros aspirantes à carreira de regente. Quem cruza o seu caminho ou discorda de sua opinião é decepado de seu convívio, com a frieza digna de narcisistas e sem aviso prévio.

O diretor e roteirista Todd Field retorna às grandes telas após uma pausa de 16 anos desde seu último filme Little Children (2006), e não está para brincadeira. O ex-ator (Eyes Wide Shut – 1999), abandonou precocemente uma carreira promissora na frente para atuar somente atrás das câmeras. Em Tár ele mostra a que veio – as imagens são fortes, os diálogos profundamente reflexivos, a fotografia é escura e fria e os personagens não nos permitem que os coloquemos em papais definidos de virtude ou falha humana. Soa como Ingmar Bergman, mas não é. Blanchett não é Ullmann. Blanchett é Blanchett. 

Para quem há tempo acompanha a carreira da excepcional atriz, afirmar isso tem um amplo significado – estamos diante de uma artista que busca na arte a constante superação de seus limites, tanto técnicos quanto emocionais. Cate atua em diversas línguas – inglês, um pouco de francês e alemão – aprendeu sobre regência e a tocar instrumentos na preparação. Mas a sua entrega diante das câmeras é mesmerizante, nenhum preparo técnico supera a capacidade da atriz de entrar na pele de Lydia e torná-la sua. Essa fusão visceral é inegável e evidente em cada cena. Tár, apesar de contar com um amplo elenco de atores tarimbados como a francesa Noémie Merlant (Portrait Of A Lady On Fire – 2019), a alemã Nina Hoss (The Contractor -2022) e Mark Strong (Cruella – 2022), é praticamente um monólogo de Blanchett. O holofone está nela por toda a sua jornada – do cume de seu sucesso e reconhecimento até sua desastrosa queda. 

Para quem busca relações polarizadas e monocromáticas Tár não é uma boa pedida. O diretor nos coloca (e se coloca) na posição de um mero observador sem julgamento moral e sem conduzir a jornada de Lydia de uma forma óbvia. Mas como nada é perfeito – fora a atuação da Cate, claro – mais tardar a partir da metade do filme chegamos a nos questionar a necessidade de uma duração de 158 minutos para nos contar essa história. Há uma repetição de temas e de situações que, mesmo que sendo o desejado pela produção, acaba por não acrescentar muito ao todo. Uma duração de 100 -120 minutos já daria perfeitamente conta do recado. Ao pisar no acelerador na última meia hora Todd Field nos deixa um pouco perdidos, pois já tínhamos internalizado, assim como em uma música, o ritmo imposto. Mas aqui não se trata de música pop, nos universos dos virtuoses clássicos a surpresa faz parte da experiência e desconcertar a plateia pode ser o objetivo. Além disso a escolha de uma Berlin invernal como locação para o “miolo” da trama, apesar de evidenciar a frieza das relações entre os personagens, coloca desnecessariamente as cenas sob uma perspectiva dura demais. Mas sim, viver em Berlin tem disso, falo por experiência própria. Nenhuma outra cidade desse planeta tem tanto poder sobre os humores das pessoas de acordo com suas estações do ano. Nenhum lugar casa tão bem criatividade com niilismo ou liberdade de expressão com opressão cultural e arrogância. Uma verdadeira meca para as elites intelectuais e criativas do mundo todo. Lydia está no lugar certo para viver seu narcisismo até as últimas consequências e nos arrasta com ela ao mergulho no abismo, independente da nossa vontade. Enxergo um terceiro Oscar para Cate Blanchett no horizonte. E talvez seja o mais merecido de toda sua carreira.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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