“A forma da água”: a magia que não é escapismo

Para Luciana Dias, a magia do filme Guillermo del Toro é instrumento de ação. “A ação sobre um mundo em ruínas, que será salvo pela solidariedade”, segundo a crítica.
19 de fevereiro de 2022
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"A Forma da Água" é também livro, escrito por Guillermo del Toro e Daniel Kraus. Foto: reprodução.

O filme “A forma da água” (“The Shape of Water”, 2017) compõe, mais uma vez, o universo onírico e mágico de Guillermo del Toro, o mesmo autor de “O Labirinto do Fauno”, sem atar o espectador a este universo. Para Del Toro, a magia não é escape, mas instrumento de ação, ação sobre um mundo em ruínas, que será salvo pela solidariedade.

“A forma da água” conta a história fantástica de Eliza, uma mulher muda, que, apesar de exercer uma função considerada humilde na organização do trabalho (ela é faxineira), não vive uma vida nada simplória. Eliza está sempre em busca do prazer e sabe encontrá-lo nas coisas mais simples, mais prosaicas, inclusive, em uma criatura monstruosa, retida como cobaia para pesquisas espaciais, na empresa onde ela trabalha.

O passado (período da Guerra Fria) é palco para reflexões sobre o presente. Não será surpresa se Eliza e a “forma”, como a criatura é chamada, se apaixonarem. No universo fantástico, tudo é possível, inclusive, que nasça um amor entre aqueles que, para o establishment, jamais poderão se amar.

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As atrizes Sally Hawkins (que vive Eliza Esposito) e Octavia Spencer (que vive Zelda). Foto: reprodução.
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O filme tem clima soturno e grande plasticidade. Foto: reprodução.

Assim, “A forma da água” é um filme que fala de solidariedade e que, por isso, procura romper com preconceitos, o preconceito contra ser mulher, ser negro, ser comunista, ser deficiente, ser gay, ser trabalhador braçal. A narrativa nos envolve em tons esverdeados e aconchegos e nos convida a nos identificarmos com a muda, a negra, a comunista e a criatura, numa inversão dos padrões impostos pelo mundo branco, patriarcal, capitalista, normativista e, especista.

No entanto, quando se trata do ser latino-americano, o filme escorrega: a criatura desconhecida é retratada ora como animalesca ora como sensível e está entre a selvageria e o transbordamento emocional. A “forma” pode ter poderes especiais curativos, mas devorou um gatinho a sangue frio! Por isso, ao fim e ao cabo, o filme ainda mantém estereótipos e, apesar de nos levar a simpatizar com a criatura, conserva preconceitos, reservando para nós, latinos, o velho papel do selvagem emotivo.

Luciana Dias também colabora com o “Podcast Fascinante – Elas em rede”

Luciana Dias

Luciana Ferdi, professora de História, socialista, feminista, luta pela educação pública de qualidade. E cinéfila, é claro!

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