“Maestro”: uma cinebiografia insossa

Produzido por Cooper, Martin Scorsese e Steven Spielberg, “Maestro” empalidece ao ser comparado com outro filme da Netflix sobre uma personalidade norte-americana do mundo do cinema, “Mank” - filme que ficou famoso porque, ao contar a história das filmagens do clássico “Cidadão Kane” (1941)
29 de dezembro de 2023
"Maestro": uma cinebiografia insossa 1
"Maestro" está nos cinemas selecionados. Crédito: Jason McDonald/Netflix

Nos Estados Unidos, existe algo chamado “The Great American Songbook”. Trata-se de uma compilação das canções mais famosas e populares da primeira metade do século XX, mais especificamente entre as décadas de 1920 e 1960. São sobretudo canções de jazz e retiradas de populares peças de teatro e filmes. Uma destas canções é a icônica “New York, New York”, composta por Leonard Bernstein, o primeiro maestro norte-americano a ganhar notoriedade no exterior. O novo filme da Netflix, “Maestro”, traz a velha fórmula de olhar para a mulher que fez o homem e, com um time de peso em frente e atrás das câmeras, desvendar o segredo do sucesso de Bernstein.

Em meados da década de 1940, o jovem compositor e regente de orquestra Leonard Bernstein (Bradley Cooper) conhece a atriz Felicia Montealegre Cohn (Carey Mulligan) em uma festa. Apesar de estar em um relacionamento aparentemente sério com o clarinetista David (Matt Bomer, desperdiçado num papel minúsculo), Bernstein de envolve com Felicia. Esta primeira fase do relacionamento deles é mostrada em cenas em preto e branco.

A fase seguinte do relacionamento, com os filhos já crescidos e a consagração de Bernstein como compositor, é filmada em cores. A consagração vem com o afastamento de Felicia, que se cansa dos casos extraconjugais que o marido coleciona, e decide focar no trabalho. Até que um diagnóstico vem mudar a vida deles.

Por ser um filme sobre um compositor, era de se esperar que a trilha sonora fosse um destaque. De fato, ela é. O filme se torna um quase musical quando Bradley dança ao som das canções de “On The Town” – cuja versão cinematográfica de 1949 ganhou no Brasil o título “Um Dia em Nova York” – e a regência de uma peça em uma igreja é outro ponto alto musical do filme.

Bernstein é um dos autores da peça de teatro “West Side Story”, que daria origem ao filme “Amor, Sublime Amor” (1961), e parte de uma das músicas famosas da trilha pode ser ouvida em “Maestro”. As músicas que aparecem no filme foram selecionadas pelo próprio Bradley Cooper e executadas pela London Symphony Orchestra, cujo maestro responsável foi Yannick Nézet-Séguin, que ajudou Cooper com os trejeitos de maestro para que sua performance ficasse fiel à realidade.

Bradley Cooper já provou que é bom ator e bom diretor. Depois de três indicações ao Oscar de Melhor Ator consecutivas, apesar de infrutíferas, veio sua elogiada estreia como diretor em “Nasce uma Estrela” (2018). Em “Maestro”, ele tem as funções de ator, diretor, produtor e co-roteirista.

“Maestro” foi acusado de “jewface”, uma prática cujo nome deriva de “blackface” e se refere a um personagem judeu, é interpretado por um ator não-judeu, em geral, com uso pesado de maquiagem. Para piorar a situação do filme, Bradley Cooper usa um nariz falso para se parecer com Bernstein. Os filhos do regente e compositor saíram em defesa de Cooper e da escolha do nariz falso, dizendo que o pai deles concordaria com o uso para retratá-lo.

O tema do antissemitismo poderia permear o filme, mas aparece só no início, quando um amigo de Bernstein sugere que ele mude de nome para que alguém lhe dê uma orquestra para reger. Antissemitismo era um assunto de interesse na época retratada no filme, principalmente com o sucesso no Oscar da película “A Luz é Para Todos” (1947).

Produzido por Cooper, Martin Scorsese e Steven Spielberg, “Maestro” empalidece ao ser comparado com outro filme da Netflix sobre uma personalidade norte-americana do mundo do cinema, “Mank” – filme que ficou famoso porque, ao contar a história das filmagens do clássico “Cidadão Kane” (1941), acabou ganhando mais Oscars que o próprio Kane. A comparação entre os dois é inevitável, dada a escolha de ambos por sequências em preto e branco, mas, além disso, “Mank” é uma cinebiografia mais homogênea que “Maestro”. Somente a parte introdutória do verbete sobre Leonard Bernstein na Wikipédia nos dá temas que poderiam ter sido explorados no filme, em consonância com a vida amorosa de Bernstein, como seu trabalho filantrópico. “Maestro” pode ser considerada uma cinebiografia caça-Oscar, com momentos pontuais perfeitos para o filme colecionar indicações ao maior prêmio do cinema. Mas saímos da sessão sem conhecer a fundo o biografado, sua genialidade e suas muitas paixões.

Letícia Magalhães

Historiadora e crítica de cinema. Contribuiu com sites como Filmes e Games e Leia Literatura. Mantém desde 2010 o blog Crítica Retrô, sobre filmes clássicos e antigos, e contribui para os sites Revista Eletrônica Ambrosia e Cine Suffragette, no qual é também editora. Foi vencedora do prêmio do Collegium do Festival de Cinema Mudo de Pordenone em 2021, escrevendo sobre o que mais gosta: cinema e história.

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