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Chegada do Batalhão Suez, 1° Escalão, ao Brasil. 21 de agosto de 1957. Fonte: Arquivo Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT, EXE.200 - Dossiê

Soldados brasileiros na Faixa de Gaza

De 1957 a 1967, 6 mil militares brasileiros serviram na primeira força de paz no Oriente Médio organizada pela Organização das Nações Unidas.
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Inaugurado em 1869, o Canal de Suez é uma hidrovia de 193 quilômetros de extensão que liga os mares Vermelho e Mediterrâneo. Construído na “Era dos Impérios”, o canal esteve sob controle britânico desde o final da década de 1870, quando a monarquia egípcia vendeu o seu controle acionário para a Grã-Bretanha. Em 1888, a Convenção de Constantinopla estabeleceu a neutralidade da hidrovia. Contudo, com o fim do Império Turco-Otomano, após a Primeira Guerra Mundial e o Acordo Sykes-Picot, assinado em 1916, britânicos e franceses se tornaram os senhores de fato do canal. Em 30 de julho de 1956, o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, provocou uma crise internacional ao anunciar a nacionalização do canal.

O anúncio do presidente egípcio iniciou um conflito militar que uniu Grã-Bretanha, França e Israel contra o Egito. A guerra foi iniciada em 29 de outubro de 1956, com a invasão da península do Sinai, no Egito, por tropas israelenses. No dia 31, o Egito foi atacado por britânicos e franceses. Foi o suficiente para a Guerra Fria se fazer presente no conflito: a União Soviética ameaçou entrar na guerra ao lado do Egito, enquanto os Estados Unidos pressionaram os governos britânico, francês e israelense por um cessar-fogo, estabelecido em 7 de novembro.

O cessar-fogo representou uma pá de cal nos imperialismos britânico e francês, bem como o fortalecimento da liderança de Nasser no Egito e no próprio mundo árabe como um todo.

Mas, o que o Brasil tem a ver com essa história?

A Força de Emergência das Nações Unidas

No mesmo dia em que a Assembleia Geral das Nações Unidas impôs o cessar-fogo no Sinai, ela também criou, por meio da Resolução 1001 (ES-I), uma força militar internacional destinada a garantir o fim das hostilidades, principalmente, entre Egito e Israel. Denominada United Nations Emergence Force (UNEF), a primeira força de paz da ONU reuniu contingentes brasileiros, canadenses, colombianos, dinamarqueses, finlandeses, indianos, indonésios, noruegueses, suecos e iugoslavos em uma composição de países distantes dos centros de poder internacional da ordem mundial bipolar e representativos do processo de descolonização iniciado após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

O teatro de operações da UNEF foi o lado egípcio da fronteira entre Egito e Israel, sendo sua missão patrulhá-la permanentemente, dia e noite. Além de não restaurar suas antigas fronteiras com o Egito estabelecidas pelo armistício de 1949, Israel não aceitou a presença de tropas da ONU no país ou em qualquer território por ele ocupado. Já o governo egípcio, após negociações bilaterais, aceitou a operação. Em 15 de novembro de 1956, desembarcaram no porto do Cairo os primeiros efetivos da UNEF.

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Desembarque do Batalhão Suez. Foto: Arquivo Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT, EXE.215 – Dossiê

A primeira missão dos “capacetes azuis” foi ocupar as posições deixadas pelas tropas anglo-francesas. Entre o final de 1957 e 17 de junho de 1967, os efetivos da UNEF ocuparam a patrulharam os arredores do Canal de Suez, a península do Sinai e a Faixa de Gaza. Em dez anos de missão, a UNEF reuniu um efetivo de 6.073 homens. A manutenção e a renovação da tropa ocorreram por meio de um rodízio, tal como no caso brasileiro.

O Batalhão Suez

O Brasil participou do início ao fim da UNEF. A participação brasileira foi iniciada no primeiro ano do governo do presidente Juscelino Kubitschek. Em 22 de novembro de 1956, o Decreto Legislativo 61 autorizou o envio de um batalhão do Exército Brasileiro ao Oriente Médio. O Batalhão Suez, como historicamente ficou conhecido, foi criado em um contexto político e econômico positivo para o Brasil, expresso pelo aprofundamento do processo de industrialização e pela projeção internacional do país manifesto tanto na participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial quanto na fundação e organização da ONU.

A política externa brasileira se caracterizava à época por uma sequência de orientações distintas. No decorrer do governo de Juscelino Kubitschek a ênfase foi na Operação Panamericana, uma tentativa de restabelecer o financiamento público estadunidense para o desenvolvimento brasileiro. O breve governo de Jânio Quadros pretendeu fazer uma Política Externa Independente, no caso, dos EUA. Nos governos militares que se seguiram até o fim do Batalhão Suez predominou o alinhamento automático da política externa do Brasil à dos EUA.

Faixa de Gaza.

A Faixa de Gaza é o nome de um território palestino localizado no Oriente Médio. Trata-se de uma estreita faixa de terra situada entre o mar Mediterrâneo, o Egito e Israel, ocupando uma área de 365 quilômetros quadrados, povoados por vilas, cidades e campos de refugiados, sendo Gaza sua cidade mais populosa. Atualmente, a população de Gaza é estimada em 2,4 milhões de habitantes. A maioria dos habitantes professa a fé muçulmana.

A Faixa de Gaza está formalmente subordinada à Autoridade Nacional Palestina, presidida por Mahmoud Abbas, mas, na prática, é controlada pelo Hamas, movimento político e militar muçulmano sunita fundado em 1987. Todas as entradas e saídas da Faixa de Gaza são controladas por Israel, exceto uma, que fica na fronteira com o Egito.

O Batalhão Suez foi organizado a partir do III Batalhão do 2º Regimento de Infantaria, na época, sediado na cidade do Rio de Janeiro. Ele foi composto pela 7ª, 8ª e 9ª Companhias desse batalhão mais uma Companhia de Comando e Serviços (CCS) e um pelotão de Polícia do Exército (PE), somando um total de 600 homens.

A tropa brasileira também foi conhecida como Batalhão Expedicionário. Após o envio por avião de um destacamento precursor, em dezembro de 1956, o primeiro contingente brasileiro partiu para o Egito em janeiro de 1957, a bordo do navio de transporte de tropas “Custódio de Mello”.

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Partida do Batalhão de Suez para o Egito. Foto: Arquivo Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT, EXE.210 – Dossiê
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Chegada do Batalhão Suez, 1° Escalão, ao Brasil. 21 de agosto de 1957. Fonte: Arquivo Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT, EXE.200 – Dossiê

Os praças e cabos que integraram o Batalhão Suez foram recrutados entre os reservistas de 1ª categoria. Já os sargentos e oficiais, foram selecionados pelos seus comandantes de área. A seleção do pessoal que seria enviado ao Oriente Médio foi, inicialmente, rigorosa, sendo a proficiência em língua inglesa um critério importante, especialmente, para graduados e oficiais. Além do pessoal que já estava em serviço militar ou na condição de reservista de 1ª Categoria, jovens brasileiros também foram recrutados por Juntas de Recrutamento abertas em diversas capitais brasileiras.

Em dez anos de missão, o Exército Brasileiro enviou 6.000 homens, a maioria do estado do Rio de Janeiro, que se revezaram em 20 contingentes de trezentos militares cada, com um tempo de serviço de seis meses. Dentre estes se incluíam convocados para prestar o serviço militar obrigatório de um ano, alguns dos quais eram analfabetos.

Soldados brasileiros em Gaza

Embora a tropa brasileira seja conhecida como Batalhão Suez, sua zona operacional foi situada no sul da Faixa de Gaza, sendo sua missão vigiar e manter a integridade da Armistice Demarcation Line (ADL). O efetivo foi aquartelado na cidade palestina de Rafah, onde estavam localizados o Rafah Camp (ONU) e o Campo Brasil (Batalhão Suez). Das três companhias do batalhão brasileiro, a 7ª e a 9ª foram imediatamente colocadas em ação, divididas em quatro Pelotões de Fronteiras – RJ, PR, SC e RS – distribuídos ao longo do lado egípcio da ADL. Já a 8ª companhia, permaneceu na reserva, em Rafah.

Tal como na Força Expedicionária Brasileira (FEB), o Batalhão Suez possuiu um Serviço Postal (SV), responsável pelo trânsito de malas postais entre o Brasil-Rafah/Rafah-Brasil. As cartas recebidas e enviadas pelos soldados brasileiros eram isentas de selo postal, sendo suas malas transportadas quinzenalmente por aviões DHC Buffalo que pousavam no aeródromo da cidade de Khan Yunis, ao norte das posições brasileiras.

No Brasil, a carta era despachada em qualquer agência dos Correios, que seguia viagem até a sede do então Ministério da Guerra, no Palácio Duque de Caxias, na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, o local abriga o Comando Militar do Leste, do Exército Brasileiro. Após a devida triagem e aplicação de marcas postais de trânsito e de identificação do serviço, numa mala postal, a carta seguia viagem até seu destino, em Rafah. Contudo, diferente do Serviço Postal da FEB, o Serviço Postal do Batalhão Suez não foi submetido à censura postal.

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Chegada do Batalhão Suez, 1° Escalão, ao Brasil. 21 de agosto de 1957. Fonte: Arquivo Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT, EXE.200 – Dossiê
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Chegada do Batalhão Suez, 1° Escalão, ao Brasil. 21 de agosto de 1957. Fonte: Arquivo Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT, EXE.200 – Dossiê

O último contingente brasileiro chegou à Faixa de Gaza no começo de 1967, formado predominantemente por gaúchos. O fim da missão brasileira foi marcado pelo início da Guerra dos Seis Dias, quando em 5 de junho de 1967, forças militares israelenses atacaram as posições brasileiras na ADL. Na ocasião, foi morto o Cabo Carlos Adalberto Ilha, a única vítima brasileira por fogo inimigo em dez anos de missão. As posições brasileiras foram ocupadas pelas tropas israelenses.

Alguns dias depois, em 13 de junho, ocorreu a evacuação do contingente brasileiro. Estava encerrada a participação brasileira na primeira força de paz da ONU.

Referências

ARRAES, Ricardo. Batalhão Suez: história, memória e representações dos soldados brasileiros (1957-1967). Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. Cavado no deserto: uma história do Canal de Suez. (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/cavado-no-deserto-uma-historia-do-canal-do-suez/. Publicado em: 29 mar. 2021. ISSN: 2674-5917.

LOPES, Fabiano Luiz Bueno. Batalhão Suez: história, memória e representação coletiva (1956-2006). s.l.: edição do autor, 2008.

Como citar este artigo

OLIVEIRA, Dennison; NETO, Wilson de Oliveira. Soldados brasileiros na Faixa de Gaza. In: Café História. Pieces of History. Publicado em 30 out. de 2023. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/soldados-brasileiros-na-faixa-de-gaza/. ISSN: 2674-5917.

Dennison de Oliveira e Wilson de Oliveira Neto

Dennison de Oliveira é professor titular do Departamento de História da UFPR. Desde 2015 é divulgador do formato hipertextual para textos de História (https://www.facebook.com/historiahipertextual). Wilson de Oliveira Neto é doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professor Adjunto da Univille Universidade.

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