Pesquisa examina trajetória de descendente de escravizados que criou festa popular para celebrar o 13 de maio

Festa na cidade baiana era organizada por Maria Rogaciana, uma mulher negra, descendente de escravizados e trabalhadora doméstica.
13 de maio de 2024
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Certidão de Inteiro Teor de Maria Rogaciana da Silva, expedida pelo Cartório de Registro civil de pessoas naturais do 1º Ofício da Comarca de Vitória da Conquista do estado da Bahia, em 21 de novembro de 2021. Foto: Giovana Alves Marques.

Em 13 de maio de 1888, a escravidão no Brasil foi oficialmente abolida por meio da Lei Áurea. Nos últimos anos, a data vem sendo ressignificada a partir da perspectiva do protagonismo da população negra no processo abolicionista, dando visibilidade às lutas dos escravizados e ex-escravizados por liberdade e igualdade. Durante as primeiras décadas do século XX, o Dia da Abolição da Escravatura se tornou feriado nacional, sendo celebrado como tal até 1930, quando Getúlio Vargas retirou a data do calendário nacional, sob o pretexto de que seria necessário reduzir a quantidade de feriados para promover maior “vantagem do trabalho”. No mesmo decreto, Vargas criou o Dia do Trabalhador, a ser comemorado em 1º de maio.

Contudo, o fim do feriado nacional não encerrou as celebrações de 13 de maio e a data continuou a ser comemorada Brasil afora, como na cidade de Vitória da Conquista (BA), onde a festa era organizada por Maria Rogaciana, uma mulher negra, descendente de escravizados e trabalhadora doméstica. Esse é o tema da dissertação “O Baú de Maria Rogaciana na aula de História – Trajetória de uma mulher negra e representações da Festa do Treze de Maio em Vitória da Conquista/BA (1888-1956)”, defendida pela pesquisadora Giovana Alves Marques no programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em 2022. Você pode acessar a dissertação aqui.  

Além de analisar a trajetória de Maria Rogaciana, a pesquisadora também aborda as representações das comemorações do 13 de maio e as relações étnico-raciais em Vitória da Conquista, explorando as potencialidades do tema para a aprendizagem histórica. “As festas do 13 de maio, organizadas por Maria Rogaciana, diferentemente de outras comemorações ocorridas na Bahia e no Brasil, ao longo das décadas imediatamente posteriores ao fim da escravidão, apresentavam características peculiares, constituindo-se, desde o início, como eventos cívicos, com a adesão e apoio das camadas proprietárias, consideradas não negras e detentoras do poder instituído na cidade”, destaca.

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Cortejo do 13 de Maio em Vitória da Conquista, com Maria Rogaciana da Silva à frente. Esse é o único registro fotográfico de Maria Rogaciana da Silva. Fonte: VIANA, Aníbal Lopes. Revista histórica de Conquista. Vitória da Conquista, v. 1, 1982.

O trabalho foi dividido em seis capítulos. Nos cinco primeiros, Giovana faz uma revisão crítica dos estudos e debates recentes sobre as representações de Maria Rogaciana, dos festejos do 13 de maio e das relações étnico-raciais. Na parte final, ela discorre sobre o papel da escola e do Ensino de História e apresenta um produto pedagógico – uma caixa/baú composto por fontes e atividades didáticas relacionadas à história de Maria Rogaciana.

Maria Rogaciana e o 13 de maio

Nascida em 23 de março de 1882, em Jussiape, na Chapada Diamantina, Maria Rogaciana era a décima quinta filha de Felippe José dos Santos e de Agnastácia da Silva Gomes. Apesar de ter nascido após a Lei do Ventre Livre (1871), provavelmente, ela foi criada como escravizada com os pais e os irmãos mais velhos. “Segundo a lei, após a aprovação, os filhos das mulheres escravizadas seriam considerados livres. No entanto, deveriam ficar até os oito anos sob o poder dos senhores, aos quais suas mães pertenciam. Esses senhores tinham a opção de, em troca de uma indenização, entregar as crianças ao Estado ou manter a guarda sobre elas e explorar os seus serviços até os 21 anos. Isso implicava na utilização dessa mão de obra desde a infância”, explica Giovana.

Segundo a pesquisadora, Maria Rogaciana chegou ao Planalto da Conquista no final do século XIX, trazida por um padre para prestar serviços domésticos na sua residência. Após a morte do religioso, em 1905, Rogaciana passou a viver na casa de uma filha dele, a professora Cota, apelido de Maria Leal.

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Elementos que compõem o Baú de Maria Rogaciana. Fotografia de Jairo Carvalho, Vitória da Conquista, 2022. Foto: Giovana Alves Marques.

Não se sabe ao certo como e quando Maria Rogaciana assumiu o protagonismo da organização das festas na cidade. Contudo, jornais da época apontam que as festividades tiveram início por volta de 1928. Segundo memorialistas, Rogaciana teria investido as próprias economias para a realização da festa e pedido ajuda a pessoas de posses, como políticos, comerciantes e fazendeiros da região, após a tentativa frustrada de conseguir arrecadar fundos entre a população negra, formada principalmente por ex-escravizados.

As festas organizadas por Maria Rogaciana apresentavam aspectos cívicos-religiosos, tendo como característica marcante a homenagem a Ruy Barbosa e, principalmente, à princesa Isabel. A festa começava antes de o sol raiar com o estouro de foguetes e a apresentação de filarmônicas. Ainda de manhã, era realizada uma missa na Igreja matriz e uma sessão solene no Paço municipal ou no Salão Paroquial, que contava com a participação de escolas, autoridades locais e a elite conquistense. Em seguida, ocorria um cortejo cívico pelas ruas da cidade, composto por charolas com retratos da princesa Isabel, de Ruy Barbosa e outros abolicionistas. As comemorações só eram encerradas à noite com bailes em lugares fechados da prefeitura, bares elegantes e o Clube Social.

“Em uma análise preliminar dos discursos presentes nas fontes, as celebrações, lideradas por Maria Rogaciana, podem ser interpretadas, de forma simplista, como eventos que contribuíam para a persistência de relações étnico-raciais e sociais desiguais no contexto histórico abordado. Mas o estudo aprofundado dessas representações evidencia que a luta de Maria Rogaciana para promover as comemorações do Treze de Maio refletiam a preocupação em evitar o apagamento da memória da Abolição, bem como exemplificavam as estratégias de inserção social e o protagonismo das mulheres negras na sociedade racializada do pós-1888”, reflete Giovana.

O baú de Maria Rogaciana

Como proposta pedagógica, a pesquisadora elaborou a construção um baú composto por fontes, elementos lúdicos e simbólicos, e atividades pedagógicas relacionados à história das celebrações do 13 de maio. “Os memorialistas relatam que Rogaciana tinha uma arca em que guardava a foto da Princesa Isabel. Todo ano, após a festa colocaria ali a imagem, carregada de simbolismos. Daí surgiu a ideia de construir um produto pedagógico com esse formato”, conta Giovana.

Além de um caderno com treze propostas de atividades pedagógicas destinadas aos estudantes do Ensino Médio, o Baú de Maria Rogaciana ainda conta com duas maquetes, simulacros de estandartes e um teatro de bonecos. Os elementos que compõem o acervo foram produzidos artesanalmente por mulheres negras da comunidade quilombola Lagoa de Melquíades.

“Tal ideia incorre no risco de imaginar que esse seria um receptáculo com uma função armazenadora, associando-o a uma concepção de aprendizado histórico anacrônica, fundamentada no acúmulo de conhecimentos, fontes, atividades, destituindo o processo de um caráter vivo e baseado em pressupostos teóricos metodológicos atuais. Diferentemente dessa ideia, o que o Baú propõe é o estímulo ao desenvolvimento do pensamento histórico. Este não se destina a entesourar vestígios empoeirados do passado e sim ampliar, por meio da discussão da temática, as relações entre passado, presente e as perspectivas de futuro”, conclui Giovana.

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Bruno Lima

Graduado em Jornalismo e História. Meste em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade de Brasília (UnB). Dedica-se a estudos de História do Brasil República, com ênfase na Era Vargas, direitos trabalhistas, História Social do Trabalho, Justiça do Trabalho, comunismo e anticomunismo e PCB nos anos 1930. Escreve regularmente sobre mestrado profissional em História (ProfHistoria) para o Café História.

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