Festa popular é tema de pesquisa histórica em universidade pernambucana

“Cavalo Marinho”, variante do Bumba Meu Boi, tem dança, toadas e loas. Enredo remete à estrutura social de um engenho de cana-de-açúcar, retratando o cotidiano de homens e mulheres escravizados e ex-escravizados.
2 de maio de 2024
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A manifestação cultural do Cavalo-Marinho - Olinda, Pernambuco, Brasil. 2009. Foto: Ádria de Souza/Prefeitura de Olinda.

Inscrita pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Livro de Registro das Formas de Expressão desde 2014, o “Cavalo Marinho” é um festejo popular variante do Bumba Meu Boi e envolve performances, cânticos, coreografias e toadas. As diferentes dimensões dessa manifestação cultural foi o tema da dissertação intitulada “Do terreiro à escola: práticas de Ensino de História a partir das vivências do Cavalo Marinho em Aliança-PE”, defendida por Luciano Antonio dos Santos, no programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), da Universidade de Pernambuco, em 2022. Você pode acessar a dissertação aqui.  

A pesquisa abordou a festa realizada na comunidade da Chã do Esconso, na cidade da Aliança (PE), no terreiro do Cavalo Marinho Boi Pintado do Mestre Grimário. Segundo o pesquisador, a festividade foi criada como diversão, mas estruturada em cima das relações de trabalho e de poder dos agentes envolvidos. “As falas contidas durante toda a apresentação, trazem consigo também as discussões do preço do trabalho, de cuidar do terreno para o plantio da cana, de cuidar do gado, entre outras atividades”, explica o autor.

Luciano utilizou diversas fontes para a pesquisa, como jornais, atas de reuniões, fotografias e entrevistas feitas com lideranças locais por meio da técnica da História Oral para analisar o festejo como ferramenta pedagógica para a reeducação decolonial a partir da relação entre o Ensino de História e a manifestação cultural do Cavalo Marinho.

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Na primeira parte da dissertação, ele discute a festa como uma expressão de resistência cultural na Zona da Mata Norte de Pernambuco e as influências da sociedade açucareira na formação do município da Aliança, como também nas festas e diversões da zona urbana e zona rural da região. O segundo capítulo foca nos debates sobre o ensino decolonial e a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no ensino básico do país. Por fim, é apresentada uma proposta de criação de um Núcleo de Cultura na Escola Belarmino Pessoa de Mello, que está localizada na região onde historicamente nasceu o Cavalo Marinho, como forma de preservação e valorização do festejo.

Festa de terreiro

Os primeiros registros do Cavalo Marinho datam de 1871, nos engenhos (A)lagoa Seca e Urubu, atual distrito de Upatininga, Aliança (PE). A encenação nasceu dentro das senzalas e era realizada nos terreiros de chão batido em frente às mesmas, mas também tinha um caráter itinerante. “Os atores sociais do Cavalo Marinho guardam histórias de seus antepassados, de suas ancestralidades que atualizam suas lutas por meio de memórias coletivas”, conta Luciano.

A apresentação reúne dança (trupé, pisada e galope), toadas (músicas) e loas (poesia) e o enredo remete à estrutura social de um engenho de cana-de-açúcar, retratando o cotidiano de homens e mulheres escravizados e ex-escravizados. A brincadeira do Cavalo Marinho conta a história dos “negos” Mateu(s), (Se)Bastião, contratados pelo Capitão Marinho para tomarem conta de uma festa em homenagem ao Divino Santo Rei do Oriente, o menino Jesus e a São Gonçalo do Amarante – o santo casamenteiro. Contudo, os empregados largam suas funções e entram na farra, bagunçando a comemoração. Para controlar a situação, o capitão convoca o Soldado da Gurita. A encenação conta com cerca de 76 personagens caracterizados com roupas, máscaras e maquiagem. 

“Foi minha intenção com esse estudo, refletir sobre o processo histórico de formação e de como os elementos do Cavalo Marinho contribuem para compreender as relações sociais, étnico-raciais, econômicas e culturais dentro da comunidade, como exemplo as relações de poder na Zona da Mata Norte de Pernambuco existentes desde o período Colonial”, ressalta.

Preservação cultural

A pesquisa sobre o Cavalo Marinho deu origem a uma proposta de criação de um Núcleo de Cultura, a ser implementado na Escola Belarmino Pessoa de Mello, localizada na comunidade da Chã do Esconso, em Aliança (PE). O objetivo é ter um local especialmente reservado para práticas e atividades pedagógicas voltadas para o enaltecimento e o fortalecimento da cultura afro-brasileira e a preservação da manifestação do Cavalo Marinho.

Segundo o projeto, o Núcleo de Cultura vai contar com computadores, projeção de vídeos, exibição de fotos, músicas, máscaras das figuras do Cavalo Marinho, maquetes, manequins, instrumentos musicais, entre outros recursos, funcionando ao mesmo tempo, como museu e um espaço de mediação de rodas de conversas.

A instalação ainda pretende funcionar como um ambiente para apresentações culturais, oficinas e outras ações educativas. “Será um lugar com atividades permanentes e interdisciplinares, inserindo os agentes locais em sua própria realidade, tornando os envolvidos sujeitos da sua própria história”, reflete Luciano.

Bruno Lima

Graduado em Jornalismo e História. Meste em História pelo Programa de Pós-graduação em História Social na Universidade de Brasília (UnB). Dedica-se a estudos de História do Brasil República, com ênfase na Era Vargas, direitos trabalhistas, História Social do Trabalho, Justiça do Trabalho, comunismo e anticomunismo e PCB nos anos 1930. Escreve regularmente sobre mestrado profissional em História (ProfHistoria) para o Café História.

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