Normandia, 1944

Historiador faz narrativa densa de uma das batalhas mais impressionantes da Segunda Guerra Mundial: a invasão da Normandia, no norte da França, pelas forças aliadas, entre junho e julho de 1944. Para David Bell devemos ser gratos aos que derramaram seu sangue na luta contra as forças do Eixo. 
20 de março de 2023
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Os soldados desembarcam em um LCVP. A luta mudou no interior. Imagem cortesia de National Archives, 111-SC-320901

Em alguns meses ocorrerá o 79º aniversário dos desembarques do “Dia D”, na Normandia. Os veteranos aliados mais jovens que lutaram naqueles desembarques e sobreviveram têm agora 96 anos, e a grande maioria de seus companheiros soldados já deixou esta vida. Mais de 4.000 deles, principalmente americanos e canadenses, partiram em 6 de junho de 1944, juntamente com muitos milhares de alemães.

A terra e o mar da Normandia ainda têm vestígios daquelas batalhas. Na praia de Arromanches e até mesmo na água, ainda se encontram os enormes restos de concreto do porto artificial construído para desembarcar homens, materiais e veículos neste trecho da costa normanda – ao cabo, meio milhão de veículos desembarcaram ali nos meses de junho e julho de 1944. No topo de um Pointe du Hoc varrido pelo vento, o solo ainda está esburacado pelos impactos das explosões das forças aliadas em 6 de junho, alguns com quase dez pés de profundidade. Em mais um mês, eles se encherão de flores silvestres, que se combinarão com os remanescentes dos bunkers alemães para formar uma espécie de instalação de arte estranha e maravilhosa. Na madrugada de 6 de junho, 225 rangers americanos escalaram a falésia sob fogo pesado para eliminar a artilharia alemã que pensavam – erroneamente, como se descobriu – estar posicionada no topo, ameaçando as praias de Utah e Omaha. Apenas 90 soldados sobreviveram aos ataques.

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Um capacete dos EUA fica em cima de uma metralhadora alemã capturada, marcando a localização em Pointe du Hoc de camaradas caídos, vítimas de 6 de junho. Embora não haja um número “oficial”, as baixas aliadas em 6 de junho são estimadas em 10.000. O número de vítimas do Eixo é estimado entre 4.000 e 9.000 homens. Imagem cortesia do National Archives, W+C#1045

Algumas milhas adiante, em Colleville, há longas e sóbrias fileiras de cruzes brancas, quebradas aqui e ali por estrelas de David, no cemitério militar americano. Além disso, a grama verde cede lugar a um muro baixo, mato, areia e o mar azul além. É indescritivelmente bonito e imensamente emocionante. O cemitério militar alemão próximo de La Cambe é ainda mais sombrio e problemático. Lá, cruzes escuras ficam em grupos de cinco, e em um canto se pode ver a pedra que marca o lugar de descanso final do Sturmbannführer Adolf Diekmann. Apenas quatro dias após os desembarques aliados, Diekmann comandou as forças nazistas que realizaram um massacre na vila francesa do sudoeste de Oradour-sur-Glane, matando quase 200 homens a tiros e queimando vivas mais de 400 mulheres e crianças na igreja da vila. Transferido para a Normandia, ele foi morto por um tanque americano em 29 de junho.

A magnitude dos desembarques e da subsequente campanha da Normandia é surpreendente. Mas ainda mais surpreendente é que, apesar da escala, isso representa apenas um palco relativamente pequeno, mas estrategicamente crítico, da incrivelmente maciça conflagração que chamamos de Segunda Guerra Mundial, com seus mais de sessenta milhões de mortos.

Na Europa, o número de militares envolvidos na abertura desta nova frente ocidental foi superado pelos que, no mesmo momento, lutavam na frente oriental, enquanto a União Soviética expulsava o Eixo de seus territórios ocupados restantes na Operação Bagration. A luta, é claro, prosseguia também na Itália, no sudeste da Europa, em grande parte do sudeste da Ásia, por vastas áreas do Oceano Pacífico e no ar, enquanto os alemães faziam os seus últimos esforços para bombardear o território aliado, e os aliados reduziram cidades após cidades na Alemanha e no Japão a escombros, cinzas e ossos.

A sensação é a de que vimos um enorme progresso material desde o fim da guerra. E é claro que vimos, mas o fato é que nenhum país do mundo é capaz agora de realizar o tipo de esforço industrial visto durante a Segunda Guerra Mundial. Considere que, no final da guerra, os estaleiros americanos levavam, em média, 39 dias cada para construir “navios Liberty”, que podiam transportar 10.000 toneladas de carga. No final, foram feitos cerca de 2.710 deles. No verão de 1942, o general Franz Halder disse a Hitler que os soviéticos estavam construindo 1.200 tanques por mês, em comparação com os 500 da Alemanha. Hitler chamou o número de exagero ridículo. Na verdade, os soviéticos estavam construindo 2.400 tanques por mês.

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A armada aliada descarrega sua carga na praia de Omaha. Os LSTs encalharam e estão descarregando veículos enquanto os cargueiros ficam mais distantes e são descarregados por LVCPs e DUKWs. Doação de Jeffery M. Cole e Mary Egan, The National WWII Museum Inc., 2002.119.

Presumivelmente, durante um período prolongado de emergência militar, as sociedades contemporâneas se reequipariam para voltar a este nível de produção, mas elas ainda estão longe disso. A Rússia em particular parece (felizmente) incapaz de igualar seu antecessor soviético nesse sentido. É uma das principais razões pelas quais, apesar dos horrores da guerra Rússia-Ucrânia, a luta continua em uma escala consideravelmente menor do que na Segunda Guerra Mundial.

Não se engane: a Segunda Guerra Mundial foi um horror e brutalizou todas as sociedades que participaram dela. Mas havia um mal (muito) maior: um governo alemão criminoso que, durante a guerra, cometeu os maiores crimes da história humana e teria feito muito pior se não fosse impedido pelos aliados, tanto ocidentais quanto orientais. Podemos –  devemos – falar francamente sobre tudo o que os aliados fizeram, incluindo o bombardeio de cidades inimigas, a falta de ação para salvar os judeus da Europa e as graves violações dos direitos civis em casa. Mas não devemos falar sobre essas coisas independentemente do contexto maior do que significou a guerra e como seria o mundo se o Eixo tivesse vencido. E devemos ser infinitamente gratos àqueles que jazem sob as cruzes e estrelas brancas em Coleville, à beira-mar.

Esses pensamentos vêm à mente no final de quase uma semana guiando um grupo de 14 alunos – 9 deles cadetes do ROTC – pela Normandia na companhia de um colega do Departamento de História, um estudante de pós-graduação e o Tenente Coronel e Sargento Mestre do Batalhão ROTC do Exército de Princeton. Os alunos fizeram jus à universidade e ficaram visivelmente comovidos com o que viram. Gostaria que pudéssemos levar todos os alunos lá, para ver e refletir.

Como citar este artigo

BELL, David. B. Normandia, 1944. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/normandia-1944-o-dia-d/. Publicado em: 27 fev. 2023. ISSN: 2674-5917. Tradução: Bruno Leal Pastor de Carvalho. Este artigo foi originalmente publicado no Substack de David A. Bell, “French Reflections”. Sua tradução e publicação no Café História foi traduzida pelo autor. Todos os direitos reservados.

David A. Bell

Professor do Departamento de História da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Estuda a Europa moderna e o início da Era Moderna. É autor de sete livros, o mais recente deles “Men on Horseback: Charisma and Power in the Age of Revolutions” (Farrar, Straus and Giroux, 2020), que mostra como as formas modernas de carisma político foram entrelaçadas com as formas modernas de democracia constitucional, com o potencial de reforçá-las e miná-las. Atualmente, ele escreve sobre a história do Iluminismo.

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