A enorme popularização das redes sociais na internet e a aproximação da academia com as mídias digitais têm colocado novas questões no já polêmico debate sobre as formas de avaliação do impacto do conhecimento científico. Nesse contexto, a altmetria tem ganhado força como um indicador complementar, que entende que a medição de impacto por citações da pesquisa e seus autores não pode se restringir às publicações voltadas para a comunidade científica. Este indicador se propõe a considerar também meios e canais voltados para um público mais amplo, espaços considerados não tradicionais da comunicação científica – ou “alternativos”, daí o nome em inglês altmetrics – trazendo para o debate a repercussão das pesquisas na sociedade como um todo.
A altmetria, em síntese, está preocupada em saber como “os resultados de pesquisa são vistos e usados em ambientes online”.1 Para isso, ela leva em conta um conjunto bastante diversificado de indicadores: citações, menções, compartilhamentos e curtidas em mídias sociais, downloads, etiquetagens ou tagueamento (uso de tag), comentários, notícias, reportagens, enciclopédias, sites, bookmarks, visualizações e registro em gerenciadores de referências bibliográficas, como o Zotero e o Mendeley, entre outros.
Revistas mundialmente reconhecidas no meio científico, como a britânica Nature, publicada pela primeira vez em 1869,já têm utilizado o sistema de altmetria para complementar às métricas mais tradicionais. No Brasil, a revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, uma das mais importantes na área da História no país, também vem utilizando o mesmo sistema para melhor avaliar o seu impacto.
Em tese, a altmetria deveria considerar a aparição de um trabalho científico em todo e qualquer canal: de uma sala de aula até um livro didático, de um programa de rádio até um discurso público. Trabalhos científicos, afinal, são úteis em diferentes contextos e para diferentes sujeitos. Porém, o que se tem visto na prática é que a altmetria tem se concentrado fundamentalmente na internet, sobretudo nas redes sociais e em gerenciadores de referência bibliográfica. Isto talvez se explique pelo fato de a internet ser um espaço cada vez mais utilizado por acadêmicos e que se preste melhor à indexação de conteúdo. Por exemplo: do ponto de vista tecnológico, é muito mais fácil rastrear a citação de um trabalho acadêmico no Twitter do que num programa de TV.
Surgimento da altmetria
O termo “altmetria” foi empregado pela primeira vez em um tuíte publicado no dia 28 de setembro de 2010 por Jason Priem, um jovem pesquisador da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Talvez nunca na história da ciência uma publicação tão pequena e despretensiosa tenha gerado tanta repercussão – a ideia de usar as mídias sociais não era exatamente nova, mas agora havia um termo em torno do qual o debate se tornou mais provocativo, envolvente, consistente e promissor.
Poucos meses depois, Priem voltou a falar sobre o assunto. E não estava mais sozinho. Em coautoria com P. Groth e C. Neylin, ele publicou um manifesto no qual utiliza muito mais do que os 140 caracteres de um tuítepara explicar qual era a ideia por trás da altmetria.2 Neste documento, os autores do manifesto apontam como ponto de partida para uso da altmetria a explosão da literatura acadêmica na era digital e a limitação de métodos como o tradicional Fator de Impacto (FI), proposto por Eugene Garfield, em 1955, ou mesmo o Índice H, proposto inicialmente por Jorge E. Hirsch, em 2005 3 – ambos buscam quantificar citações e constituem a base da cientometria, “ramo da bibliometria que avalia publicações dentro da comunidade científica e auxilia na elaboração de políticas científicas”.4
Em linhas gerais, o que o manifesto aponta é simples: na era em que as redes sociais fazem parte de nossas vidas pessoal e profissional, há muitos canais relevantes no quais os artigos científicos são divulgados. Logo, esses canais devem ser levados em consideração como indicadores complementares às métricas tradicionais. As implicações do manifesto, contudo, são complexas: elas expandem (e muito) os horizontes da cientometria.
Altmetria na prática
Algumas empresas têm desenvolvido plataformas e ferramentas que oferecem diversos tipos de monitoramento desse tipo de indicador (altmetria) e gestão de dados. No momento em que este artigo é escrito há quatro grandes plataformas que fazem esse trabalho: a PLOS Article-Level Metrics, desenvolvida em 2009 pela Public Library of Science, um ano, portanto, antes da publicação do Altmetrics Manifesto – a este indicador que Priem fazia referência em seu tuíte; a Plum Analytics, que é vinculada à EBSCO e oferece seu serviço a universidades e centros de pesquisa; a ImpactStory, voltada para pesquisadores individuais, e a Altmetrics, a mais famosa, que é vinculada a uma empresa chamada Digital Science e que utiliza diversas bases de dados de periódicos.
A Altmetrics ilustra bem como funciona esse tipo de serviço. Um dos bancos de dados bibliográficos vinculados à plataforma é o SciELO – Scientific Electronic Library Online, mantido pela FAPESP com apoio do CNPq e da Unifesp. No SciELO estão indexadas as mais bem avaliadas revistas acadêmicas do Brasil – e vamos usar uma delas como exemplo. Tomamos aqui o artigo “Os partidos de direita e o debate sobre as estratégias anticomunistas (Brasil e Chile, 1945-1950)”, de Ernesto Bohoslavsky, publicado na revista Varia História, do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG (n. 52, jan.-abr. 2014).5 Na página do artigo no SciELO, na guia “Indicators”, há um pequeno ícone intitulado “Altmetrics”. Ao clicar nele, somos levados para uma página externa com todas as informações altmétricas do artigo, conforme podemos ver logo abaixo.
Podemos verificar que esse artigo foi mencionado em três canais: blog, Twitter e Facebook. Cada um desses canais possuem uma cor diferente, representada em um chamativo círculo colorido apelidado de Altmetric Donut. Quanto mais colorido for esse círculo, maior a diversidade de canais em que o artigo foi citado. Além disso, sabemos exatamente quais são os blogs e perfis de redes sociais nos quais esse artigo foi mencionado. Qualquer pessoa pode ver essas informações, mas o editor da Varia História tem acesso a dados mais completos. Esses dados podem auxiliar na tomada de decisões quanto à gestão do periódico e à definição de políticas de divulgação científica.
Redes como o Twitter e o Facebook são analisadas sistematicamente pelos algoritmos da Altmetric – sempre que um artigo é mencionado em uma publicação feita nessas duas redes, o Altmetric Donut é alterado. No caso dos blogs e portais, a Altmetric faz uma curadoria manual. Ela recebe indicação de um site e avalia a sua relevância para o campo cientifico. Se aprovado nesse processo de curadoria, esse blog ou portal passa a ser monitorado e rastreado pela plataforma – caso do Café História.
Mesmo estando em seu estágio inicial, a altmetria tem feito avanços significativos em termos de soluções tecnológicas. Uma dessas soluções é o rastreamento através dos chamados identificadores digitais. Atualmente, há dois grandes identificadores: o DOI (para itens) e o ORCID (para autores). Se uma pessoa compartilhar um determinado artigo utilizando o DOI, o rastreamento dele pode ser feito mais facilmente.
Desafios e limites da altmetria
A altmetria tem muitos desafios e limites. De acordo com João de Melo Maricato e Ethamillya Lyanna Moura Lima, “um dos riscos mencionados na literatura diz respeito à possibilidade de manipulação dos dados de maneira mais fácil quando comparado aos indicadores bibliométricos e cientométricos. Ou seja, existe a possibilidade, relativamente simples, de que os indicadores sejam artificialmente aumentados”.6
Já Iara Vidal Pereira de Souza, destaca que precisamos ainda compreender o que significam todos esses dados e como podemos relacionar eles entre si, especialmente quando levamos em conta a particularidade de cada disciplina. “São muitos indicadores possíveis, e é difícil estabelecer relações entre eles. Qual a relação entre um tweet e um post no Facebook? Um post de blog tem mais valor que um leitor do Mendeley? Um artigo compartilhado 1000 vezes é melhor que um artigo compartilhado 100 vezes?”.7
Outra questão é a dos identificadores digitais: nem todas as revistas utilizam esses marcadores. No caso do identificador mais utilizado hoje em dia pela comunidade científica, o DOI, trata-se de um serviço pago, o que cria entraves para a sua universalização – alguns periódicos e artigos são indexados por plataformas altmétricas enquanto outros não. Além disso, nem todos os canais e plataformas (blogs, comunidades, fóruns, redes sociais) são consideradas relevantes pelas análises altmétricas. Quem define qual desses canais deve ser observado? Utilizando quais critérios? Esses entraves podem levar a distorções na leitura altmétrica da ciência.
No campo da História, particularmente, poucos editores de periódicos científicos estão familiarizados com a altmetria. Mesmo aqueles que conhecem o termo, ainda estão aprendendo a dominar a metodologia e suas possibilidades. Esta dificuldade decorre não do desinteresse desses editores, mas de fatores como a dificuldade de sinergia do meio acadêmico internacional, a complexidade da altmetria e a oferta de cursos e capacitações em altmetria no país – não ignorando a realização de eventos internacionais sobre o tema no Brasil, caso do Latmetrics – altmetria e ciência aberta na América Latina, que ocorreu nos dias 28, 29 e 30 de novembro de 2018 em Niterói, no Rio de Janeiro; nem iniciativas como o Altmetria, um blog especializado no assunto, dirigido a pesquisadores, bibliotecários, editores científicos e outros interessados pelo tema, mantido por Andréa Gonçalves do Nascimento, bibliotecária formada pela Universidade de São Paulo0 e com pós-graduação em Tecnologia da Informação pela New York University.
Mais do que a expressão de uma obsessão acadêmica por dados quantitativos, a altmetria está em busca de uma compreensão qualitativa dos dados – quer identificar o contexto das citações, o perfil do público não especialista que interage com o conhecimento científico, a forma da interação, os critérios e motivos que o levaram a interagir, as apropriações do conhecimento produzido nas universidades e centros de pesquisa. A altmetria pode contribuir significativamente para alargar a nossa compreensão dos impactos social e acadêmico da produção científica. Atenta ao impacto social das novas tecnologias, a altmetria tem o mérito de valorizar os diversos públicos da ciência, renovando, assim, os vínculos desta com a sociedade.
Notas
1 NASCIMENTO, Andréa Gonçalves do. Altmetria para bibliotecários. São Paulo: Scortecci, 2017. p.56.
2 PRIEM, Jason et al. Altmetrics: a manifesto. altmetrics.org. 2010. Disponível aqui.
3 THOMAZ, Petronio Generoso; ASSAD, Renato Samy; MOREIRA, Luiz Felipe P. Uso do Fator de impacto e do índice H para avaliar pesquisadores e publicações. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. São Paulo, v. 96, n. 2, pp. 90-93, fev. 2011. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2011000200001. Acesso em 14 jan. 2019.
4 KISHI, Kátia. Por que o Fator de Impacto é criticado? In Galoá – Journal. Disponivel aqui. Acesso em 14 jan. 2019.
5BOHOSLAVSKY, Ernesto. Os partidos de direita e o debate sobre as estratégias anticomunistas (Brasil e Chile, 1945-1950). Varia historia, Belo Horizonte, v. 30, n. 52, p. 51-66, abr. 2014. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752014000100003. Acesso em 14 jan. 2019.
6 MARICATO, João de Melo; LIMA, Ethamillya Lyanna Moura. Impactos da Altmetria: aspectos observados com análises de perfis no Facebook e Twitter. Informação & Sociedade: Estudos, UFPB, v. 27, n. 1, 2017. Disponível para download e leitura aqui. Acesso: 12 jan. 2019.
7 SOUZA, I. V. P. (2015). Altmetria ou métricas alternativas: conceitos e principais características. In: AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento, UFPR, 4(2), pp. 58-60. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v4i2.44554. Aceso em 13 jan. 2019.
Referências Bibliográficas
BOHOSLAVSKY, Ernesto. Os partidos de direita e o debate sobre as estratégias anticomunistas (Brasil e Chile, 1945-1950). Varia historia, Belo Horizonte, UFMG, v. 30, n. 52, pp. 51-66, abr. 2014.
MARICATO, João de Melo; LIMA, Ethamillya Lyanna Moura. Impactos da Altmetria: aspectos observados com análises de perfis no Facebook e Twitter. Informação & Sociedade: Estudos, UFPB, v. 27, n. 1, 2017.
NASCIMENTO, Andréa Gonçalves do. Altmetria para bibliotecários. São Paulo: Scortecci, 2017.
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Como citar este artigo
CARVALHO, Bruno Leal Pastor de Carvalho. O que é altmetria? Repensando o impacto da pesquisa acadêmica (Artigo). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/altmetria-novo-olhar/. Publicado em: 18 mar. 2019.