“Afinal, quem sou eu?”: projeto leva a história de favelas para sala de aula

Com base em saberes das sociedades tradicionais africanas, o professor de História Flavio Mota leva História de favelas para sala de aula.
16 de dezembro de 2022
“Afinal, quem sou eu?”: projeto leva a história de favelas para sala de aula 1
Periferia de São Paulo, Danilo Alves, Unsplash.

As favelas são conjuntos habitacionais localizados em áreas centrais ou periféricas que costumam aparecer nas mídias de forma estereotipada, quase sempre uma notícia sobre violência. Com o objetivo de ressignificar a ideia de ser “favelado”, o professor de História Flavio Mota desenvolveu um conjunto de atividades com seus alunos, moradores do Morro da Pedreira, localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

Seu trabalho, “‘Afinal, quem sou eu?’ ‒ A potencialidade da história escolar na mediação de saberes e seu papel na reflexão e construção de identidades”, foi defendido pelo ProfHistória, na Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FFP/UERJ), em 2018.

Mota desenvolveu as atividades em turmas de 7º e 8º anos da Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, onde leciona. As propostas didáticas foram articuladas com o currículo das turmas ministradas pelo professor.

Ancestralidade e filosofia griot

Antes de iniciar as discussões sobre as favelas na contemporaneidade, perguntou aos alunos o que pensavam quando ouviam falar sobre a África, e como resposta recebeu os estereótipos de fome, pobreza e savanas. A fim de contrapor essa perspectiva, o professor realizou uma apresentação de cantores de rap africanos que expressavam outras visões sobre o continente. Ao final da exposição, Mota discutiu com os alunos o conceito de griot, como são conhecidos os mestres da palavra nas sociedades tradicionais africanas.

Conforme explica o professor, os griots são responsáveis por passar as histórias das famílias/grupos étnicos de geração a geração. Utilizam-se de musicalidade, danças e demais linguagens artísticas para contarem as histórias. Apesar disso, a arte não deve ser confundida com invenção de acontecimentos, pois um dos principais compromissos dos griots é com a palavra, e por consequência, com a verdade.

Após essa apresentação, Mota pediu aos estudantes que copiassem o conceito de griot do quadro. Em seguida, o professor abordou uma dimensão indispensável nas sociedades tradicionais africanas: a Oralidade. E por meio desse conceito, o professor realizou uma comparação entre os griots da Antiguidade africana e os griots contemporâneos.

Para isso, apresentou à turma videoclipes de funkeiros e sambistas brasileiros, como o funk “Não foi Cabral”, de Mc Carol de Niterói e o samba “Meu nome é favela”, de Arlindo Cruz. Mota concluiu junto aos estudantes que os cantores negros contemporâneos, ao expressarem por meio da arte suas histórias e as histórias do lugar onde vivem, assumem o papel de mestres da palavra. 

As favelas na aula de História

As discussões sobre ancestralidade realizadas com os estudantes foi a primeira parte da dinâmica, que tinha como objetivo ressignificar a ideia de ser favelado. Mota desenvolveu uma segunda etapa de atividades, que envolveu a escuta dos estudantes sobre “ser favelado”. Ao ouvi-los, o professor constatou que os alunos reproduziam os discursos da grande mídia, resumindo as favelas à violência e à vulnerabilidade social.

Em um primeiro momento, o professor realizou com os alunos a busca pela palavra “favela” no Google. Sem surpresa, o que encontraram foi o predomínio de imagens e manchetes negativas. Então, o professor sugeriu aos estudantes escolher uma temática sobre o Morro da Pedreira e seu entorno, que mais lhe chamasse atenção.

A turma de 7º ano ficou responsável pela elaboração de cartazes com fotografias sobre a formação da Favela da Pedreira e pela realização de entrevistas com moradores. Já as turmas de 8º ano escolheram pesquisar a origem dos nomes das favelas e dos bairros próximos ao Morro da Pedreira, eventos e locais relevantes para a região, como bailes funk, a feira e o Hospital de Acari.

Segundo Mota, o envolvimento dos estudantes com as atividades permitiu que reconstruíssem seus olhares para a favela e para si mesmos. Os alunos tiveram a oportunidade de perceber que suas histórias, as histórias de seus vizinhos e familiares também cabem nas aulas de História. Para o professor, ao se apropriarem das narrativas sobre si mesmos, sobre a identidade e história local os alunos aprenderam a contestar narrativas hegemônicas sobre favela que circulam em nossa sociedade.

Outro resultado que o professor destacou foi a melhora da participação dos estudantes nas aulas de História sobre os demais conteúdos. Alunos que antes apresentavam desinteresse tiveram avanços ao colaborar com as aulas e apresentaram melhora nos resultados das avaliações. O trabalho de Mota contribui para que mais professores de História possam aproximar os estudantes da disciplina e para que transformem, de maneira positiva, suas visões de sobre si mesmos e o lugar onde residem. 

Thaís Pio Marques

Faz parte da equipe do Café História, onde realiza estágio voluntário. Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Durante a graduação fez parte do Grupo PET Conexões de Saberes – Licenciaturas, voltado para a elaboração e desenvolvimento de Projetos pedagógicos interdisciplinares. Atualmente, organiza o perfil de Instagram “Poesia e oralidade”, onde compartilha textos breves sobre competições de poesia (slams) e seus participantes. O trabalho na rede social é
articulado aos estudos sobre História Oral e História Pública.

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