Por que escrevemos biografias?

11 de fevereiro de 2019

Garantir a permanência na memória coletiva, fornecer exemplos e compreender os aspectos mais gerais da sociedade são alguns dos motivos que moveram e movem biógrafos e biógrafas.

Por Benito Bisso Schmidt

Ao longo da história, biografias já foram escritas por diversos motivos.

Em primeiro lugar, para evitar o esquecimento. Em função da inevitabilidade da morte, muitos(as) biógrafos(as) escreveram a fim de que as ações consideradas notáveis de seus personagens permanecessem na memória coletiva, garantindo a eles(as) uma vida histórica para além da vida biológica. Isso foi feito sobretudo no caso dos chamados “grandes homens” (no masculino mesmo, pois eram poucas as mulheres a serem biografadas), em geral líderes políticos e militares, mas, nas últimas décadas, também indivíduos pertencentes aos setores subalternos das sociedades (escravizados(as), mulheres, trabalhadores(as), marginais, etc.) passaram a merecer tal atenção.

Por que escrevemos biografias
Por que escrevemos biografias? Benito Bisso Schmidt responde. Foto: Viviane 6276 / Pixabay.

Articulado com o motivo anterior, temos outro: fornecer exemplos de ações positivas e negativas. Na chave da “história mestra da vida”, indivíduos do passado foram biografados a fim de que seus exemplos pudessem servir como modelos de virtudes e vícios às pessoas que lessem tais narrativas, estimulando-as a emularem suas condutas, orientando-as em suas vivências públicas e privadas.

Para outros biógrafos a razão era mais geral e metafísica: os “grandes homens” encarnariam a essência das sociedades, reunindo em si o “espírito” de uma época e explicando as continuidades e as transformações históricas. Por isso, tornava-se fundamental narrar as suas vidas.

Deve-se considerar, contudo, que, por muito tempo, historiadores(as) profissionais, em especial aquele (as) ligados à historiografia acadêmica, consideraram que não valia a pena escrever biografias, já que essas seriam incapazes, em sua visão, de explicar os grandes movimentos da história. Para eles(elas), os sujeitos históricos são sempre coletivos e os processos passados só podem ser compreendidos quando se leva em conta durações longas e médias, e não o tempo das curtas existências individuais. Apesar disso, fora da academia, muitos(as) continuaram escrevendo biografias por motivos diversos, que vão desde a curiosidade sobre detalhes picantes das vidas dos(as) biografados(as) até o desejo de celebrar trajetórias percebidas como “à frente de seu tempo”.

Nas últimas décadas, porém, no campo da historiografia, as biografias foram revalorizadas por motivos diversos. Para alguns(mas), é importante escrever narrativas biográficas a fim de se compreender questões mais gerais, pois os(as) biografados(as) seriam representativos(as) de grupos e processos mais amplos, para além de suas vidas individuais. Para outros(as), trata-se justamente do contrário: o valor da escrita de biografias residiria na singularidade dos indivíduos enfocados, cujas vidas seriam capazes de tensionar e até mesmo contradizer explicações gerais. Outro motivo interessante é aquele que postula que, através das biografias, seria possível identificar as margens de liberdade dos sujeitos individuais, mesmo diante de sistemas opressivos e normativos poderosos.

Enfim, há várias razões para se escrever biografias – falo aqui especialmente de biografias históricas – e não podemos esquecer uma das mais importantes: o prazer que elas proporcionam a quem as escreve e a quem as lê, a sensação de intimidade com o biografado que as boas biografias transmitem, a ideia de que a história não acontece em abstrato, mas encarnada em mulheres e homens reais.

Referências Bibliográficas

DOSSE, François. O desafio biográfico. Escrever uma vida. São PAULO: EDUSP, 2009.

LORIGA, Sabina. O pequeno X. Da biografia à história. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

AVELAR, Alexandre e SCHMIDT, Benito. O que pode a biografia. São Paulo: Letra e Voz, 2018.

Benito Bisso Schmidt – Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (1990), mestrado em História pela mesma instituição (1996) e doutorado em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (2002), com estágio no Centre d’Histoire Sociale du XXe Siècle (Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne) (2001). Atualmente, é Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Também integra o corpo docente do Mestrado Profissional em Ensino de História – PROFHIST (desde 2014).  Integra o Grupo de Pesquisa “Teoria e Metodologia da História” e o Laboratório de Ensino de História e Educação (LHISTE), ambos vinculados ao CNPq. Ministra disciplinas na área de Teoria e Metodologia da História e pesquisa temas como: gênero biográfico, história social da memória, história do trabalho, história das relações de gênero e ditaduras na América Latina. Schmidt já contribuiu com o Café História antes. Confira aqui sua entrevista para o portal.

Como citar este artigo

SCHMIDT, Benito Bisso. Por que escrevemos biografias? (Artigo). In: Café História – história feita com cliques. Publicado em 11 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/por-que-escrevemos-biografias/

Benito Bisso Schmidt

Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (1990), mestrado em História pela mesma instituição (1996) e doutorado em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (2002), com estágio no Centre d’Histoire Sociale du XXe Siècle (Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne) (2001). Atualmente, é Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Também integra o corpo docente do Mestrado Profissional em Ensino de História – PROFHIST (desde 2014). Integra o Grupo de Pesquisa “Teoria e Metodologia da História” e o Laboratório de Ensino de História e Educação (LHISTE), ambos vinculados ao CNPq. Ministra disciplinas na área de Teoria e Metodologia da História e pesquisa temas como: gênero biográfico, história social da memória, história do trabalho, história das relações de gênero e ditaduras na América Latina.

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