“As pessoas deveriam saber que a ciência não traz certezas, mas ela é a única coisa a se agarrar”

Para combater a desinformação, é melhor prevenir e treinar o público do que forçar uma mudança de opinião. Helena Matute, que investiga preconceitos, associações mentais e ilusões causais, considera que a equidistância de alguns meios de comunicação e a politização são os grandes problemas das notícias falsas na pandemia.
13 de outubro de 2020
Matute dirige o Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade de Deusto. / Foto cedida pela entrevistada.
Matute dirige o Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade de Deusto. / Foto cedida pela entrevistada.

A desinformação não é uma piada: ela levanta um problema de desconfiança e de percepção junto ao público, que, caso não esteja preparado, terá dificuldades em distinguir quais informações são verdadeiras e quais são falsas.

Há muitas ferramentas para combater este problema: verificar os dados, a fonte original da informação e a sua intencionalidade, distinguir os argumentos e falácias que compõem os discursos. Porém, o recurso ideal, segundo a pesquisadora Helena Matute, em termos de custo, esforço, tempo necessário e máxima eficácia, é a prevenção: uma espécie de vacina que torna os cidadãos à prova de notícias falsas, graças à ajuda do pensamento crítico e do método científico.

Matute é professora de Psicologia Experimental da Universidade de Deusto (Bilbao) e diretora do Laboratório de Psicologia Experimental. Seu grupo de trabalho investiga vieses cognitivos, ilusões causais, pseudociências, superstições e a psicologia das novas tecnologias. Suas publicações recentes tratam de boatos relacionados a pesquisas na Internet sobre saúde, interpretações subjetivas de sintomas, crenças sobre tratamentos ineficazes e vieses de causalidade.

Como uma pessoa (ou um grupo) é capaz de acreditar em algo que não tem uma base sólida ou é uma mentira pura?

Isso é muito fácil: a maioria de nós pode cair nesse tipos de armadilha. O que fazer para minimizar esse problema? É preciso é ter uma boa base, e não necessariamente científica. Temos que saber bem como funciona o método científico, como ele nos ajuda a distinguir o que funciona e o que não funciona. Isso é algo que muitas pessoas não sabem e que seria muito fácil de ensinar nas escolas: apresentar o funcionamento do método científico, fazer experiências nas aulas, montar grupos de controle. Em que podemos confiar? Que tipo de perguntas podemos fazer? Quando alguém nos dá um resultado, como podemos desmontar e compreender o experimento que foi realizado? É necessário muito treinamento em pensamento científico e crítico.

Por outro lado, é muito fácil acreditar em coisas estranhas. Não sabemos de tudo. Se, por exemplo, me vierem com um assunto novo que eu não conheço, e me trouxerem tudo muito bem argumentado, eu ficarei, ao menos, em dúvida. Apenas um conhecimento técnico muito primoroso poderá nos salvar, como, por exemplo, fazer uma boa pesquisa. Vemos isso em experimentos: quando você diz às pessoas para fazer uma pesquisa, elas o fazem para confirmar o que elas já acreditam. Se você vendeu uma teoria da conspiração, todos os vídeos que dizem isso serão encontrados nas buscas.

Foi o que a recente pesquisa do seu grupo sobre viés confirmatório em pesquisas na Internet apontou…

Não é apenas a busca que as pessoas fazem, que pode ser tendenciosa, mas os próprios algoritmos da internet podem promover essa busca. O algoritmo do Google já conhece cada um de nós e nos dará as informações que confirmam nossas fraquezas, pois isso nos deixa mais felizes. O do YouTube, o mesmo: eles vão nos dar informações cada vez mais extremas. Se você perceber que gostamos de uma determinada pseudociência, cada vez que entrarmos ela nos dará um pouco mais disso.

O método científico, como mecanismo contra a desinformação, pode ser treinado?

Claro que tem que treinar, preparamos experimentos e desenvolvemos um pequeno workshop para ajudar os alunos. Temos feito isso com alunos do ensino médio e universitários, para que eles sejam mais críticos do que leem e mais atentos aos seus conhecimentos. É muito importante treinar, pois esse tipo de coisa não surge espontaneamente. As pessoas têm uma grande tendência a acreditar em algo que é belo e surpreendente. Se se encaixa em nosso sistema de crenças, nós acreditamos. Mas se assumimos a importância do método científico, nos perguntaremos “que evidência há para esta possível explicação?”

É difícil fazer uma pessoa mudar sua percepção e opinião?

Eu diria que geralmente é difícil. Além disso, tudo está sendo politizado, interesses ocultos são buscados e isso pode se voltar contra nós. Prevenir e treinar gente é muito mais fácil. Eu sei que é uma estratégia de longo prazo, mas pode ser feita em um tempo relativamente curto. Estamos fazendo workshops de uma hora que funcionam bem, já estamos estudando há algum tempo e vemos que com esse workshop as pessoas melhoram muito. Mas são treinamentos de um nível geral, não sei funcionariam contra essas conspirações de agora.

Em escala internacional, há muitos grupos trabalhando nessas questões e campanhas de prevenção têm sido desenvolvidas. Cada vez mais se veem notícias falsas; há interesse em divulgá-las e elas geram grande desconfiança. Há grupos de pesquisa que estão desenhando o que chamamos de “vacinas contra a desinformação”: estratégias que podemos dar às pessoas para que saibam se conter e não compartilhar ou acreditar.

Algo que funciona como uma vacina para a desinformação é ensinar às pessoas as técnicas daqueles que espalham essas coisas, como escolher ou apelar para emoções negativas. Por exemplo: um jogo online em que o usuário assume o papel de uma empresa que se dedica a divulgar a desinformação e a polarização. Acho essa estratégia muito boa porque o usuário aprende as técnicas, e no dia que chegar alguma coisa para ele, isso vai lhe cheirar mal. No mínimo, ele será capaz de questionar e não compartilhá-la imediatamente.

As pessoas precisam saber, por exemplo, que o WhatsApp é muito mais perigoso do que outras redes sociais, porque todas as informações vêm de fontes confiáveis, amigos e familiares. Uma das chaves que a maioria de nós usa para confiar é que vem de uma fonte que consideramos confiável. Se minha irmã manda para mim, como posso não confiar? Os grupos de WhatsApp são verdadeiros focos de boatos.

Estamos falando de prevenção. É muito mais difícil curar a desinformação?

É muito mais difícil. O esforço fundamental tem que ser pela via da prevenção, para parar o que está acontecendo neste momento. Quando uma pessoa está muito convencida, ela pode se voltar contra nós e acreditar que existem motivos políticos por trás disso. Há grupos organizados nas redes sociais que buscam combater a questão rindo das pessoas. Com isso, você só faz com que as pessoas fiquem com seu grupo e acabem no lado pseudocientífico, quando elas realmente não estavam tão convencidas ou sequer tinham algum motivo para isso.

Ainda assim, há algo que pode ser feito: há pesquisas sobre como convencer uma pessoa altamente persuadida do contrário. Um dos principais problemas, hoje, é que, se uma pessoa está muito convencida de uma ideia e isso faz parte do seu sistema de crenças, é como tirar um pilar dela. Você não pode sacudir seu sistema, você não pode tira ela dela mesma. Se você tirar isso, terá que preenchê-lo com algo.

Acho que se trata de uma tarefa mais personalizada. O que podemos fazer para desconstruir a teoria da conspiração com uma pessoa não necessariamente funcionará para outra. Isso vai depende muito da formação delas. Por outro lado, a prevenção admite grandes campanhas. Eles têm que ser feitos. Há uma abundância de informações, experimentos e pesquisas sobre como prevenir e evitar a desinformação.

Pode haver situações sem volta, de pessoas tão arraigadas numa ideia de conspiração e que os tratamentos são impossíveis?

Não gosto de dizer que algo é impossível. Acho que pouca pesquisa foi feita. Foi visto que em pessoas muito convencidas, remover esse pilar sem mais delongas se voltou contra nós. Dizer que as idéias que essas pessoas têm nunca serão mudadas parece-me um exagero. Na verdade, não temos dados sobre isso.

No momento, a desinformação mais proeminente está relacionada à saúde e à pandemia de coronavírus. Os problemas de saúde têm mecanismos específicos para mais equívocos?

Não sei. [O coronavírus] é um assunto sério, muito sério, que devemos abordar totalmente. Poderíamos enfrentar as questões das mudanças climáticas, o que também é muito importante. Mas a questão da saúde atinge a todos, de forma pessoal e intensa, mais do que as alterações climáticas, que a nível individual são vistas menos próximas e pessoais. A percepção subjetiva é que o coronavírus é um tema importante, urgente e intenso para mim, para minha família e amigos.

Há uma questão importante que devemos abordar na escola: as pessoas devem saber que a ciência não pode fornecer certezas, quanto mais para algo totalmente novo. Mas, por outro lado, é a única coisa em que podemos nos agarrar. O que as pessoas tendem a fazer e dizer intuitivamente é :”estou muito nervoso com o vírus, estou passando por um período terrível e preciso ter certeza”. Então um charlatão vem até mim e me diz: “isso é assim, assim e assim”, e eu acredito porque isso me dá uma certeza. As pessoas precisam estar atentas para isso, pois a última coisa em que você pode confiar é em alguém que te dá uma receita muito clara. A vida não é assim. Acho que você tem que ensinar na escola que as coisas são incertas. O método científico existe para aliviar esses erros da mente e das emoções que nos levam a nos atirar de um penhasco.

Quais são os grandes problemas da desinformação sobre o coronavírus?

Acredito que é responsabilidade de todos. Por exemplo, o fato de estar se politizando é tremendo, porque as preferências políticas podem fazer você optar por um tipo de informação de saúde. Isso é ridículo e os políticos podem aceitá-lo se fizerem um acordo. Sempre falamos de um pacto pela ciência, mas neste caso em sentido lato: um pacto pelo pensamento crítico. Os políticos devem concordar porque estão indo bem.

Depois, precisamos falar sobre a mídia, que está dando muito terreno a todas essas teorias da conspiração. A questão da anti-vacina era marginal quando começou. Mas por estar na mídia o tempo todo, mais e mais pessoas procuram informações e podem sair convencidas. Acredito que os políticos e a mídia devem fazer um pacto pelo pensamento racional. A equidistância na mídia é assustadora. Se você colocar um conspiratório que inventou as teorias ao lado do maior especialista em vírus, uma pessoa que não tem informações não saberá mais em quem acreditar.

Como citar esta entrevista

MATUTE, Helena.”As pessoas deveriam saber que a ciência não traz certezas, mas ela é a única coisa a se agarrar” (Entrevista por Jose Luis Zafra). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/vacina-contra-desinformacao-entrevista-helena-matute/. Publicado em: 12 out. 2020. ISSN: 2674-5917.Texto publicado originalmente em espanhol no blog SiNC, com direitos cedidos por Creative Commons. Tradução: Bruno Leal.

José Luis Zafra

Jornalista do portal de divulgação científica espanhol SiNC. Mestrando em Jornalismo e Comunicação da Ciência (UC3M).

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