“Maria”: os últimos dias de Maria Callas, Diva maior da ópera mundial

Filme acompanha Maria Callas na sua última semana de vida antes de seu corpo sucumbir ao abuso de sedativos e má nutrição.
17 de janeiro de 2025
por
Angelina Jolie interpretando Maria Callas aparece de óculos escuros, de perfil e chapéu preto em Paris.
"Maria" em breve vai desembarcar na Netflix. Filme sobre Maria Callas é um dos mais badalados da temporada de prêmios. Foto: reprodução.

Eu me lembro como se fosse hoje a primeira vez que tive contato com a obra e a persona de Maria Callas. Foi de uma forma indireta, em 1996, com o maravilhoso monólogo Master Class da também maravilhosa (e finada) atriz Marilia Pêra. Aquela mulher visceral, inflexível e, ao mesmo tempo, extremamente sábia me encantou.

A peça era ficção, mas a força da presença da diva suprema dos palcos (Marilia e Callas) me tomou de surpresa. Depois disso, adicionei-a à minha longa lista de personagens intrigantes e instigantes que me encantariam ao longo da vida. Sua trágica história de amor com o inescrupuloso Aristotle Onassis, que, apesar de um intenso relacionamento de 8 anos com Callas, na hora de escolher uma nova esposa, optou pela “viúva da nação norte-americana” Jackie O.

Alguns (vários) documentários e livros depois sobre o assunto, eis que me deparo agora com “Maria”. O filme do diretor chileno Pablo Larraín – que com Jackie (2016) e Spencer (2021), de certa forma, se especializou em divas trágicas do mainstream mundial – estreou no Festival de Veneza em agosto de 2024. Larraín adora fazer uma biopic, em sua filmografia ainda temos Neruda (2016) com Gael García Bernal e El Conde (2023), uma sátira sobre o ditador Pinochet. Para Jackie (2016), Larraín escolheu a comportadinha Natalie Portman, já em Spencer (2021) ele arriscou bastante com a rebeldia natural de Kristen Stewart.

Com isso, percebemos que Larraín gosta de grandes nomes em seus elencos, mesmo que estes, por vezes, não nos remetam imediatamente à imagem da celebridade que representam. E assim chegamos à escolha de Angelina Jolie para incorporar a greco-americana Maria Anna Cecilia Sofia Kalogeropoulou.

Fisicamente, Jolie tem com Callas apenas a magreza em comum. O porte, os traços faciais, os olhos, o nariz, os maneirismos, o sorriso, nada disso nos remete à grande soprano. Porém, a princípio, isso pode ser contornado com uma atuação espetacular. Mas infelizmente não é isso que recebemos aqui. Os fãs ferrenhos do trabalho da atriz podem argumentar o contrário, mas do meu ponto de vista, a escolha foi equivocada. Uma pequena (quase imperceptível) prótese nasal não é o suficiente para tirar Angelina de dentro de Angelina. Callas não coube nesse receptáculo. Ela é muito maior.

Angelina Julie interpreta Maria Callas em cena do filme. Ela aparece de costas. A luz é escura e há um feixe de luz no palco.
Filme sobre Maria Callas é um dos mais bem cotados no Oscar 2025. Foto divulgação.

Por outro lado, a atriz e cantora grega Aggelina Papadopoulou já nos convence bem mais nas poucas cenas em que aparece como a jovem Maria.

Jolie, supostamente, estudou ópera por sete meses para o papel e a voz que ouvimos no filme é parcialmente a dela misturada com a de Callas. Mas o efeito desse artifício foi nulo, Jolie não atinge a profundidade dramática necessária para brilhar no palco de uma ópera nem possui aquele fogo, aquela fera indomada que habitava a prima-dona e era conhecida por todos ao seu redor, principalmente jornalistas inconvenientes.

Aqui também preciso admitir que o roteiro de Steven Knight (Peaky Blinders) não parece estar encaixado no contexto lírico de uma vida complexa como a de Callas. Mesmo os personagens do mordomo Ferruccio, Pierfrancesco Favino, e da auxiliar doméstica Bruna, Alba Rohrwacher, acabam por nos impressionar mais do que a interpretação de Angelina dentro desse roteiro. Aqui ou ali, temos cenas impressionantes, mas que assim se tornam mais devido ao excelente som e cenografia do que pelo roteiro e atuações.

E falando nisso. Os visuals e números musicais de Maria são o que realmente vale a pena aqui, e nisso a cenografia de Edward Lachman (Carol – 2015) merece aplausos efusivos. As combinações entre sons e imagens, as alucinações lúdicas de Maria e as encenações com Paris como pano de fundo são de tirar o fôlego, e nos entregam tudo que poderíamos esperar, plasticamente, de uma obra de primeira linha e com produção apurada nos mínimos detalhes. Maria é um filme de se devorar com os olhos e ouvidos. Principalmente, com os olhos. Ou com os ouvidos abertos e de olhos fechados nas cenas de Jolie mimetizando Callas.

Outro ponto de discussão seria a duração da obra. Tendo em vista a riqueza das experiências de Callas, Maria é um filme ao mesmo tempo, muito breve e muito longo. Muito breve para dar a atenção necessária à vida da artista, salvo em breves flashbacks pouco informativos, e longo demais ao acompanhar as andanças de Jolie por Paris ou as muitas cenas pouco expressivas dentro de seu apartamento. Jolie é uma ice queen enquanto Callas era um vulcão em constante erupção.

A indicação de Jolie ao Globo de Ouro me levou a procurar o filme, e, não me privando desse breve à parte, sua atuação foi imensamente inferior à da grande Fernanda Torres, que acabou levando o troféu para casa por sua incrível performance no filme “Ainda Estou Aqui“.

Maria Callas em breve no streaming

A estreia de Maria está prevista para o início de fevereiro no Brasil. Apesar de ser uma produção do canal de streaming Netflix, a obra estará, primeiramente, disponível apenas nos cinemas.

Confira outra crítica nossa sobre o filme aqui.

Sugestão de leitura

"Maria": os últimos dias de Maria Callas, Diva maior da ópera mundial 1

Em meados de 1950, a imprensa soltou uma bomba que chocou a opinião pública brasileira: o imigrante letão Herberts Cukurs, criador e proprietário dos pedalinhos da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal do Rio de Janeiro, havia cometido crimes de guerra durante a ocupação nazista da Letônia. Neste livro, que vai virar filme, o historiador Bruno Leal, professor da Universidade de Brasília e criador do Café História, investiga o chamado “Caso Cukurs”, desde a chegada de Cukurs no Brasil até a sua execução por agentes secretos do Mossad, de Israel. Livro disponível nas versões impressa e digital. Gosta de Segunda Guerra Mundial? Esse livro não vai deixar a desejar. Confira aqui. 

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Sugestão de leitura

Um dos principais lançamentos editoriais em 2022, ano do bicentenário, "Várias faces da Independência do Brasil" reúne os maiores especialistas no tema, que discutem populações indígenas, escravizados, batalhas, política e economia. Leitura ideal para professores e qualquer pessoa com interesse em entender melhor e de forma didática como se deu o processo de independência do Brasil. Clique na imagem para saber mais.

Nossa agenda

fevereiro 2025
D S T Q Q S S
 1
2345678
9101112131415
16171819202122
232425262728  

Don't Miss