“Elvis”: homenagem multicolorida ao rei do rock’n’roll

Filme do diretor Baz Luhrmann que entrou em setembro de 2022 para o catálogo do canal de streaming HBOMax, pouco tempo após estrear nos cinemas, nos surpreende com interpretações sensacionais e uma estética perfeita.
7 de março de 2023
por
"Elvis”: homenagem multicolorida ao rei do rock’n’roll 1
Filme retrata a vida de uma das vozes mais conhecidas da música internacional. Foto: reprodução.

Baz Luhrmann, eu confesso, não está entre o top 10 dos meus diretores/criadores/roteiristas favoritos, e faço questão de já deixar isso claro desde o início dessa resenha. Considero filmes como Moulin Rouge (2001) e Australia (2008) trabalhos enfadonhos que só arrancaram de mim bocejos. Confesso que alguns dos carros-chefes da obra de Baz fazem parte da lista de filmes que eu usaria para pegar no sono – são coloridos e belos, mas sem a profundidade de roteiro que me manteria alerta até o final.

Mas, claro, há exceções, como a adaptação de O Grande Gatsby (2013), a famosa obra de F. Scott Fitzgerald que conta com Leonardo DiCaprio no papel que já fora interpretado por Robert Redford em 1974. No mundo dos streamings a estreia de Baz foi com The Get Down (Netflix/2016-2017), que para mim foi um de seus grandes fracassos. A leveza, a superficialidade e o ritmo de vídeo clip não acrescentaram nada a um tema que poderia ser mais bem trabalhado por sua seriedade e complexidade – a história da origem do grafitti e do hip hop nos guetos novaiorquinos da década de 1970.

Por fim, considero o melhor filme da carreira do Baz a sua versão pop de Romeu + Julieta (1996), de novo com DiCaprio e a sensacional Claire Danes nos papéis principais, e que nos ofereceu um retrato perfeito da obra de Shakespeare adaptada à estética jovem dos anos 1990. Hoje, obviamente, o filme parece um pouco datado e já entra na categoria vintage.

Eis que chegamos em Elvis (EUA, 2022). Um material que, à primeira vista, praticamente clamava por um diretor apaixonado pelo superlativo como Luhrmann – cortes rápidos, excesso de informação, telas divididas, cores estridentes, holofotes, brilhos e muito glamour. E, sinceramente, funcionou muito bem. Pelo menos quando o foco é o próprio Elvis, interpretado maravilhosamente pelo jovem ator Austin Butler, que vem colhendo os louros da sua atuação e concorre ao Oscar de melhor ator em 2023. Butler incorpora um Elvis que, se não for o verdadeiro, é pelo menos aquele que povoa o inconsciente coletivo – por um lado temperamental, lascivo e intenso, e por outro atormentado, inseguro e carente de figuras maternal-paternais. O Elvis de bom coração que subiu na vida e carregou consigo amigos e família para o sucesso. E que, apesar de ter se apropriado do ritmo, das músicas, da dança e da estética dos músicos negros norte-americanos nas décadas de 1950 a 1970, também não fazia segredo de sua grande admiração e do respeito que tinha por seus grandes artistas. E o filme de Luhrmann fez questão de ressaltar isso em várias cenas.

Elvis não foi um grande transgressor e muito menos ainda um militante. Diante do Zeitgeist americano na época ele não foi (nem minimamente) um agitador político. Presley era um adorador e colecionador de armas de fogo. Ele se contentava com a imagem pueril de um provocador com insinuações sexuais direcionadas ao sexo feminino, ou pelo menos é essa a impressão que ficamos em uma primeira análise. Os EUA ainda passavam na primeira metade do século 20 por uma grande segregação racial, mesmo após a abolição da escravidão em 1863. Nas décadas de 1950 e 1960, pelo menos aparentemente, Elvis pareceu ter aberto uma pequena portinha para os artistas negros, mesmo sem assumir a postura de um grande promotor da integração cultural. E qual poderia ser o motivo dessa inexistente atuação social de Elvis apesar do seu amor fervoroso por artistas como Little Richard, B.B. King ou Big Mama Thornton? O filme, pelo menos, nos conduz a pensar que um dos grandes culpados do isolamento do cantor foi sua existência a sombra do vampiro de energia que colou nele por praticamente toda a sua carreira musical – o “Coronel” Tom Parker.

E é também aqui, que a obra de Baz erra tremendamente no (com o) Tom. Em uma decisão que, sabe-se lá com qual objetivo fora a simples submissão à persona de Tom Hanks, o filme é narrado pela figura mais execrável do convívio de Presley que fazia às vezes de seu agente/manager/obsessor/sanguessuga. Tom Parker, que de coronel não tinha nada, também não era americano (era um imigrante holandês sem passaporte e com um passado suspeito), e levava a vida agenciando cantores Country em quermesses e feiras. Hanks assume o papel como um bufão caricato, amenizando a postura de vilão sem escrúpulos que o indivíduo real mereceria. É impossível assistir Elvis e conseguir mergulhar na narrativa sem pensar em Forrest Gump, pois ele está ali o tempo todo no voice-over. E isso destruiu para mim parte da experiência que poderia ser fantástica, mas que termina sendo somente muito boa.

E olha que pode não parecer, mas sou uma fã de Elvis. Fã a ponto de ter assistido mais de uma vez cada um dos seus filmes (e gostado) já na infância. De curtir todas as fases da sua carreira, do rock ao gospel, do sex symbol ao fat Elvis. De já ter assistido dramaturgias da sua vida para a tv – várias e de péssima qualidade. Qual fã não fica com água nos olhos e arrepiado assistindo ao visceral show de 1968? O fabuloso comeback do rei do rock que ocupa boa parte do filme e nos presenteia com os melhores números musicais. Eu assisti ao original mais de uma vez e achei difícil não confundir o Austin com o verdadeiro Elvis. Tragam um troféu para esse gênio – será o Oscar?

Elvis é, obviamente, um show pirotécnico, um container de imagens e fatos despejados sobre a audiência, pois a vida de Presley, como bem se sabe, renderia mais do que uma temporada de uma série de tv aberta (daquelas antigas mesmo com 25 episódios). Essa pletora de informações comprimidas em meras 3 horas de duração acabou, claro, deixando muita coisa importante de fora ao mesmo tempo que deu muito espaço para o palhaço maligno do Tom dançar. Também apagou a presença da Priscilla e da mãe de Elvis que eram as únicas mulheres de sua vida que exerciam uma real influência sobre ele. Da mesma forma que o filme optou por ignorar quase por completo o trágico mergulho do rei nos comprimidos e na comida.

Contudo, tem uma coisa que a interpretação de Luhrmann da tragédia pessoal de Elvis conseguiu melhor do que qualquer outra biopic sobre o artista – mostrar a energia que ele irradiava, o efeito que ele surtia na sua plateia, seu carisma e sua entrega no palco. Elvis foi um dos primeiros teen crushes ao mexer com os sentimentos mais profundos, com os desejos e com a sexualidade de toda uma geração de jovens brancos nos pudicos anos 50. Uma posição que logo ele perderia para os Beatles durante os anos 60. Mas sabe como é, a primeira vez que a gente se apaixona por um ícone a gente nunca esquece. E Baz Luhrmann – justo ele! – me lembrou disso.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Don't Miss