Resistência indígena, nova biografia de Stálin e a questão da mestiçagem no Brasil

8 de junho de 2017

Conheça quais são as nossas dicas de livros de junho de 2017.

Da redação

Há três anos, aproximadamente, o mercado editorial (brasileiro e global) esquentou com o lançamento de várias e elogiadas biografias, como, por exemplo, a de Volker Ulrich, “Hitler – os anos de ascensão”, lançada em 2015, ou uma biografia sobre um tema das ciências médicas, o “Gene”, de Siddhartha Mukherejee, lançada em 2016.  Ao que tudo indica, o gênero continua animando público, editores e agentes literários. Neste mês de junho, chega às livrarias mais uma biografia bem comentada nos círculos acadêmicos: “Stálin”, escrita pelo especialista em União Soviética, Stephen Kotkin. Livro que vai além das 1000 páginas, das quais mais de 400 são apenas de notas. E trata-se do primeiro de uma série de três volumes. Além do livro sobre o temido líder da União Soviética, temos outras duas dicas: “Os fuzis e as flechas”, de Rubens Valente, que fez jus ao seu sobrenome ao tratar da repressão aos indígenas brasileiros durante a Ditadura Militar, e “Tão longe, tão perto”, de Verônica Toste Daflon, que analisa a situação do “pardo” na sociedade brasileira.

Resistência Indígena na Ditadura Militar

VALENTE, Rubens. Os fuzis e as flechas. História de sangue e resistência indígena na ditadura. São Paulo: Companhia das Leras, 2017.

A Companhia das Letras acaba de lançar “Os fuzis e as flechas. História de sangue e resistência indígena na ditadura”, do jornalista Rubens Valente. O livro faz parte da “Coleção Arquivos da Repressão no Brasil”, coordenada pela pesquisadora Heloisa M. Starling. Investigação jornalística bastante elogiada por acadêmicos, “Os fuzis e as flechas” discute as centenas de mortes de indígenas que ocorreram durante a ditadura militar no Brasil (1964-85). Para isso, Valente se utilizou de documentos que durante muito tempo permaneceram sigilosos e que agora, liberados, oferecem um olhar mais apurado sobre a violência sistemática que as populações indígenas no Brasil sofreram durante os anos de autoritarismo. Além da documentação, o livro baseia-se também em oitenta entrevistas realizadas pelo autor.

Resistência Indígena no Brasil
Arqueiro indígena participa de edição dos “Jogos Indígenas”. Foto: Valter Campanato/ABr.

Segundo Valente, “descrever como o Estado brasileiro sob comando militar deu cabo de suas duas tarefas básicas (cuidar do índio aldeado e contatar o ‘arredio’) é a preocupação central deste livro”. E completa: “A pesquisa descortinou um quadro desolador. Páginas de documentos oficiais, por décadas sigilosas e enfim deixadas ao alcance dos pesquisadores, revelam desfechos cruéis para operações do governo. Sua leitura levantou também indagações sobre as contradições de um Estado que, sob o argumento de proteger, acabou matando e destruindo. Mas também algumas vezes evitando o etnocídio”.

Rubens Valente nasceu em Goioerê (PR) em 1970. Jornalista da Folha de S.Paulo desde 2000, fez reportagens em mais de trinta terras indígenas, principalmente nos anos 1990. Desde 2010 é repórter do jornal na sucursal de Brasília. Clique aqui para ler um capítulo.

Mestiçagem e Identidades no Brasil

DAFLON, Verônica Toste. Tão longe, tão perto – identidades, discriminação e estereótipos de pretos e pardos no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2017.

“Tão longe, tão perto”, da pesquisadora Verônica Toste Daflon, investiga a categoria “pardo” para pensar temas como racismo, estereótipos, identidade e consciência racial no Brasil, especialmente a mítica ideia da “nação brasileira mestiça”. A mestiçagem tem produzido análises sociológicas, antropológicas e historiográficas desde o final do século XIX. Neste trabalho publicado pela Mauad X, a autora recupera parte importante desses debates, explorando questões como o racialismo, o mito das três raças, o discurso popular, os posicionamentos acadêmicos, entre outros. Daflon questiona uma prática que se tornou consenso entre pesquisadores das ciências sociais: o agrupamento de “pardos” e “pretos” nas análises socioeconômicas, padrões de mobilidade social, discriminação ocupacional e salarial, taxas de analfabetismo, anos de estudo, entre outros índices. Para ela, embora operacional, esse agrupamento pode levar ao escamoteamento de questões importantes para se compreender as relações sociais e de identidade no país. Seu objetivo, neste sentido, é encarar o “pardo” de uma forma mais cuidadosa. Clique aqui para saber mais.

Verônica Toste Daflon é bolsista de Pós-Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) do IFCS/UFRJ e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Desigualdade (NIED – IFCS/UFRJ), onde pesquisa gênero, grupos e fronteiras. Foi coordenadora do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (GEMAA), onde conduziu inúmeras pesquisas sobre as ações afirmativas no ensino superior brasileiro. Trabalhou como docente na UFRJ, UNIRIO e FACHA. É doutora em Sociologia pelo IESP-UERJ e mestre em Sociologia pelo IUPERJ. Publicou diversos artigos e capítulos sobre ações afirmativas e coorganizou o Guia Multidisciplinar da Ação Afirmativa: Brasil, Índia e África do Sul.

Nova Biografia de Stálin

KOTKIN, Stephen. Stálin – Paradoxos do poder, 1878-1928. São Paulo: Objetiva, 2017.

A Companhia das Letras acaba de publicar no Brasil a primeira parte (de três) da nova biografia de Joseph Stálin, controverso líder da União Soviética. Bastante elogiada no exterior, a obra de Stephen Kotkin, “Stálin – Paradoxos do Poder (1878-1928)” é um livro de leitura fácil, mas para quem tem fôlego. São 1141 páginas – 406 apenas de notas e bibliografia (um esforço louvável da editora). A ideia da trilogia é contar a história do poder da Rússia no mundo e do poder de Stálin na Rússia, transformada depois em União Soviética. Como o próprio autor explica, o livro é uma espécie de “história mundial vista a partir do gabinete de Stálin”. Neste primeiro volume, conhecemos a primeira parte da vida de Stálin, de sua formação e juventude até o final da década de 1930.

Nova biografia de Stálin
Capa do livro “Stalin, paradoxos do poder”. Foto: Bruno Leal.

Segundo Kotkin, “esta é uma obra tanto de síntese como de pesquisa original, feita ao longo de muitos anos, em vários arquivos históricos e bibliotecas da Rússia, bem como nos mais importantes repositórios de documentos relacionados ao assunto existentes nos Estados Unidos. (…) Esse livro também se baseia no estudo exaustivo de materiais escaneados, bem como em microfilmes de materiais de arquivo e documentos de fontes primárias publicados, que, para a época de Stálin, proliferaram quase além da capacidade de um único indivíduo examiná-los. Por fim, o livro tira proveito de uma literatura acadêmica internacional”.  Para saber mais a respeito e ler um trecho do livro, clique aqui.

Stephen Kotkin é especialista em História da União Sociética. É autor dos livros Magnetic Mountain: Stalinism as a Civilization e Armageddon Averted: The Soviet Collapse 1970-2000. É professor de História na Woodrow Wilson School of Public and International Affairs na Universidade de Princeton.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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