Biblioteca Nacional e online: entrevista com Angela Bettencourt

O Café História conversou com Angela Bettencourt, coordenadora da Informação Bibliográfica da Biblioteca Nacional. Dentre outros assuntos, ela falou sobre o incrível projeto da Hemeroteca Digital.
21 de agosto de 2012

A digitalização está provocando uma verdadeira revolução na pesquisa historiográfica. A transposição de acervos para o formato digital e, quase sempre online, tem encurtado distâncias, preservado documentos, democratizado o acesso à informação, poupado tempo e, claro, permitido a ampliação do escopo de pesquisas historiográficas. Fazer pesquisa histórica hoje se tornou ainda mais empolgante do que ontem. Para conversar sobre tudo isso, fomos atrás de Angela Bettencourt, coordenadora da Informação Bibliográfica da Biblioteca Nacional. Bettencourt está no comando de um dos maiores e mais importantes projetos de digitalização do país: oaHemeroteca Digital Brasileira.

Angela Bettencourt, nossa entrevistada, possui graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1972), especialização em Indexação da Informação pela Universidade Santa Úrsula (1987) e mestrado em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informações em Ciência e Tecnologia (2011). Atualmente é Coordenadora da Biblioteca Nacional Digital do Brasil da Fundação Biblioteca Nacional. Tem experiência na área de Ciência da Informação, com ênfase em Biblioteconomia. Atuando principalmente nos seguintes temas:Organização da informação, Biblioteca Nacional (Brasil).

Angela, você é Coordenadora de Informação Bibliográfica na Biblioteca Nacional. No que exatamente consiste o seu trabalho de coordenação?

Na verdade, o nome desta Coordenadoria está desatualizado. Em breve será mudado para Coordenadoria da Biblioteca Nacional Digital. Internamente, a BNDigital está constituída por três segmentos: Captura e armazenagem de acervos digitais, Tratamento e publicação de acervos digitais e Projetos de digitalização e divulgação.

Nos últimos anos, bibliotecas e arquivos de todo o mundo veem investindo em projetos de digitalização de seus acervos. Na sua opinião, qual a importância deste tipo de iniciativa? O que isso significa para historiadores e outros pesquisadores?

A BNDigital foi criada com uma dupla missão, a de preservar a memória documental e, a de permitir o acesso múltiplo, simultâneo e sem fronteiras ao acervo em domínio público da Biblioteca Nacional. Oficialmente lançada em 2006, a BNDigital integra coleções que desde 2001 vinham sendo digitalizadas no contexto de exposições e projetos temáticos, em parceria com instituições nacionais e internacionais. O ambiente virtual da BNDigital, além do acervo digitalizado, que já atingiu a faixa de mais de 25.000 itens ou 6.000.000 de páginas, reúne também exposições virtuais, sites temáticos e projetos com parcerias nacionais e internacionais. As estatísticas relativas ao número de acessos remotos à BNDigital em 2011 atingiu a marca de 1.495.350 acessos. Para 2012, com a disponibilização da Hemeroteca Digital Brasileira, esperamos triplicar o número de acessos. Isso tudo significa colocar à disposição de todos, pesquisadores, estudantes e público em geral, o acesso a uma parcela significativa do rico acervo da FBN. Este acesso antes restrito apenas ao prédio-sede e com consulta liberada mediante autorização, está agora disponível 24 horas por dia e os sete dias da semana.

A “Hemeroteca Digital” é um projeto incrível da Biblioteca Nacional. Até o momento já foram digitalizados e disponibilizados, gratuitamente, mais de 600 periódicos. Você poderia falar um pouco mais sobre esse projeto? Como começou, qual o investimento, etapas, parceiros, etc.?

Com o patrocínio da FINEP | MCT o projeto Hemeroteca Digital Brasileira foi iniciado em 2011. O investimento foi de 6 milhões de reais, liberados em duas parcelas. A primeira contemplando a compra de três scanners, um storage com capacidade para 500 Terabytes e a segunda a digitalização de 9 milhões de páginas de publicações periódicas brasileiras. Entre as publicações mais antigas e mesmo raras do século XIX estão, por exemplo, O Espelho, Reverbero Constitucional Fluminense, O Jornal das Senhoras, O Homem de Cor, Marmota Fluminense, Semana Illustrada, A Vida Fluminense, O Mosquito, A República, Gazeta de Notícias, Revista Illustrada, O Besouro, O Abolicionista, Correio de S. Paulo, Correio do Povo, O Paiz, Diário de Notícias, e também os primeiros jornais das províncias do Império. Quanto ao século XX, podem ser consultados revistas de grande importância como Careta, O Malho, O Gato, Revista da Semana, Klaxon, Revista Verde, Diretrizes e jornais que marcaram fortemente a História da imprensa no Brasil, como A Noite, Correio Paulistano, A Manha, A Manhã e Última Hora. Periódicos de instituições científicas também compõem um segmento especial do acervo já disponível. São alguns deles os Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto, O Progresso Médico, a Revista Médica Brasileira, os Annaes de Medicina Brasiliense, o Boletim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, a Revista do Instituto Polytechnico Brasileiro, a Rodriguesia: revista do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Jornal do Agricultor, entre muitos outros. O pesquisador pode consultar também outras modalidades de publicação, como o Boletim da Illustríssima Câmara Municipal da Corte, os Relatórios dos Presidentes das Províncias (no Império) o Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia, a Revista do Archivo Público Mineiro, a Gazeta dos Tribunaes: dos juízes e factos judiciaes, do foro e da jurisprudência (Rio de Janeiro) etc. A consulta pode ser realizada por título, período, edição, local de publicação e palavra(s) chave(s). A busca por palavras é possível devido à utilização da tecnologia de Reconhecimento Ótico de Caracteres (Optical Character Recognition – OCR), que proporciona aos pesquisadores maior alcance na pesquisa textual em periódicos.

Que máquinas são utilizadas em um processo de digitalização como esse? Que tecnologia está envolvida nesse tipo de procedimento?

A Biblioteca Nacional tem um laboratório de digitalização próprio e muito bem equipado, conta com equipamentos de alta produtividade que contemplam os diversos tipos de material. Quatro scanners planetários com balanceadores de lombada digitalizam sem danificar os documentos originais encadernados, dois backs digitais digitalizam documentos de formatos médios e um scanner de varredura para documentos de grandes formatos, como mapas. Temos também quatro scanners de microfilme de alta performance. Cada um desses equipamentos atende as especificidades de cada tipo de material a ser digitalizado.

Além do “Hemeroteca Digital”, que outros projetos de digitalização estão em desenvolvimento ou já estão dando frutos na internet pela Biblioteca Nacional?

Temos também o projeto Rede da Memória Virtual Brasileira. Esse projeto pretende apoiar a disponibilização em meio eletrônico, dos acervos de bibliotecas participantes, inventariando e disseminando a memória brasileira armazenada nas diversas coleções espalhadas pelo país.

Há pouco tempo, para se copiar qualquer tipo de acervo da Biblioteca Nacional era necessário preencher vários papéis e autorizações. Agora, com a internet, tudo fica mais fácil. É possível, inclusive, fazer download do material disponibilizado sem se identificar no site. Como fica a questão do uso desse material e dos seus direitos autorais?

A BNDigital digitaliza e disponibiliza apenas material em domínio público, então não temos que enfrentar o problema de negociar com os titulares de direitos autorais das obras. A única exceção até agora é a digitalização do Jornal do Brasil. Neste caso os direitos de publicação deste jornal nos foram formalmente cedidos por seus proprietários. Quanto ao uso do material apenas, cópias ou links, pedimos apenas que sejam concedidos os devidos créditos à BN.

Nunca se falou tanto em “colaboração”. Essa talvez seja a palavra-chave das redes sociais online e da própria internet, atualmente. Esse “novo paradigma da comunicação” – chamemos assim esse perspectiva – acaba colocando um desafio para as grandes bibliotecas, pois, em última análise, o perfil do usuário também está mudando. Como a nossa Biblioteca Nacional está percebendo essa mudança? De que forma é possível aproveitar o conhecimento que cada pesquisador gera hoje em dia?

O novo site da BNDigital que deverá ser lançado ainda em 2012 está sendo desenvolvido para possibilitar uma maior interconectividade entre a BNDigital e seus usuários. Esperamos com isso uma maior participação e colaboração do nosso público na seleção do que vai ser digitalizado como também na contextualização do acervo digital. Esse novo site estará totalmente integrado às redes sociais.

Existe algum tipo de intercâmbio com outras bibliotecas nacionais ou estrangeiras para disponibilizar acervos?

Sim, no momento mantemos intercâmbio com a Biblioteca Nacional da França com a Biblioteca Nacional da Argentina e com a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Também fazemos parte da World Digital Library.

Angela, muito obrigado pelo papo com o Café História. Encerramos essa conversa com um olhar para o presente e para o futuro: o que você poderia eleger como os principais desafios da Biblioteca Nacional – uma das dez maiores do mundo – no contexto histórico atual?

Bruno, são grandes os desafios da Biblioteca Nacional. A BNDigital por sua vez, como a vertente tecnológica da BN, apresenta-se como promissor caminho para o eficaz cumprimento das principais missões de uma Biblioteca Nacional que são: captar, preservar e disseminar a memória documental de um país. Nesse sentido, nossos desafios são ampliar o acervo digital, estar sempre assimilando as novas tecnologias e buscar cada vez mais a interoperabilidade com outros sistemas de bibliotecas digitais tanto no Brasil como no mundo. Investir constantemente em equipamentos e softwares de última geração e na capacitação e aperfeiçoamento da equipe. Ser fonte de informação e pesquisa de excelência, ser veículo disseminador da memória cultural brasileira, alcançar públicos cada vez maiores atendendo interesses de diversas audiências (pesquisadores profissionais, estudantes, público “leigo”).

Como citar esta entrevista

BETTENCOURT, Angela. Biblioteca Nacional e Online: entrevista com Angela Bettencourt In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/biblioteca-nacional-e-online/. Publicado em: 24 ago. 2012. ISSN: 2674-5917.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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