“Asteroid City”: um quebra-cabeça meta

Com um tom intimista, o mais novo filme de Wes Anderson reflete sobre luto, decepções e vida alienígena em uma minúscula cidade em 1955 no meio do deserto.
25 de julho de 2023
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“Asteroid City, novo filme do diretor Wes Anderson. Foto: reprodução.

A idílica Asteroid City possui oficialmente 85 habitantes, e vive, unicamente, do turismo de uma cratera de meteoro. O local foi escolhido para uma premiação de jovens cientistas e acaba abrigando um grupo bem peculiar e diverso de personagens. Essa é a peça de teatro imaginada pelo roteirista Conrad Earp (Edward Norton) para seu novo show na Broadway. Ou pelo menos é isso que o narrador interpretado por Bryan Cranston nos conta enquanto cenas dos bastidores da criação do espetáculo nos são mostrados em preto e branco. Tudo isso, ainda, sob o manto da guerra fria e da ameaça nuclear que permeava a cultura norte-americana das décadas de 50 e 60.

Alternadamente vamos do narrador ao roteirista e mergulhamos no mundo hiper saturado tecnicolor da história imaginada por Earp, quando o recém-viúvo e pai de 4 filhos Augie (Jason Schwartzman) chega a Asteroid City. O mais velho, Woodrow (Jake Ryan), participa da peculiar competição juvenil de invenções pseudocientíficas. Em meio a isso, o grupo reunido no pequeno hotel comandado por Steve Carell, ainda presencia a visita inusitada de um alienígena (Jeff Goldblum) e como consequência acaba preso no local por uma imposição de quarentena pelos militares. O convívio forçado acaba resultando em diálogos filosóficos, contatos e descobertas entre os personagens. Como a troca entre Augie e a atriz Midge (Scarlett Johansson) mãe de outra participante.

Wes Anderson dirige, produz e roteiriza esse que é seu décimo longa. Pelas mãos do diretor de fotografia Robert Yeoman, parceiro de longa data de Anderson, mergulhamos, mais uma vez, em uma cinematografia de caixinhas dentro de outras caixinhas, lembrando uma casinha de bonecas, estilo que já se tornou a marca registrada dos filmes do roteirista e diretor. O que vemos aqui é também mais um filme com a intenção de transportar a dramaturgia teatral para as salas de cinema. Uma tendência que parece não poupar ninguém em Hollywood nos últimos anos, mas que, na minha opinião, encontra em Wes Anderson a sua expressão plástica perfeita. Um dos reis do Mise-en-scène moderno, dos enquadramentos e dos jogos de cores nos diferentes planos, Wes busca inspiração em Sergio Leone e na Nouvelle Vague e na Pop Art.

Outro traço autoral de Anderson são os diálogos rápidos e personagens que assumem uma expressão corporal e facial minimalista, independente da seriedade dos temas discutidos. É uma melancolia contida. Essa postura contrasta com a opulência visual que nos é servida. Anderson é um ídolo para quem sofre de TOC – nenhum grão de poeira está fora do lugar, nenhuma roupa está amassada, desalinhada ou suja, simetrias, jogos de planos, profundidade de foco compõe o estilo miniatura da obra. É perfeição na riqueza dos detalhes e na representação pitoresca da paisagem do deserto, o céu anil em contraste com as roupas de cores fortes, uma vez habitualmente idealizadas para destacarem-se nas películas preto e branco. Temos close-ups laterais, atores falando para a câmera, enfim, uma verdadeira festa para os amantes de uma obra meta. Pessoalmente enxerguei um certo tom “Wizard Of Oz” quando Wes contrasta o mundo real e cinzento com a fantasia multicolorida – a narração dos passos de um dramaturgo ao idealizar sua obra sendo encenada no palco em preto e branco enquanto o colorido vibrante dos anos 50 toma conta da tela quando a trama encontra sua versão mais lúdica e imaginativa. Por exemplo, Scarlett Johanson é Kim Novak, Grace Kelly e Tippi Hedren em uma atmosfera Noir Hitchcockiana, em cores ela é Liz Taylor e Ava Gardner, provocante e segura de si sob o sol escaldante do deserto.

Os personagens arquetípicos de Anderson nos jogam numa pintura pop dos anos 50 norte-americanos com todos os seus ícones – cowboys, pin-ups, nerds e bad boys – parafernálias fantásticas e cacarecos multicoloridos. Um caleidoscópio exuberante. Wes Anderson é um mestre nessa arte: se pudéssemos comer seus filmes, eles teriam o sabor de algodão com açúcar e um hot-dog com mostarda fosforescente acompanhado de um sundae com cerejas.

Asteroid City conta com um elenco estelar até mesmo em pequenos cameos, em pequenos papeis temos atores como Tom Hanks, Margot Robbie, Matt Dillon, Tilda Swinton ou Willem Dafoe. O que, de certa forma, pode ser visto como um desperdício. Porém, em se tratando de um dos filmes mais caros e intimistas de Anderson até agora, entendemos o casting mais como uma espécie de statement do prestígio do festejado diretor dentro do ramo cinematográfico norte-americano.

Asteroid City estreia nos cinemas brasileiros dia 10 de agosto.

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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