“A Sombra de Caravaggio”: cinebiografia de um gênio da pintura

Filme está presente no 18° Festival de Cinema Italiano no Brasil, que acontece gratuitamente entre até 9 de dezembro em mais de 60 cidades, e também online.
5 de dezembro de 2023
"A Sombra de Caravaggio": cinebiografia de um gênio da pintura 1
O ator Louis Garrel. Foto: Luisa Carcavale / IMDB.

Quando pronunciamos o nome “Michelangelo”, logo nos lembramos do pintor do teto da suntuosa Capela Sistina. Mas ele não foi o único Michelangelo notável do Renascimento: houve ainda outro, Michelangelo Merisi, mais conhecido pelo nome da região onde cresceu: Caravaggio. O mestre do tenebrismo, influenciador do estilo Barroco, tem no filme “A Sombra de Caravaggio” recontados seus momentos mais importantes, de verdadeira construção de uma obra e de uma lenda.

Em 1609, Caravaggio (Riccardo Scamarcio) foge de Roma em direção a Nápoles devido a uma sentença de morte por decapitação após ter sido acusado de assassinato. Protegido pela família da marquesa Costanza Colonna (Isabelle Huppert), ele espera a decisão do Papa sobre o caso, que pode significar o perdão. Em Roma, um homem chamado de Ombra (Louis Garrel) – que significa “sombra” em italiano – é contratado para fazer uma investigação sobre o pintor e suas obras espalhadas em igrejas, e são os resultados desta investigação, com direito a flashbacks, que acompanhamos.

Caravaggio sempre preferiu retratar pobres diabos – ou, nas palavras de Ombra, “prostitutas e bandidos” – em suas pinturas de temas religiosos. São estas pessoas, afirma o pintor, que sentem em seus corpos a dor de existir, sendo perfeitas como modelos de santas e outras figuras da Bíblia. Caravaggio diz que quer aproximar o divino do homem e tem como sua principal prostituta-modelo Lena Antonietti (Micaela Ramazzotti), que é entrevistada e até mesmo agredida por Ombra.

Em uma visita ao estúdio do pintor, Costanza afirma que gostaria de ter um lugar para ele em seu palácio, mas boatos surgiriam da situação, apontando para um possível caso entre o pintor e a mecenas, a quem Caravaggio afirma dever tudo, pois eles se conhecem e se influenciam desde que ele era criança. Mulher culta e escritora autodidata, Costanza teria servido como modelo para uma das últimas pinturas de Caravaggio, “Maria Madalena em Êxtase”.

Em uma sequência que se passa numa prisão romana em 1600, Caravaggio tem um encontro e um diálogo com Giordano Bruno (Gianfranco Gallo), que está à espera da execução. Filósofo, teólogo, escritor e matemático, entre outros títulos que colecionava, Bruno foi condenado por heresia devido aos seus estudos teológicos que negavam alguns dogmas católicos, mas passou a ser celebrado pelo conjunto de sua obra, que foi considerada uma ode às ciências. Evidências apontam que o pintor testemunhou realmente a execução de Giordano Bruno: não foi uma licença poética do filme!

Numa cena em Nápoles de 1609, Ombra confisca uma pintura de Artemisia Gentileschi (Lea Gavino) e afirma que mulheres não devem se envolver com arte. Filha de um influente pintor da cidade de Pisa, Artemisia se tornou a primeira mulher a ser aceita na Academia de Belas-Artes de Florença. Ela experimentou o sucesso tanto em sua cidade natal quanto em Florença, Nápoles e até na Inglaterra. Altamente influenciada pelo chiaroscuro de Caravaggio, Artemisia conseguiu desenvolver um estilo próprio e gozar de mais liberdade criativa que a maioria das mulheres de sua época.

O Papa em exercício na época de Caravaggio era Paulo V (interpretado por Maurizio Donadoni), que ocupou o trono papal entre 1605 e 1621. O principal destaque de seu papado foi sua relação amistosa com Galileu Galilei, que seria investigado e julgado pela Igreja Católica em 1633. O sobrinho do Papa, Scipione Borghese, que aparece no filme, era altamente influente em Roma, consolidando a importância da família Borghese e agindo junto ao Papa para obter o perdão de Caravaggio.

No papel de Anna Bianchini está Lolita Chammah, filha de Isabelle Huppert. Mãe e filha já haviam trabalhado juntas antes, como no filme “Copacabana”, de 2011. Huppert e Louis Garrel também já haviam se encontrado atrás das câmeras, em “Minha Mãe” (2004) e “As Falsas Confidências” (2016). “A Sombra de Caravaggio” proporcionou novos reencontros cênicos ao ser uma co-produção franco-italiana.

A sequência em que Caravaggio mata um rival é muito bem filmada, inclusive com tomadas aéreas. De destaque visual temos também alguns tableaux vivants, verdadeiras reconstituições das pinturas do artista com atores posando. Verdadeiramente um filme artístico, “A Sombra de Caravaggio” conseguiu imprimir em película as pinceladas de um gênio da pintura, que já foi retratado antes no cinema, mas não ainda com tanta humanidade e interesse genuíno pelo homem por trás das obras de arte.

“A Sombra de Caravaggio” é um dos filmes presentes no 18° Festival de Cinema Italiano no Brasil, que acontece gratuitamente entre 08/11 e 09/12/2023 em mais de 60 cidades e também pelo site.

Letícia Magalhães

Historiadora e crítica de cinema. Contribuiu com sites como Filmes e Games e Leia Literatura. Mantém desde 2010 o blog Crítica Retrô, sobre filmes clássicos e antigos, e contribui para os sites Revista Eletrônica Ambrosia e Cine Suffragette, no qual é também editora. Foi vencedora do prêmio do Collegium do Festival de Cinema Mudo de Pordenone em 2021, escrevendo sobre o que mais gosta: cinema e história.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Don't Miss