“Rustin”: conheça o idealizador da histórica Marcha sobre Washington

Quando falamos da grande marcha do movimento negro em Washington, em 1963, pensamos logo em seu líder, Martin Luther King. Mas nos escapa o nome de Bayard Rustin, o verdadeiro idealizador da marcha.
30 de janeiro de 2024
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"Rustin" recebeu indicação ao Oscar de 2024. Crédito: Divulgação/Netflix

Costumamos ouvir que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Mas há casos em que, por trás de um grande homem, há outros grandes homens, cujos nomes foram praticamente apagados da História. Quando falamos da grande marcha do movimento negro em Washington em 1963, pensamos logo em seu líder, Martin Luther King. Mas nos escapa o nome de Bayard Rustin, o verdadeiro idealizador da marcha. Um novo filme da Netflix chega para trazer à tona a história de Rustin.

Adepto há muito tempo de protestos sem violência, Bayard Rustin (Colman Domingo) idealiza em 1963 a maior marcha pacífica já vista nos EUA. Aconselhado pela amiga Ella Baker (Audra McDonald), ele vai atrás de Martin Luther King (Aml Ameen), um velho amigo com quem teve uma rusga três anos antes devido a um boato. Juntos novamente, eles terão dois meses para fazer a mítica marcha sair do papel.

A NAACP (sigla para Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor), encabeçada por Roy Wilkins (Chris Rock, equivocado em um papel para um homem mais velho), prefere não usar marchas para lutar pelos direitos dos negros. O foco deles é a conquista de direitos por ações nas cortes, incluindo uma bem-sucedida, quase uma década antes, na Suprema Corte. Eles também preferem esperar que o Congresso e o presidente se movam na direção de apresentar leis para garantir mais direitos, ignorando que esperar que o sistema mude por dentro sem que haja reivindicações dos interessados é o segredo para o fracasso de qualquer movimento.

Um colega de trabalho de Rustin afirma, com convicção, que ele “se tornou” homossexual por raiva dos pais, que o abandonaram. “Escolher” amar alguém do mesmo gênero seria uma forma de Rustin machucar, punir os genitores ausentes. O emprego dura pouco, porque Rustin sabe a verdade, que põe em palavras para o amigo Martin: “No dia em que eu nasci negro, eu também nasci homossexual”.

O fato de Rustin ser homossexual não escapa aos seus inimigos, que o acusam de ser um comunista e um pervertido. A “perversão” teve até condenação policial, em 1953, quando Rustin foi preso praticando sexo oral num carro com outros dois homens. Pode-se pensar, com razão, que Rustin preferiu trabalhar sempre nos bastidores dos movimentos de que fez parte por medo de ser diminuído e perseguido devido a sua orientação sexual.

A doutora Anna Hedgeman (CCH Pounder) reclama, com razão, que não há mulheres entre os líderes escolhidos para discursar na marcha. Para além da sempre citada Rosa Parks e da agora reconhecida Mamie Till-Bradley – em grande parte por causa de um filme, “Till”, de 2022 – existiram muitas mulheres que, como Bayard Rustin, ficaram nos bastidores organizando marchas e outras ações dentro do movimento por direitos civis. Muitas delas sofreram assédio e discriminação, mas não pararam seu importante trabalho.

Colman Domingo foi indicado ao Oscar de Melhor Ator por sua interpretação de Bayard Rustin. O trabalho do ator em cinebiografias continua a todo vapor: além de interpretar Joe Jackson num filme sobre a vida de Michael Jackson, Colman Domingo também pretende estrelar e dirigir uma cinebiografia de Nat King Cole.

“Rustin” tem como produtores Barack e Michelle Obama. Foi Obama quem deu, postumamente, a Medalha Presidencial da Liberdade para Bayard Rustin em 2013, cinquenta anos após a marcha. Desde que saiu da presidência, Obama concentra seus esforços na produtora Higher Ground, que já fez podcasts, filmes, programas para a televisão e diversos documentários, incluindo um ganhador do Oscar. Pode ser levantada a hipótese de que Bayard Rustin foi apagado da História por causa de sua orientação sexual. Mas nas últimas décadas ele vem sendo redescoberto e reconhecido. Já são muitas as escolas nos EUA chamadas Bayard Rustin, e felizmente veio um filme à altura desta grande figura, um filme que, apesar de seguir à risca o bê-a-bá das cinebiografias que se concentram num período de vida do biografado, ainda assim inspira e informa.

Letícia Magalhães

Historiadora e crítica de cinema. Contribuiu com sites como Filmes e Games e Leia Literatura. Mantém desde 2010 o blog Crítica Retrô, sobre filmes clássicos e antigos, e contribui para os sites Revista Eletrônica Ambrosia e Cine Suffragette, no qual é também editora. Foi vencedora do prêmio do Collegium do Festival de Cinema Mudo de Pordenone em 2021, escrevendo sobre o que mais gosta: cinema e história.

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