Pesquisa investiga relação entre lideranças angolanas e os portugueses no comércio atlântico de escravos do séc. XVIII

31 de maio de 2017
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Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Alagoas coordena a pesquisa.

Por Bruno Leal | Agência Café História

Embora já tenha sido bastante estudado pelos historiadores, o mercado atlântico de escravos continua sendo um dos campos mais fecundos da historiografia sobre a Era Moderna. A pesquisa da historiadora Flávia Carvalho, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é um exemplo disso. Carvalho é coordenadora do projeto de PIBIC “Sobas e homens do rei: relações de poder e escravidão em Angola – Século XVIII”, que examina o papel que os sobas – como eram conhecidas as principais lideranças locais na Angola na época – desempenharam no mercado atlântico de escravos.

Sobre sobados e sobas

No século XVIII, a Angola era uma grande fornecedora de escravos para o Brasil e outras colônias portuguesas. Apesar da presença dos portugueses na região, boa parte do território angolano era divido em sobados, isto é, regiões povoadas com culturas e interesses próprios, cada qual liderado por seu respectivo soba. Os sobas eram relativamente independentes. Muitos resistiram ao domínio português. Porém, conforme atesta a historiografia, também houve sobas que estabeleceram alianças com os conquistadores, fornecendo-lhe homens para o mercado atlântico de escravos e ajudando na abertura de caminhos que foram fundamentais para a interiorização da conquista portuguesa na África.

Sobados
Mapa de Sobados em Angola. Referência: Carte des royames de Congo, Angola et Benguela avec les pays voisins. 1754 por Jacques Bellin

A participação desses chefes no mercado atlântico de escravos não raro tem gerado leituras simplificadoras, que ora veem os sobas somente como vítimas, ora somente como algozes. De acordo com Flávia Carvalho, essas leituras não contribuem para a compreensão do tema. O que a historiadora tem visto em sua pesquisa é diferente. Ela defende que devemos entender que se trata de uma questão extremamente complexa.

– Essas relações são muito mais dinâmicas do que estáticas. Não estamos falando de um soba nem totalmente dominado e nem totalmente rebelde. É importante ressaltar que eles são agentes históricos. Dar historicidade a eles é algo importante. Por outro lado, precisamos relativizar a situação em que eles se encontravam. O soba era um homem dominado, existia uma conquista, existia um exército português ali presente.

A pesquisa e suas fontes: documentação digitalizada

Sobados
Sobas representados em ilustração. Referência: CAVAZZI, Giovanni de Montecuccolo. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar, 1965, 2 c.

Os sobas e os sobados começaram a ser estudados pela historiadora Flávia Carvalho durante o seu doutorado, realizado na Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro. Sua tese, intitulada “Os homens do rei em Angola: sobas, governadores e capitães-mores, séculos XVII e XVIII”, defendida em 2013, foi publicada no final de 2015 no livro “Sobas e homens do rei: relações de poder e escravidão em Angola  (séculos XVII e XVIII)” pela Edufal. O projeto que desenvolve atualmente no PIBIC, com financiamento da FAPAL, tem o intuito de avançar no estudo do tema, debruçando-se sobre fontes que não foram usadas na elaboração da tese. Um dos principais objetivos da pesquisa, segundo explicou a historiadora ao Café História, é compreender como esses povos africanos lidavam com a escravidão, entender o papel de um chefe africano neste cenário de conquista – com suas negociações e limitações, e se, afinal, as colaborações de alguns sobas com os portugueses atendia somente às demandas dos conquistadores ou também eram usadas com objetivos próprios.

“Sobas e homens do rei: relações de poder e escravidão em Angola – Século XVIII” usa documentos provenientes do Arquivo Nacional de Angola que foram digitalizados há alguns anos pelo Projeto de Digitalização de Arquivos Angola-Brasil (PDAB), coordenado pela historiadora aposentada da UFF, Mariza de Carvalho de Soares. A documentação, disponível para consulta no IHGB, foi responsável por um verdadeiro avanço nas pesquisas sobre África no Brasil nos últimos anos.

Resultados da pesquisa e publicações previstas

Embora o projeto ainda não tenha sido finalizado, Carvalho já adianta alguns resultados. Ela conta, por exemplo, que já foram encontrados 13 autos de vassalagem, os chamados “avassalamentos”, isto é, documentos que formalizavam a aliança entre o soba e a coroa. Esses avassalamentos eram temporários e tinham vantagens para ambas as partes. Em geral, ela explica, os sobas recebiam proteção militar dos portugueses. Com pólvora e armas, por exemplo, eles eram mais fortes em suas guerras contra outros sobas. Em troca, eles ajudavam os “homens da coroa” a abrir caminho nos sertões de Angola e forneciam prisioneiros de guerra – capturados de outros sobas – para o mercado atlântico de escravos – o que significava enviar o inimigo para bem longe de seus domínios.

O projeto de pesquisa sobre os sobas realizado na UFAL teve início em 2015 e termina no final deste ano. Além da professora Flávia Carvalho, ele também é composto por dois estudantes de graduação, que estão produzindo monografias que trabalham diretamente com a documentação oriunda do PDAB. Carvalho irá publicar pelo menos dois trabalhos como produto da pesquisa: o capítulo de um livro que já está no prelo e um mapeamento geográfico dos sobados de Angola, visando entender melhor a interiorização dos portugueses na região e o caráter temporário dos autos de vassalagem dos sobas.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

6 Comments

  1. Precisamos mesmo conhecer as verdades de nossas origens, como ocorreram os fatos de pessoas que sofreram com a escravidão.

  2. Ola meu nome e Vanessa, sou formada em historia, gostei muito da materia e gostaria de saber se voces podem me passar o contato (pode ser o email da profa
    Flavia Carvalho. Obrigada

  3. Conteúdo importante!! Sou angolano e estou estudando no Brasil, o contexto me obrigou rever a história do meu país para fazer relação com a história do Brasil, este projeto chamou-me a atenção pelo fato de já ter lido um livro (claro, de ficção, porém deixa algumas dicas) de um escritor angolano ( Pepetela), o título do livro é “A Sul, o Sombreiro”, narra um pouquinho sobre essa relação entre sobados e os homens da coroa.

    • Oi, Miranda! Obrigado pelo comentário! Pepetela é um escritor incrível.
      É muito bom contar com a visita dos amigos angolanos! Sinta-se em casa por aqui!

  4. os meus cumprimento sou Angolano gostaria ,como obter o mapa dos sobas e tem mais livros sobre a historia de Angola e sobre tudo no começo da Coloniazaçao ,muito obrigado

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