“Noites Alienígenas”: colocando o Acre no mapa do cinema brasileiro

“Noites Alienígenas”, primeiro longa-metragem rodado no Acre, está na Netflix para brasileiro nenhum perder a chance de vê-lo.
23 de julho de 2023
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“Noites Alienígenas” está disponível na Netflix. Foto: reprodução.

O dia 19 de junho de 2023 marcou os 125 anos de cinema no Brasil. Foi em 19 de junho de 1898 que foi feita a primeira filmagem em solo brasileiro, – ou melhor, em águas brasileiras – da Baía de Guanabara, através do cinematógrafo trazido pelo italiano Afonso Segreto, que tomou estas primeiras imagens a bordo de um navio. Por causa deste feito, é comemorado em 19 de junho o dia do cinema brasileiro. E ele continua frutificando, e novidades continuam aparecendo. Uma das mais recentes “primeiras vezes” do cinema brasileiro vem na forma de “Noites Alienígenas”, primeiro longa-metragem rodado no Acre, que agora, após coletar grandes prêmios no Festival de Cinema de Gramado e de passar pelos cinemas, está na Netflix para brasileiro nenhum perder a chance de vê-lo.

A ação acontece na periferia de Rio Branco, capital do Acre, e mais uma cidade que enfrenta a tão familiar guerra contra as drogas e as facções originadas pelo tráfico. Quem está envolvido com drogas é Paulo (Adanilo), pai do filho de Sandra (Gleici Damasceno), que agora namora nosso protagonista, Rivelino (Gabriel Knoxx), ou Riva para os amigos. Riva é um representante da geração nem-nem – que nem estuda, nem trabalha – e precisa “reagir”, como diz sua mãe. Mal sabe ela que Riva vende drogas e está disposto a se unir a uma facção.

Muitos personagens de “Noites Alienígenas” fazem parte do mundo da música. Logo no começo do filme, encontramos o amigo de Riva, Alê (Chico Diaz), cantando sobre alienígenas. Riva faz suas rimas, e Sandra e a amiga Kika (Kika Sena) tomam parte em slams, competições de criação musical e poética. É num show de tecnobrega que somos apresentados à mãe de Riva, Beatriz (Joana Gatis), e é cantando na igreja que conhecemos melhor a mãe de Paulo, Marta (Francisca Arara). Ambas as mães são personagens de importância ímpar para a narrativa.

“Noites Alienígenas” quase que poderia se passar em qualquer metrópole do Brasil. Dizemos “quase” por conta do elemento indígena, cuja sabedoria popular surge como alternativa para o vício em drogas de Paulo. Qual a diferença entre consumir drogas e consumir produtos naturais indígenas? É um debate que rende e que instiga, mesmo que você, como eu, nunca tenha pensado desta maneira. E fica o recado: a força indígena existe e resiste, afinal, é na sabedoria ancestral dos povos da floresta que Paulo vai buscar ajuda, não na igreja que sua mãe frequenta.

“Noites Alienígenas” ganhou cinco prêmios no Festival de Gramado, incluindo Melhor Filme. As demais premiações foram para o elenco – e que elenco interessante! Gabriel Knoxx é um ativista social e rapper acriano, enquanto Joana Gatis é filha de artistas plásticos e também trabalha no cinema como figurinista. O grande Chico Diaz dispensa apresentações, e Adanilo, vindo de Manaus, desde cedo se envolveu com arte, experimentando com música, grafite e finalmente a atuação.

Sérgio de Carvalho, diretor, é também co-roteirista e autor do livro que deu origem ao filme. Sérgio conta que sua intenção era escrever um conto, mas o assunto deu tanto “pano pra manga” que ele escreveu um livro em três semanas. Oito anos separam a publicação do livro e a estreia do filme, tempo em que, segundo o próprio Sérgio, muita coisa mudou e o crime se organizou no Acre.

O Acre, este estado tão injustamente zoado por moradores do Sul e do Sudeste devido a sua localização longínqua, mostra seu valor. “Noites Alienígenas” acerta ao mostrar o Acre urbano e suas histórias com as quais nós de outros estados podemos nos identificar. Sem cair na armadilha de mostrar o exotismo do lugar – armadilha que a maioria das produções filmadas na região cai – o filme vai para outro nível. O rapper manauara Vitor Xamã tem uma letra assim: “Pro Brasil, o Norte é invisível. Passeio pra gringo, parquinho pro crime”. “Noites Alienígenas” atua descentralizando o cinema brasileiro, dando destaque à arte acriana como que dizendo: “não somos invisíveis!”. Só podemos esperar que seja a primeira de muitas grandes obras vindas do estado.

Letícia Magalhães

Historiadora e crítica de cinema. Contribuiu com sites como Filmes e Games e Leia Literatura. Mantém desde 2010 o blog Crítica Retrô, sobre filmes clássicos e antigos, e contribui para os sites Revista Eletrônica Ambrosia e Cine Suffragette, no qual é também editora. Foi vencedora do prêmio do Collegium do Festival de Cinema Mudo de Pordenone em 2021, escrevendo sobre o que mais gosta: cinema e história.

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