Pesquisa examina as intimidades de jovens trabalhadores no Antigo Regime

Livro mostra como o estudo da sexualidade e da intimidade no Antigo Regime ajuda a quebrar estereótipos e compreensões equivocadas de sociedades tradicionais e dos primeiros homens e mulheres modernas.
20 de março de 2021
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"The Stolen Kiss" ("O beijo roubado") ca. 1760 / Jean Honoré Fragonard.

O assunto sexo envolve não só desejo, mas também poder, dinheiro, medo, violência e controle social. Isso vale não só para os nossos dias, mas também para as sociedades humanas no passado. É o que demonstra o mais recente livro da historiadora Julie Hardwick, professora de história na Universidade do Texas. Lançado em agosto de 2020, Sex in an Old Regime City: Young Workers and Intimacy in France, 1660-1789 (em tradução livre, “Sexo em uma cidade do Antigo Regime: jovens trabalhadores e intimidade na França, 1660-1789) é produto de dois anos de pesquisa da autora sobre a vida íntima de jovens trabalhadores de antigas cidades europeias durante o período do Antigo Regime. O termo “Antigo Regime” é comumente usado por historiadores para se referir ao sistema político e social anterior à Revolução Francesa, iniciada em 1789.

Com base em extensa pesquisa de arquivo, a autora examina as diferentes facetas da intimidade de jovens que viveram em pequenas, médias e grandes cidades da Europa, mas particularmente na França, nos séculos XVII e XVIII. Além da prática sexual e das diferentes sexualidades, Hardwick pesquisou a atitude de pessoas, comunidades e instituições diante da gravidez prematura e dos partos fora do casamento. Também estão presentes na obra estudos sobre medidas para induzir o aborto, o abandono de crianças, o crime de infanticídio e tentativas de controlar a sexualidade femininas. 

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Livro poder ser adquirido em formato e-book pela Amazon Brasil. O custo porém é alto: R$ 183,00.

A obra, porém, nada tem de sensacionalista e não é guiada pelo pitoresco. Ao pesquisar todas essas questões de foro íntimo, a historiadora está interessada em compreender julgamentos morais e religiosos, redes assistencialistas e de solidariedade. Uma gravidez prematura, por exemplo, exigia uma série de ações e estratégias, que podiam ir desde acusações de custódia ao pai até o abandono do menor de idade em portas de hospitais. De acordo com Hardwick, clérigos, advogados, empregadores, parteiras, amas de leite, vizinhos, familiares e amigos apoiaram as mulheres jovens e responsabilizaram os rapazes pelas consequências reprodutivas de sua atividade sexual.

“Enjeitados, promessas de casamento quebradas que acabaram litigadas em tribunais, soluções extraconjugais, como arranjos privados para quartos alugados por curto prazo, e investigações criminais foram alguns dos subprodutos do mundo social dos jovens trabalhadores em cidades do Antigo Regime. Os relacionamentos de casais jovens e sua fertilidade eram questões de tensão, ameaças, emoções intensas de todos os tipos e vizinhanças, bem como motivo de preocupação do poder oficial. Parte da gestão essencial da intimidade dos jovens e de suas consequências reprodutivas envolvia trabalho remunerado, bem como o investimento de tempo não remunerado, energia e envolvimento emocional de uma ampla gama de pessoas”, diz a autora no livro.

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Julie Hardwick, a autora, é professora na Universidade do Texas, am Austin. Foto: Departamento de História da Universiade do Texas.

Sex in an Old Regime City quebra alguns tabus e estereótipos. Por meio de documentos que eram deixados em caixas de confissão, em escritórios de advogados e em locais de trabalho, a autora monstra, por exemplo, que as primeiras mulheres modernas não foram perseguidas por suas comunidades por atividade sexual antes do casamento e por filhos fora do casamento, mas foram tratadas de forma pragmática e sensível, permitindo que as mulheres continuassem a trabalhar e preservassem seu futuro.

“As histórias extraordinárias da intimidade comum dos jovens trabalhadores reformulam vários aspectos do Antigo Regime. Suas experiências desfiam a centralidade do disciplinamento da sexualidade feminina como um projeto moderno e crítico de formação do Estado e da reforma religiosa. (…) Suas vidas também iluminam muitos debates mais específicos – por exemplo, sobre a história das emoções, infanticídio, atitudes em relação à ilegitimidade, locais de trabalho pré-modernos e o corpo”, sublinha Hardwick.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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