Estudos Brasileiros na Dinamarca

Graduado em letras, mas com uma formação acadêmica interdisciplinar, Vinícius Mariano é professor e coordenador do programa de estudos brasileiros da Universidade de Aarhus, da Dinamarca. Nessa entrevista ele conta como surgiu o projeto da revista Brasiliana, inteiramente dedicada aos “estudos brasileiros”.
5 de fevereiro de 2013
Estudos Brasileiros na Dinamarca 1
Vinicius Mariano de Lima em seu escritório de trabalho. Foto: acervo pessoal do entrevistado.

Graduado em letras, mas com uma formação acadêmica interdisciplinar, o professor Vinícius Mariano conta nesta entrevista exclusiva como surgiu o projeto da revista Brasiliana, além de refletir sobre o tema “estudos brasileiros” e as transformações que ele percebe no âmbito acadêmico dinamarquês em relação ao Brasil. Além da revista, a Universidade de Aarhus, onde ele atua, oferece um programa de estudos brasileiros que cada vez mais vem atraindo alunos que aprendem não apenas a língua portuguesa, mas também elementos da cultura e da história do Brasil.

Professor, muito obrigado por conversar conosco. Como surgiu a ideia de uma revista de estudos brasileiros em uma universidade dinamarquesa?

Primeiramente, eu que tenho que agradecer pelo interesse em conhecer mais sobre nosso programa de Estudos Brasileiros na universidade de Aarhus e sobre nossa Revista, a Brasiliana. A revista nasceu de uma demanda não apenas dinamarquesa, mas eu diria que muito maior. Uma demanda por um meio específico para se discutir o Brasil e com o Brasil. Professores, acadêmicos e pesquisadores de uma comunidade que está se tornando maior a cada dia, a dos brasilianistas, normalmente utilizaram fóruns acadêmicos mais amplos, como as revistas sobre América Latina, Mundo Lusófono, Mundo Ibérico, etc., porém poucas são as revistas que se dedicam exclusivamente ao Brasil no ambiente das ciências sociais e humanas. Essa foi a motivação primeira para a criação da Brasiliana. A segunda motivação é de caráter estratégico local. Em um plano de inserir nosso programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Aarhrus em um contexto mais internacional e de certa maneira situá-lo mais ativamente no debate sobre e com o Brasil, Brasiliana foi o resultado natural desta estratégia.

Nos últimos anos o Brasil vem ganhando destaque internacional, inclusive no meio acadêmico. Parece que pesquisadores e estudantes estrangeiros querem saber mais sobre a cultura e a história de nosso país. Você concorda?

Sim, podemos dizer que têm havido uma maior busca por estudos sobre o Brasil, e também a presença de pesquisadores brasileiros no exterior tem sido muito importante para mostrar o que se produz de ciência no Brasil. Eu repito o que para mim é muito importante: acho que quando se trata de academia, precisamos sempre pensar de forma dialogal. Uma questão é o aumento da procura por conhecimento sobre o Brasil no exterior, outra coisa é o aumento da inserção do pensamento produzido no Brasil em todo o mundo. Quanto mais conseguirmos equilibrar esta balança, melhor será. Precisamos de estudar o Brasil, mas também com o Brasil. Neste ponto, o intercâmbio de pesquisadores e estudantes é fundamental. Se as condições são mais favoráveis hoje que há dez anos, então aproveitemos estas oportunidades.

Criar uma revista acadêmica exige muita dedicação, seja no Brasil ou fora dele. Qual foi o maior desafio que você encontrou na construção e execução deste projeto?

Primeiramente é preciso dizer que a revista me traz muito mais prazer que trabalho. Acho que é um grande privilégio poder, de certa maneira, provocar algum debate acadêmico e receber tantas respostas em forma de artigos de excelente qualidade, rigor científico e criatividade analítica. Além disso, a possibilidade de, virtualmente, estar envolvido no surgimento de uma comunidade de leitores, autores, editores é imprescindível no desenvolvimento do pensamento humanístico. Estas alegrias fazem com que qualquer desafio se torne pequeno e superável. É claro que, sendo um projeto que começa a dar seus passos agora, há muitos acertos a serem feitos. A Revista não conta com patrocínio e é de fato a colaboração que a faz mover-se. Penso que muitos colegas que estão colaborando com a realização deste projeto também podem ver o potencial da Revista e investem seu tempo e dedicação para lograrmos fazer da revista um canal sério e que dê frutos.

Professor, no editorial de estreia da “Brasiliana”, você sublinha que as universidades estrangeiras passaram a usar mais o termo “Brazilian Studies” do que o tradicional (e genérico) “Latin American Studies” para se referir ao campo de pesquisas acadêmicas sobre Brasil. Como você definiria os “Brazilian Studies”?

Academicamente venho defendendo a ideia de que, ainda que prático e necessário em algum momento, é preciso cuidado com a generalização do termo América Latina. Quais são os critérios para esta categorização? Linguísticos? Coloniais? Ademais, o que se vê normalmente é uma associação entre os termos América Latina e América de língua espanhola. Obviamente que há um número bastante considerável de países no continente americano que falam espanhol, porém parece-me que esta associação é um pouco confusa. Neste sentido, venho defendendo que é preciso diferenciar Estudos Brasileiros de Estudos Latino-Americanos. A grande maioria dos departamentos nas universidades que oferecem algo sobre Brasil, incluem o estudo do país no quadro dos estudos latino-americanos. Outra vez, compreendo necessário pensar de maneira prática e seria de certa forma inviável que universidades criassem um departamento de estudos brasileiros, um de estudos cubanos, um de estudos mexicanos, um de estudos nicaraguenses, etc. Mas observo, e não apenas eu, mas muitos outros brasilianistas e latino-americanistas, que os estudos brasileiros vêm ganhando certa projeção e, mesmo ainda dentro de departamentos de estudos latino americanos ou hispano americanos, solidifica-se mais e mais como uma área de estudos. Não arrisco a levantar hipóteses sobre as razões para esta projeção, mas creio que é nossa tarefa como acadêmicos estarmos abertos e atentos para discutir uma possível ontologia e epistemologia dos estudos brasileiros. Você me pergunta como eu definiria estudos brasileiros. Deixarei sua pergunta sem uma resposta final, uma vez que é exatamente este debate que pretendemos que a Brasiliana venha articular e trazer. O que eu diria é que, a meus olhos, estes “estudos brasileiros” não devem pensar o Brasil apenas como um objeto, mas também como um sujeito da reflexão social e humanística, uma reflexão sobre si e sobre o mundo.

O corpo editorial da revista é bastante internacional. Há professores do Brasil, da Dinamarca, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Isso reforça o perfil interdisciplinar da publicação? Comjo tem sido o feedback deste trabalho?

Como eu disse acima, a ideia é que Brasiliana se torne um fórum internacional para debater sobre e com o Brasil. Acredito que apenas uma pluralidade de vozes, interpretações e análises poderão de fato contribuir para a construção de um pensar amplo em torno do Brasil. Isso porque, em nosso ponto de vista, o Brasil também é plural, seja em suas potencialidades e em seus problemas, o que nos obriga a também pensar de maneira plural. As respostas têm sido muito positivas. Somos surpreendidos com a visibilidade que a revista alcançou em pouco tempo de existência. Obviamente há críticas acerca do caráter amplo de abrangência da revista, porém esta é a perspectiva que lançamos e que insistiremos em seguir.

Como os pesquisadores brasileiros podem colaborar com a revista? Ela aceita trabalhos em fluxos contínuos? Quem pode enviar artigos ou resenhas?

A revista têm 4 sessões. A primeira, chamada dossiê, é uma sessão mais temática, para a qual lançamos duas chamadas para artigos anualmente. Os temas para esta sessão são definidos pelo Conselho Editorial e estamos neste principio privilegiando uma discussão em torno do significado do conceito Estudos Brasileiros. Posteriormente estes temas ampliar-se-ão a tópicos emergentes no debate acadêmico e social do e sobre o Brasil. As demais sessões, Geral, Resenhas e “Varia”, têm um fluxo contínuo de recepção de textos. Na sessão Geral recebemos textos que discutam academicamente temas relevantes sobre o Brasil nos campos das Ciências Sociais e Humanas. O espaço é amplo e não excludente, conquanto o texto reflita sobre e com o Brasil. Resenhas de publicações, exposições, concertos ou performances recentes sobre o Brasil, ou com artistas brasileiros são sempre bem-vindas. A sessão “Varia” é mais livre, traz entrevistas relevantes que podem provocar outros textos e debates, reportagens ou ensaios que não passam pelo processo de “peer review”. Para esta sessão preferimos falar em “aceitamos sugestões” do que “recebemos artigos”, já que neste caso os Editores têm uma agenda a seguir. Todo pesquisador que queira submeter um artigo científico que reflita algum aspecto do Brasil, nas áreas das ciências sociais e humanas, encontrará Brasiliana de portas abertas. A revista publica em português, inglês, espanhol e dinamarquês.

Como começou a sua relação com a Dinamarca?

Minha trajetória acadêmica também é plural, dentro das ciências humanas. Venho das letras, da filosofia, da literatura, da música, da teologia; gosto da história, da antropologia, da sociologia, da política, da geografia, da linguística. Enfim, das humanidades. Passei, tanto como estudante quanto professor, por universidades no Brasil e na Alemanha antes de vir para a Dinamarca, onde cheguei quase casualmente em 2008, no programa de Leitorado do MRE-CAPES, vindo depois a tornar-me professor de Estudos Brasileiros da própria universidade de Aarhus.

A revista é apenas uma de suas ocupações na Universidade de Aarhus. Você também está à frente do Programa de Estudos Brasileiros desta universidade. Como funciona esse programa?

Sim, atualmente coordeno os Estudos Brasileiros na Universidade de Aarhus. Este programa, que já tem quase 20 anos, vem passando por reformulações para fazê-lo mais dinâmico e capaz de dar respostas a demandas contemporâneas, bem como formar profissionais que sejam mediadores entre o Brasil e a Dinamarca. A princípio o programa teve um caráter mais filológico, com muita ênfase no aprendizado da língua portuguesa na sua variante brasileira, porém, como eu disse, estamos já há alguns anos promovendo modificações no programa, de modo dar um conhecimento mais abrangente sobre o Brasil. Temos um programa de Bacharelado e de Mestrado em Estudos Brasileiros e também temos estudantes de Doutorado em nosso programa. Aqui o aluno aprende a língua portuguesa, obviamente, e também literatura, cultura e história do Brasil, além de ter cursos sobre cultura organizacional, estudos de problemas brasileiros, etc.Oferecemos também com frequência mensal uma série de palestras chamadas “Lectures on Brazilian Studies”, nas quais buscamos trazer pesquisadores brasileiros ou de outras partes do mundo para apresentarem suas pesquisas sobre o Brasil. Uma vez por ano temos um grande evento chamado “Brazilian Days”, normalmente na última semana de setembro, quando tratamos de um tema específico da cultura brasileira com palestras, concertos, exibições de filmes, workshops, etc. Durante o “Brazilian Days” também realizamos reuniões internas buscando aprimorar as relações e colaborações com universidades brasileiras. Nossos alunos, em sua maioria esmagadora, passam um semestre de seus estudos em alguma de nossas universidades parceiras no Brasil, para conhecerem mais da realidade brasileira e convivam com estudantes brasileiros. Realizamos excursões de estudos ao Brasil e buscamos promover a difusão da cultura do Brasil dentro da universidade em geral. É bastante trabalho!

Que estudantes procuram este programa de estudos brasileiros? O que motiva tais alunos a se interessarem pelo Brasil? Que nível de conhecimento do país eles geralmente possuem ao entrar e, mais tarde, ao sair do curso?

Nosso público é bastante variado no que diz respeito às suas motivações. Tenho alunos que vieram para o curso porque gostam do futebol do Brasil, outros devido à música, outros porque gostariam de saber como negociar com o Brasil, outros porque são apaixonados por um ou por uma brasileira! Enfim, as motivações são diversas, o que se torna um grande desafio para nós. Buscamos satisfazer-lhes em suas aspirações, mas dar-lhes também uma perspectiva mais abrangente sobre o país e motivá-los para buscarem, por eles mesmos, maneiras de inserirem-se na cultura brasileira. Nos últimos 4 anos o crescimento pela procura do curso foi vertiginoso. Saímos de 9 estudantes para 51 ao nível de bacharelado. Comemorarmos isso, mas também sentimos a responsabilidade em dar-lhes uma formação apropriada e motivadora.

Professor, muito obrigado por esta excelente conversa.

Mais uma vez, eu que agradeço a oportunidade e interesse. Parabenizo a todos que participam deste website, promovendo um diálogo necessário e frutífero e espero que os leitores se sintam motivados a participar da Brasiliana, seja como autores ou leitores, e nos ajudem a construir estes estudos brasileiros.

Como citar esta entrevista

MARIANO, Vinícius.“Estudos brasileiros na Dinamarca. Entrevista concedida a Bruno Leal Pastor de Carvalho In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/estudos-brasileiros-na-dinamarca/. Publicado em 5 fev. de 2013. ISSN: 2674-5917.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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