Vereador que é autor de projeto de lei em prol do “Escola sem partido” envolve-se em polêmica com professores

15 de novembro de 2017
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Ronaldo Pohl chamou professores que protestavam na Câmara Municipal de Marechal Cândido Rondon de “escória”. Ele nega ter se referido a todos os professores da cidade.

Ana Paula Tavares e Bruno Leal | Agência Café História

A sessão da última segunda-feira da Câmara Municipal de Marechal Cândido Rondon, no Paraná, foi mais movimentada do que de costume. Diversos professores da cidade foram ao órgão protestar contra o projeto de lei 29/2017, que visa implementar na rede de ensino da cidade paranaense as prerrogativas do movimento “Escola sem partido” (ESP). Durante a sessão, o vereador Ronaldo Pohl, do Partido Social Democrático (PSD), autor do projeto, esqueceu que o microfone estava ligado e foi flagrado dizendo: “O dia que eu baixar bola pra isso aqui [professores manifestantes], eu saio da política. É hoje só, mas segunda-feira no “pau”. (…) Hoje não, mas segunda-feira é no cacete. Baixa a bola para isso nunca! Escória”. O momento também foi registrado em vídeo – veja aqui.

Em outro vídeo – publicado ontem pela manhã em uma rede social na internet, mas deletado na parte da tarde – Phol se defendeu das acusações dizendo que seu “desabafo” ao microfone não se referia a todos os professores, mas sim a três professores manifestantes presentes na câmara que segundo ele estariam com ovos em suas mochilas e iriam usar contra ele caso subisse à tribuna. Ele, no entanto, não disse quem seriam essas pessoas com ovos – não houve, a propósito, uso de ovos contra ele durante toda a sessão na câmara. No vídeo, o vereador disse ainda ser uma “pessoa muito autêntica” e classificou o “Escola sem partido” como “um bem enorme para a sociedade”, sem mencionar ou problematizar os motivos que levaram professores rondonenses a protestar contra ele.

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Câmara Municipal de Marechal Candido Rondon, Paraná. Foto: divulgação da câmara.

Ao conversar com o site A Gazeta Web, Phol admitiu a fala registrada em vídeo e disse que ela foi retirada de contexto. “Eu fui alertado para não subir na tribuna, porque se eu subisse três homens que estavam no fundo da sala de sessões iriam jogar ovos contra mim”. O vereador repetiu ainda os argumentos do vídeo deletado e novamente não mencionou as reivindicações dos professores: “Quando falo de escória me refiro aos homens que queriam jogar ovos em mim e não aos professores, que estavam fazendo uma manifestação pacífica”.

Em entrevista ao site O Presente, Luciano Palagano, representante da Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), a manifestação teve o objetivo de alertar o perigo que o projeto de lei representa.

– Ele tolhe o direito do ensino com debate. O ato de ensinar é possibilitar o debate e um projeto que coloca o que pode e não pode ser discutido em sala de aula de antemão simplesmente corta o que preceituam determinados setores do conhecimento. É só olhar para a história em casos como Galileu Galileu, Copérnico e Lutero, haja vista que todos foram censurados. Este foi um ato contra a censura dentro da educação”, destacou Palagano.

Ontem mesmo, o prefeito da cidade, Marcio Rauber, comunicou o veto integral ao projeto de lei ao presidente da Câmara dos Vereadores, Pedro Rauber. Segundo  ao O Presente,  no despacho de Rauber consta que a proposta de Phol “esbarra em vícios de iniciativa, de competência e de constitucionalidade que a tornam insuscetível de sanção”.

Escola sem Partido: o que é este movimento?

Criado por um advogado chamado Miguel Nagib, em 2004, o movimento “Escola sem Partido” acredita estar em curso nas escolas e nas universidades brasileiras um programa de “doutrinação ideológica” (de esquerda). Para defender este ponto de vista, o movimento, que inspira diversos projetos de lei espalhados pelo país, cita a matéria de capa da revista Veja de 16 de agosto de 2008, assinada por Guilherme Amorozo, que critica a alta aprovação que os pais no Brasil têm quanto às escolas de seus filhos. Ele defende que os pais não enxergam que a educação no Brasil é ruim e que o maior problema seria a “esquerdização das escolas”. As “provas” dessa “doutrinação ideológica” estariam na resposta dos professores a uma pesquisa encomendada pela revista ao CNT/Sensus.

[perfectpullquote align=”right” cite=”” link=”” color=”” class=”” size=””]“O dia que eu baixar bola pra isso aqui [professores manifestantes], eu saio da política. É hoje só, mas segunda-feira no “pau”. (…) Hoje não, mas segunda-feira é no cacete. Baixa a bola para isso nunca! Escória”. [/perfectpullquote]

O primeiro dado usado como argumento é de que 50% dos professores concordam que sua atuação é politicamente engajada, ao passo que 30% dos professores concordam que sua atuação é às vezes engajada. Questionando a ideia de que “politicamente engajado” seria sinônimo de “doutrinação”, a Revista POLI, da Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz, perguntou a Nagib se a mesma suspeita de ideologização “deveria recair sobre grandes figuras da história recente do Brasil, como Fernando Henrique Cardoso e Paulo Renato Souza, que conciliaram a vida partidária com a prática docente.” Na resposta, o advogado relativizou: “Isso obviamente depende de cada indivíduo. Eu não sei como o Fernando Henrique e o Paulo Renato se comportavam como professores em sala de aula.”

Relativização foi também o expediente usado pelo deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), que apresentou o projeto do Escola sem Partido na Câmara dos Deputados do Distrito Federal. Ao ser entrevistado pela POLI, Lucas tenta rotular todos os professores do país como seguidores de um só partido (que não seria o dele) e de uma só ideologia (que não seria a dele), além de implicitamente indicar que tais educadores não seriam éticos: “Pelo que eu conheço do PSDB e das pessoas do PSDB desde a fundação, elas têm um comportamento e uma ética muito diferente do que existe hoje [abril/2016]. O partido que hoje está no poder [PT] é um partido que realmente não respeita isso”, disse à revista.

O segundo dado usado pelo “Escola sem partido” como argumento é que 78% dos professores afirmam que a principal missão da escola é “formar cidadãos”. A reposta dos educadores, no entanto, nada tem de equivocado. Na verdade, ela ampara-se no documento educacional de maior relevância no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), criada em 1996, e que fala em “formar para o exercício da cidadania”. Para o “Escola sem partido”, em seu site, “construir uma sociedade mais justa” e “combater o preconceito” seriam pretextos que os professores utilizariam dentro de sala de aula para “fazer a cabeça dos alunos” sobre questões político-partidárias, ideológicas e morais.

Apesar dessas contradições e ambiguidades, o movimento tem feito sucesso com explicações superficiais e discursos inflamados. Em parte, isso se explica pelo nome “sem partido”, que dá a entender que a luta do ESP é neutra e contra a partidarização das escolas e das aulas, algo que as pessoas em geral, incluindo os professores, são contra.

Professores X Escola sem partido

Em 2016, o historiador Fernando Nicolazzi, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), falou sobre o projeto encampado pelo Escola sem Partido em um artigo de opinião publicado no site Sul 21:

– Estamos diante de uma projeção do espaço familiar, ou seja, do âmbito privado, sobre o ambiente amplo da sociedade, onde a dimensão pública deve prevalecer como condição fundamental para as discussões sobre o bem comum e sobre a justiça social. Em outras palavras, o que tais projetos pretendem é realizar um esvaziamento da dimensão pública do ensino e, consequentemente, a suposta despolitização da prática educacional. O ensino e a aprendizagem demandam, mesmo em escolas privadas, a existência desta dimensão, que existe através do livre diálogo entre professor e aluno, bem como da liberdade de atuação dentro do espaço escolar. Conhecer é um ato social, não simplesmente uma faculdade biológica; ele pode e deve ser apartidário, mas jamais será “neutro”. Afinal, como seria possível definir o projeto educacional de um país a partir da noção vaga e enganosa de “neutralidade”? A própria escolha pela educação já é uma opção política.

Entidades condenam

Em abril desde ano, em documento enviado ao governo brasileiro, relatores da Organização das Nações Unidas (ONU), denunciaram as iniciativas legislativas no Brasil com base no Programa “Escola sem partido”, alertando que, caso sejam aprovadas, tais leis podem representar uma violação ao direito de expressão nas salas de aula e até mesmo censura. A ONU já vinha acompanhando com preocupação o caso brasileiro, mas acelerou sua resposta depois que o vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM), membro do Movimento Brasil Livre (MBL), passou a visitar escolas da cidade para “inspecioná-las”.

Em fevereiro deste ano, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, reafirmou a inconstitucionalidade do projeto “Escola sem partido”. “Seria inconcebível que nós, na atualidade, vivendo numa sociedade democrática, de liberdade de ideias, tivéssemos os professores sob constante vigilância dos alunos dentro de sala de aula”, enfatizou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat. “Nós temos que combinar pluralismo de ideias e liberdade de cátedra, que vêm na sequência de uma Constituição que procura expurgar de seu texto qualquer resquício de autoritarismo”, reforçou ainda Duprat.

Vários outros representantes de entidades de destaque no campo educacional e dos direitos humanos também se manifestaram preocupadas com o avanço do ESP no país, caso de Fernanda Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) e de Maria Rehder, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Em março, Luís Roberto Barroso, ministro titular do Supremo Tribunal federal (STF), chegou a suspender o programa “Escola Livre”, inspirado no “Escola sem partido” e aprovado em Alagoas, que estabelecia punição para professores que praticassem a suposta “doutrinação ideológica” em sala de aula. Em 2015, a Associação Nacional de História, a ANPUH, publicou uma nota posicionando-se contra os PL do ESP.

Quer saber mais? Discutir o tema com colegas nas escolas? Veja, abaixo, dois vídeos em que o professor Fernando Penna, mestre e doutor em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, (UFF), professor da Escola de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do movimento “Professores contra o Escola sem partido” , fala sobre o ESP:


Como citar essa notícia

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de; TAVARES, Ana Paula. Vereador que é autor de projeto de lei em prol do “Escola sem partido” envolve-se em polêmica com professores. (Notícia). In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/escola-sem-partido-parana/. Publicado em: 15 nov. 2017. Acesso: [informar data].

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

2 Comments

  1. O vereador em questão foi muito infeliz em seu comentário, obviamente. Agredir àqueles cujo papel é formar cidadãos e orientar jovens e adultos para a vida chega a ser um crime imperdoável. No entanto – e serei muito criticada pelo o que vou afirmar -, não entendo a celeuma em torno do “Escola Sem Partido”. O próprio nome e o projeto – para quem leu e interpretou – visa proibir a discussão partidária dentro de sala de aula, mas não impede de discutir política. O problema de hoje em nossas escolas e universidades é que tudo é polarizado, ou para a direita, ou, principalmente, para a esquerda, centralizando pensamentos específicos de determinado lado político ao invés de priorizar o conhecimento sobre o qual, de fato, a escola deve se preocupar.

    Passei por poucas e boas nas mãos da “esquerda doutrinária”, como chamam, e pude avaliar a grande lacuna que ficou quanto à orientação para o estudo de determinadas disciplinas na universidade, algo que tive de recuperar – e o fiz muito bem – mais tarde e sem a presença de professores. Cheguei ao ponto de passar pelas situações constrangedoras de ser proibida de fazer perguntas sobre o que quer que fosse referente às disciplinas em sala de aula, tendo de recolher as minhas dúvidas quando eu tinha o direito de expressá-las. Professores davam notas mínimas ou baixas a mim somente porque eu não concordava com o ponto de vista deles, e olha que eu nunca fui combativa, havendo colegas em sala que faziam isso muito mais abertamente que eu. Observação: esses professores eram de esquerda, falavam somente de partidos ao qual se vinculavam e ofendiam militares, monarquistas, direitistas, centristas, entre outros que discordavam deles. Eu não sou de esquerda e não gosto de me rotular como sendo de qualquer polo que seja. Se todos esses exemplos que eu dei não são doutrinação ideológica pura dentro de sala de aula, prejudicando o saber e o incentivo à pesquisa, eu não sei o que chamar.

    Preocupa-me esses mesmos exemplos ocorrendo em salas de aula de escolas por todo o Brasil somente porque o aluno pensa diferente. O “Escola Sem Partido” pode até ser inconstitucional, mas mais inconstitucional ainda é cercear o direito do aluno, principal sujeito da educação – como aprendemos nos cursos de licenciatura -, de se expressar sem ofender ou machucar ninguém só porque ele pensa diferente do professor que o orienta. Isso, infelizmente, não está sendo levado em conta nas críticas e somente quem passou por esse tipo de constrangimento sabe bem o que quero afirmar. Sou professora da rede estadual de ensino e adoro quando meus alunos vão de encontro ao que penso, me contestam saudavelmente, tiram suas dúvidas e criticam quem eles acham que devem criticar. Qual o problema nisso? Só assim, através de divergências saudáveis, podemos construir conhecimento e não através de manipulação, porque é isso o que, infelizmente, fazem e não querem admitir.

  2. O pensamento hegemônico de esquerda na universidade pública federal(meu cenário)e seus filhos diletos–o assembleismo agressivo,as greves, o sindicalismo e a política partidária exacerbados–são fatos irrefutáveis .O pensamento liberal é desprezado e rechaçado .Violação do direito da liberdade de expressão na sala de aula ? De quem ?

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