“Ennio – O Maestro” – uma homenagem ao mestre

Documentário italiano “Ennio, o Maestro” percorre quase 3 horas de duração para homenagear um dos mestres das trilhas sonoras de filmes que aprendemos a admirar.
31 de maio de 2022
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“Ennio – O Maestro” – uma homenagem ao mestre 1
Ennio Morricone: figura icônica no mundo do cinema. Foto: reprodução.

“Quando comecei a fazer musica para filmes nos anos 60 eu disse para minha esposa que pararia em 1970. Nos anos 70 disse que pararia em 1980. Nos anos 80 falei que pararia em 1990. Nos anos 90 disse que pararia nos anos 2000. Depois não disse mais nada”.

Essa declaração do maestro Ennio Morricone, para mim, sintetiza o seu espirito inquieto, apaixonado, inovador e incansável. Não fosse pela sua morte ele, certamente, continuaria trabalhando, compondo e nos encantando. Foram mais de 500 trilhas originais para filmes. O Maestro Ennio nos apresentou qualidade e quantidade em sua obra, uma rara mistura em um artista único.

Para quem, assim como eu, admira a vida e o trabalho de Morricone, o documentário italiano “Ennio, o Maestro” (Ennio, Il Maestro, 2021), não vai decepcionar. O filme tem direção e roteiro de Giuseppe Tornatore.

Ennio é uma linda homenagem de quase três horas de duração, mas que nos prende e envolve em todos os momentos. A edição, primorosa, acentua a perfeita simbiose entre os filmes e as trilhas que o artista compôs, seus processos criativos, um pouco de sua vida privada. Que maravilha vê-lo falando de sua trajetoria em uma extensa entrevista que se fragmenta entre imagens e sons. É o tipo de documentário que encanta até mesmo quem acha nunca ter escutado o nome Morricone. É impossível não reconhecer alguma de suas partituras. Ennio chegou ao apogeu ao habitar nosso inconsciente coletivo mesmo que muitas vezes seu reconhecimento não viesse na forma de estatuetas douradas.

Para os fãs mais hiperbólicos, como Quentin Tarantino, o mestre Morricone atingiu o status de Bach ou Beethoven. A isso o tímido e extremamente critico compositor respondeu: “Eu somente aceitarei essa comparação se minha música sobreviver pelo menos aos próximos 200 anos”. Maestro Ennio, eu não tenho a menor dúvida disso.

Um pouco mais sobre o personagem

Ennio nasceu em 10 de novembro de 1928 em Roma, filho de um trompetista, e, como não poderia deixar de ser, logo foi estimulado pelo pai a estudar o instrumento. Sem muita empolgação, mas atendendo a vontade do rigoroso pai, o jovem Ennio recebeu em 1946 o diploma de trompetista e em 1954 concluiu seus estudos em composição sob orientação de Goffredo Petrassi, um compositor não menos erudito e exigente que seu pai. Ennio chegou a tocar seu trompete para alimentar a numerosa família, e sua versatilidade proveu as ferramentas necessárias para atuar tanto no campo da musica clássica como popular. Ele acumulou em sua extensa carreira inúmeras funções – de maestro e dirigente de orquestra a compositor para teatro, radio e cinema. Muitos de seus contemporâneos torciam o nariz para isso. Ennio não se importava.

Começou sua carreira musical comercial profissional no canal italiano RAI e na gravadora RCA. Fez arranjos musicais para muitos hits italianos como Sapore di Sale de 1963.

A maior parceria de sua vida seria consolidada, ironicamente, com um camarada de colégio – o diretor Sergio Leone. Leone, famoso pelos seus Westerns ítalo-americanos da década de 60 chamou o colega para fazer história junto com ele em filmes como A Fistful of Dollars (1964), For a Few Dollars More (1965), The Good, The Bad and The Ugly (1966), Once Upon a Time in The West (1968) e A Fistful of Dynamite (1971).

Impossível separar os filmes da música, como o som da harmônica que substitui a maioria dos diálogos de Charles Bronson ou que traduz quase plasticamente o clímax em cenas de Clint Eastwood.

Essa modelagem musical feita sob medida é obra de Ennio, assim como as melodias que não saem mais de nossas cabeças. Um trabalho minucioso, detalhado e de tamanha riqueza que ouvidos destreinados nem sabem apreciar. Nós, leigos, apenas sentimos. Sergio criou a trilha sonora como conhecemos hoje; um subtexto ao texto, uma interpretação do personagem que nos dá de antemão a sorte de sua natureza. A influência do mestre é imensa e perceptível em quase todos compositores que seguiram no ramo. Ennio fez escola, criou estilos e deixou sua marca. Nos basta algumas notas para percebemos que se trata de mais uma obra sua. Dotado de incrível versatilidade ele tirava de letra o spacatto entre Pier Paolo Pasolini e Bernardo Bertolucci ou Brian de Palma.

E para reverenciar uma figura tão significativa quanto lendária da história do cinema e que, infelizmente, abandonou esse plano em 2020, o diretor italiano Giuseppe Tornatore, para quem Ennio compôs magnificas trilhas como a de Cinema Paradiso (1989) e a de The Legend Of 1900 (1998), montou esse bem feito documentário. Tornatore não mediu esforços para reverenciar o mestre, colheu depoimentos de colegas e personalidades do cinema e da música como Clint Eastwood, Dario Argento, Bernardo Bertolucci, Quincy Jones, Bruce Springsteen, Laura Pausini, Oliver Stone, Quentin Tarantino e até Joan Baez. Além de várias outras parcerias e admiradores que o compositor conheceu em sua carreira direcionada à música clássica.

E esse texto só estaria completo se acompanhado de uma playlist:

1.     Sapore Di Sale (Gino Paoli)

2.     Uno Che Grida Amore (Metti, Una Sera A Cena)

3.     The Good, The Bad And The Ugly (Main Title)

4.     The Ecstasy Of Gold

5.     A Fistful Of Dollars (Main Title)

6.     For A Few Dollars More (Main Theme)

7.     Once Upon A Time In The West (Main Title)

8.     The Grand Massacre

9.     Man With A Harmonica

10.  Ny Name Is Nobody (Main Title)

11.  Here’s To You (feat. Joan Baez)

12.  Nuovo Cinema Paradiso

13.  Love Theme (Cinema Paradiso)

14.  The Mission (Main Title)

15.  Once Upon A Time In America (Deborah’s Theme)

16.  The Strength Of The Righteous (The Untouchables)

17.  Malena

18.  1900’s Theme (The Legend Of 1900)

19.  The Braying Mule (Django Unchained)

20.  L’Ultima Diligenza Di Red Rock (The Hateful 8)

Tais Zago

Tem 46 anos. É gaúcha que morou quase a metade da vida na Alemanha mas retornou a Porto Alegre. Se formou em Design e fez metade do curso de Artes Plásticas na UFRGS, trabalha com TI mas é apaixonada por cinema.

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