Desempenho de alunos em História tem queda sensível nos Estados Unidos, revela avaliação

Apenas 13% dos estudantes atingiram o nível proficiente na disciplina. Crise na área, porém, pode ser muito maior do que mostram os dados da nova edição da Avaliação Nacional do Progresso Educacional.
6 de maio de 2023
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Dados revelados na última quarta-feira nos Estados Unidos ligam sinal de alerta na área de História. Foto: Nicola Tolin / Unplash.

Alunos do 8º ano nos Estados Unidos não vão bem em História. É o que revela a mais recente edição da Avaliação Nacional do Progresso Educacional, que teve os resultados revelados na última quarta-feira. O exame foi realizado com uma amostragem de 8.000 alunos do 8º ano, que fizeram testes em várias disciplinas. O desempenho em História teve queda acentuada em 2022, atingindo o menor patamar desde 2010, e igualando-se aos índices de 1994, ano de estreia desse tipo de exame.

Cerca de 40% dos alunos do 8º ano do país pontuaram “abaixo do básico” na história dos EUA no ano passado, em comparação com 34% em 2018, último ano em que o teste havia sido realizado no país, e 29% em 2014. Apenas 13% dos estudantes alcançaram o nível proficiente adequado. Queda semelhante também foi observada em outra disciplina das ciências humanas por lá: civismo.

A avaliação

A Avaliação Nacional do Progresso Educacional (em inglês, The National Assessment of Educational Progress – NAEP) fornece informações importantes sobre o desempenho do aluno e as experiências de aprendizagem em várias disciplinas. Ele é aplicado a cada quatro anos. Na área de história, a avaliação do NAEP buscar medir o conhecimento e a compreensão dos alunos sobre a história dos EUA em toda a sua complexidade – seus principais temas, períodos, eventos, pessoas, ideias e pontos decisivos. A avaliação examina ainda a compreensão dos alunos sobre a cronologia histórica, diferentes perspectivas ao longo do tempo e sua compreensão dos fatos e contextos históricos.

De 2018 a 2022, as pontuações diminuíram em todos os quatro temas da história dos EUA avaliados pelo NAEP. Esses temas são: mudança e continuidade na democracia americana (Democracia, um declínio de 5 pontos); reunião e interação de pessoas, culturas e ideias (Cultura, uma queda de 5 pontos); mudanças econômicas e tecnológicas (Tecnologia, uma queda de 5 pontos); e a mudança do papel da América no mundo (papel mundial, uma queda de 3 pontos).

Repercussão

A queda do rendimento em História foi pauta de reportagem do The New York Times. Segundo o jornal, “as perguntas variavam do simples – saber que as condições da fábrica no século XIX eram perigosas, com jornadas longas e salários baixos – ao complexo. Por exemplo, apenas 6% dos alunos conseguiram explicar com suas próprias palavras como duas ideias da Constituição foram refletidas no discurso ‘Eu tenho um sonho’ do reverendo Dr. Martin Luther King Jr.”

Ainda é cedo para explicar os resultados, mas é possível inferir que a pandemia teve um impacto negativo na aprendizagem dos alunos, assim como os recorrentes constrangimentos e censuras que o campo do ensino de história vem sofrendo no país, particularmente em estados controlados por governos republicanos. Em janeiro de 2022, por exemplo, escolas de condado nos EUA proibiram a premiada revista em quadrinho “Maus”, sobre o Holocausto, porque a narrativa teria palavrões e ilustrações de nudez – o livro do artista Art Spiegelman, cujos pais poloneses sobreviveram ao Holocausto, só tem personagens animais.

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No gráfico acima, é possível ver que os resultados de 2022 são praticamente iguais aos de 1994, depois de um período de alta nos desempenhos em História. Fonte: NAEP.

Ao The New York Times, a historiadora Kristin Dutcher Mann, professora de História da Universidade de Arkansas, em Little Rock, destacou a importância de se fazer testes avaliativos frequentes não só para as disciplinas de leitura e matemática, mas também para estudos sociais:

“Não é um bom presságio para o futuro deste país e para o futuro da democracia se não começarmos a dar mais instrução em estudos sociais. Antes, os alunos mais velhos do ensino fundamental em sua comunidade recebiam uma hora de estudos sociais por dia. Agora, porém, eles terão sorte se conseguirem 30 minutos para estudos sociais duas vezes por semana”.

O resultado também foi comentado por Peggy G. Carr, do Centro Nacional para Estatísticas da Educação:

“Uma educação completa inclui uma base completa em princípios democráticos, e essas avaliações desafiam os alunos a mostrar seus conhecimentos e habilidades enquanto se preparam para se tornarem participantes plenos da democracia americana. (…) Mas muitos de nossos alunos estão lutando para entender e explicar a importância da participação cívica, como funciona o governo americano e o significado histórico dos eventos. Esses resultados são uma preocupação nacional”.

Crise generalizada da História nos EUA?

O desemprenho dos alunos em História pode ser apenas uma das facetas de uma crise que o campo da História parece enfrentar, nos últimos anos, nos Estados Unidos. Desde 2014, o número de estudantes de história no ensino superior do país vem caindo ano após anos em várias universidades. Em 2016, a American Historical Association (AHA) conversou com diversos coordenadores de pós-graduações em história e chefes de departamentos de história do país, a fim de entender o fenômeno.

“Com frequência, os entrevistados invocaram a recessão econômica iniciada em 2008, que reforçou uma maior ênfase cultural nas despesas com educação pós-secundária e sua importância relativa para a segurança econômica futura. Alunos e pais geralmente tomam decisões sobre programas de graduação com base em como eles percebem a relevância de sua carreira. A intensa ênfase popular e curricular na educação e carreiras relacionadas a STEM também influencia as expectativas de muitas pessoas sobre prováveis ​​campos de estudo e emprego. Os departamentos de história, em sua maioria, ainda estão no mesmo patamar de outras unidades acadêmicas no que se refere à coleta e apresentação de informações sobre a variedade de carreiras que seus graduados seguem e como suas carreiras se comparam às dos graduados de outros programas, em termos econômicos e não econômicos”.

Em janeiro deste ano, o historiador Daniel Bressner, professor associado de estudos internacionais na Escola de Estudos Internacionais Henry M. Jackson da Universidade de Washington, voltou ao tema em artigo de opinião publicado no The New York Times. Neste artigo, Bressner comenta um relatório publicado em 2022 pela AHA que revelou que entre 2020 e 2022, o número médio de novos empregos universitários, com salários dignos, benefícios e estabilidade, foi 16% menor do que nos quatro anos anteriores à pandemia.

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Apenas 6% dos alunos conseguiram explicar com suas próprias palavras como duas ideias da Constituição foram refletidas no discurso ‘Eu tenho um sonho’ de Martin Luther King Jr.”

Para Bressner, a diminuição na busca pela formação em História e do número de empregos na área tem a ver com os cortes de pessoal no ensino superior, a diminuição de investimento em humanas por parte de grupos privados e a valorização das ciências exatas em detrimento das humanas. Ele também destacou as desqualificações e ataques sofridos por áreas humanas. Esses ataques vêm principalmente do campo da direita, mas também dos setores mais progressistas da política:

“Em 2014, o presidente Barack Obama observou que as pessoas poderiam ganhar muito mais, potencialmente, com manufatura qualificada ou com os ofícios do que com um diploma de história da arte”, sugerindo que se um diploma não rendesse dinheiro, não valeria a pena. (Mais tarde, Obama se desculpou com um historiador de arte da Universidade do Texas por seus comentários, esclarecendo que acreditava que a história da arte era um assunto valioso.)”

Para Bressner, o problema precisa ser enfrentado pela sociedade de uma forma geral, e não dar a justa atenção ao problema pode facilitar o avanço de fake news e outras mentiras e fraudes que circulam com vigor nos Estados Unidos. “Os americanos devem fazer tudo ao seu alcance para evitar o fim da história. Se não o fizermos, exageros, meias-verdades e mentiras absolutas dominarão nossa imaginação histórica e impossibilitarão entender e aprender com o passado.”

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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