Pesquisa mostra como parte das realizações científicas da União Soviética veio das prisões

9 de maio de 2017
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Livro de pesquisador britânico examina a ciência durante o regime de Stalin. Período registrou verdadeiros marcos no avanço científico. Muitos desses avanços, contudo, foram frutos do trabalho de cientistas aprisionados.

Bruno Leal | Agência Café História

De acordo com o pesquisador britânico Simon Ings, os cientistas e engenheiros que trabalharam de dentro de prisões para o regime soviético fizeram parte de um sistema conhecido como sharashka (ou sharashki, no plural). Esses profissionais, muitos dos quais opositores ao regime comunista de uma forma geral, trabalhavam para Stalin a fim de escapar de penas e lugares mais duros. Em entrevista recente para a revista The Atlantic, Ings sublinha que a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial e o êxito do programa espacial do regime não seriam possíveis sem esse trabalho científico dos prisioneiros.

Na conversa com a revista norte-americana, Ings explicou ainda que a origem do sistema sharashka partiu dos próprios pesquisadores acossados pelo regime:

– A ideia veio realmente dos próprios acadêmicos. Um grupo de engenheiros não queria ser enviado para a Sibéria e tinha escrito para Lavrentiy Beria, um alto funcionário da polícia secreta soviética, dizendo: “Olha, se você não nos enviar para a Sibéria, nos dê um problema e nós vamos resolvê-lo para você. Apenas deixe-nos ficar no calor e nos dê alguns lápis e vamos trabalhar para você. Beria levou o que disseram em consideração”.

Ciência a serviço do Estado

Essa e muitas outras histórias estão no livro Stalin and the Scientists: A History of Triumph and Tragedy, 1905-1953, lançado em fevereiro em inglês e ainda sem tradução para o português. Na obra, o autor examina o lugar da ciência e dos cientistas na União Soviética de Stalin, destacando como vários marcos científicos alcançados pelo regime estiveram relacionados a relações abusivas. Além disso, o autor mostra como a União Soviética submeteu a ciência a uma agenda muito mais política do que científica.

A União Soviética investiu pesadamente em desenvolvimento tecnológica e científico. Os cientistas foram elevados ao status de heróis populares e esbanjaram prêmios e privilégios, algo que não contavam no período do Czar. Mas se suas ideias ou seu campo de estudo perdessem o apoio das elites, eles poderiam ser exilados, presos ou assassinados. Para Ings, Stalin tinha o projeto de “colocar a ciência a serviço do Estado”.

– Na década de 1920, Joseph Stalin tentou transformar a ciência em um braço do Estado russo, colocando os pesquisadores sob rígido controle político para garantir sua obediência. Procurou o tipo de pesquisa que validava a doutrina política, e não o tipo que se baseava no método científico. Stalin apoiou um cientista que negou a existência dos genes, mas que lhe prometera que sua teoria da germinação renderia muitas colheitas e acabaria com a fome da população russa – disse Ings a The Atlantic.

O autor se refere, por exemplo, ao biólogo e agrônomo Trofim Lysenko, que negava a genética mendeliana, mas que ganhou o apreço de Stalin por prometer uma teoria da germinação que seria capaz de acabar de uma vez por todas com a fome do povo russo – teoria esta que somente foi desacreditada após a morte de Stalin. Ao decidir confiar em charlatões como Lysenko e em antiquadas ideias de biologia, Stalin não só destruiu a vida de centenas de cientistas brilhantes, como atrasou em décadas a ciência na URSS.

Fala de cientista na URSS em 20135
Trofim Lysenko falando no Kremelin em 29 de dezembro de 1935. No fundo, da esquerda para a direita, estão: Stanislav Kosior, Anastas Mikoyan, Andrei Andreev Joseph Stalin. Fonte: Wikipedia.

Para ler a entrevista de Simon Ings na íntegra na The Atlantic, clique aqui. Quanto ao livro, embora Stalin and the Scientists: A History of Triumph and Tragedy, 1905-1953 não tenha sido ainda traduzido para o português, não é difícil adquirir a obra estando no Brasil. A Amazon tem edições impressas do livro a partir de 12 dólares. E a livraria brasileira Saraiva vende o e-book, via internet, por R$ 26,55.

Com informações da The Atlantic.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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