31 de março ou 1º de abril? Existe uma data correta do golpe de 1964?

Para historiador, do ponto de vista historiográfico, a polêmica é um pouco vazia e superficial. "Mais importante do que pensar em uma data fixa para se falar do golpe é pensar no processo histórico que dura alguns dias e que depois acaba desembocando na ditadura".
1 de abril de 2023
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Manifestação contra a ditadura na UnB, no aniversário de 59 anos do golpe. Foto: Nathanael Martins Pereira.

Nos últimos anos, os aniversários do golpe civil-militar de 1964 têm sido matizados por uma polêmica: qual a data correta do golpe de Estado, 31 de março ou primeiro de abril? Em geral, os militares (e setores conservadores de direita) celebram o dia 31 de março como o dia da “revolução”. Já a esquerda (e boa parte da historiografia) marcam o primeiro de abril como data de lembrança e repúdio ao golpe. Mas por que duas datas? Quais os seus significados? Existiria uma data correta para lembrar do golpe?

Segundo o historiador Paulo César Gomes, editor-chefe do site História da Ditadura e pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos Contemporâneos, da Universidade Federal Fluminense, é muito comum a escolha de datas fixas para que as pessoas lembrem de eventos históricos, inclusive os traumáticos.

“No caso de 1964, porém, existe uma polêmica. Em geral, os militares defendem que a “revolução” aconteceu no dia 31 de março. Inclusive, os lugares de memória que eles fizeram em homenagem à chamada “revolução de 64” fazem referência ao 31 de março. É o caso, por exemplo, da Avenida 31 de Março, que fica ao lado do Sambódromo, no Rio de Janeiro. Já o primeiro de abril, como coincide dia da mentira, é muito usado pelas esquerdas para tratar de forma jocosa isso que os militares chamam de “revolução de 1964”, explica Gomes.

No entanto, o historiador minimiza a polêmica em torno das duas datas, pois o golpe de 1964, segundo sublinha, não ocorreu em um único dia, e sim ao longo de vários dias.

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Paulo César Gomes é autor de “Liberdade Vigiada e “Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira”. Foto: reprodução.

“Eu acho que esta polêmica é um pouco vazia e superficial. Se fizermos uma reflexão histórica mais apurada, vamos ver que a definição de uma data específica para o golpe é desnecessária. O golpe não aconteceu em um único dia. Ele foi um processo. A face militar do golpe, representada pela chegada das tropas do General Olímpio Mourão Filho, vindo de Juiz de Fora e chegando no Rio de Janeiro, aconteceu no 31 de março. Mas a deposição efetiva do presidente constitucional João Goulart acontece na virada do dia primeiro para o dia dois de abril. Esta é a face civil do golpe. É quando o presidente do Congresso Nacional, o Deputado Federal Ranieri Mazzilli, decreta a vacância da presidência da República. Então, se a gente pensa o golpe de 1964, inclusive de acordo com interpretações mais atuais, como um golpe civil e militar, como, de fato, ele foi, não existe uma data fixa, porque o golpe começa no dia 31 e a deposição efetiva de Goulart ocorre entre primeiro e dois de abril. Então, é uma polêmica um pouco vazia.

Para Paulo César Gomes, o mais importante é pensar no processo histórico:

“Eu acho que mais importante do que pensar em uma data fixa é pensar nesse golpe como processo. Ele levou a instalação de uma ditadura que durou 21 anos, segundo a cronologia mais aceita. Então, a meu ver, mais importante do que pensar em uma data fixa para se falar do golpe é pensar no processo histórico que dura alguns dias e que depois acaba desembocando na ditadura”.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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