Em novo livro gratuito, estudos revelam as diferentes posturas da imprensa frente à ditadura

"O Rio de Janeiro nos Jornais (1964–1985)" é o quarto volume da coleção organizada pelos historiadores Jorge Ferreira e Renato Coutinho, da Universidade Federal Fluminense.
2 de maio de 2025
Capa do livro "O Rio de Janeiro nos jornais".
Livro pode ser baixado gratuitamente. Link na notícia. Foto: Canva.

O livro ‘O Rio de Janeiro nos Jornais: ideologias, culturas políticas e conflitos sociais (1964–1985)’ acaba de ser lançado na plataforma digital da Editora Igualdade e está disponível para download sem custo – clique aqui para baixar. A publicação, organizada pelos professores Jorge Ferreira e Renato Coutinho, do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), integra a série que analisa fontes jornalísticas para reconstruir a história social da cidade.

O Rio de Janeiro nos Jornais’ ‘o quarto volume da coleção, cobrindo o período da ditadura (1964-1985). Os três volumes anteriores foram dedicados à Primeira República (1889–1930), aos governos Vargas (1930–1945) e à experiência liberal-democrática (1946–1964) — todos previamente coordenados por Jorge Ferreira. O novo volume, agora em parceria com Renato Coutinho, dá continuidade à proposta de valorizar a imprensa como fonte documental privilegiada para estudos inéditos.

Mais que censura

O livro tem 11 capítulos, escritos por diversos historiadores e historiadoras. Na apresentação do material, os organizadores enfatizam que estudar imprensa e ditadura não se resume a embates entre censores e jornalistas criativos nem a binômios simplistas de vítima versus Estado. E nem que houve apenas colaboração ou apenas resistência. Às vezes, numa mesma edição, de um mesmo jornal, podia haver duas visões completamente diferentes sobre o regime autoritário. Embora a Lei de Imprensa de 1967 tenha imposto controle editorial, a análise proposta descortina um espaço de ambivalência cotidiana, em que redações combinavam adesão, crítica e indiferença sem se prender a posturas lineares.

Influenciados por estudos de memória e historiografia francesa desde os anos 1990, Ferreira e Coutinho recorrem às reflexões de Pierre Labourie sobre “o enorme espaço entre os dois polos resistência e colaboração/apoio, no qual os dois extremos se diluem na possibilidade de ser um e outro ao mesmo tempo”. Essa abordagem amplia o olhar além da censura, considerando gestos diários como ler ou calar, fumar ou lutar, sonhar ou falar, cantar ou gritar, em um cotidiano marcado por incertezas.

Para ilustrar a variedade de vozes, o livro analisa publicações de diferentes tiragens e linhas políticas, incluindo Jornal do Brasil, O Dia, O Globo, O Fluminense, Jornal dos Sports, Tribuna da Imprensa, Revista Manchete e Correio da Manhã. As bancas cariocas, como observam os autores, deixaram de ser apenas pontos de venda de jornais para se tornarem espaços de sociabilidade urbana, sobrevivendo aos desafios da crise do impresso.

Eixos temáticos

Organizados em capítulos temáticos, os textos inéditos investigam desde a cobertura do golpe civil-militar de 1964 até a trajetória de Chagas Freitas no jornalismo político e a derrota de Miro Teixeira em 1982. Outros ensaios abordam a eleição de Mario Juruna, a Operação Piloto do Projeto Rondon e a atuação dos jornais na construção do mito do Comando Vermelho. Renato Coutinho interpreta os usos do vocabulário político brasileiro em dois momentos-chave da história através das coberturas dos Fla x Flus: o golpe civil-militar de 1964 e a redemocratização em 1984.

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O historiador Bruno Leal (UnB) entrega algo inovador: um livro que é, ao mesmo tempo, um guia para a seleção do mestrado em História e uma introdução ao universo do mestrando e da mestranda. Com linguagem simples, Leal explica tudo o que você sempre quis saber sobre o mestrado em História, mas teve medo de perguntar. Leia no computador, no tablet, no Kindle ou celular. Confira aqui.

‘O Rio de Janeiro nos Jornais (1964–1985)’ não busca apenas mapear confrontos entre imprensa e Estado autoritário, mas interpretar a imprensa como arena de disputa de projetos políticos coletivos. “Desejamos que o leitor possa desfrutar do livro como se estivesse no sofá de sua casa ou em uma cadeira de praia lendo o jornal de domingo”, dizem os organizadores.

Ping-Pong com Jorge Ferreira

O Café História conversou rapidamente com o historiador Jorge Ferreira, um dos organizadores da obra e da coleção. O assunto foi a imprensa como fonte de pesquisa para historiadores. Os jornais e revistas são cada vez mais utilizados como documento para a compreensão da história republicana brasileira. Mas que cuidados o pesquisador em história deve tomar com esse tipo de fonte? Confira como foi essa conversa ping-poing:

Qual a importância da imprensa como fonte para o historiador?

A interpretação de que a imprensa seria mera expressão das classes dominantes – e por isso posta sob suspeição para historiador – foi superada desde os anos 1970/80. A imprensa é atualmente considerada fonte documental importante para a construção do conhecimento histórico. Desde muito tempo, historiadores têm se dedicado a trabalhar com a história utilizando um único veículo de comunicação ou como um jornal ou revista noticiou determinado evento. Também recorremos à imprensa como fonte documental para o estudo de diversos temas. O jornal pode ser utilizado como objeto ou fonte de pesquisa. Ou ambos ao mesmo tempo.

Qual o principal cuidado que o historiador deve tomar diante desse tipo de fonte?

Diversos são os cuidados, como ter clareza da linha política do jornal. Há de saber, também, qual o público o jornal quer atingir. Um jornal da grande imprensa visa um público amplo, mas de determinada coloração política. O público de Última Hora era trabalhista, enquanto o de O Estado de S. Paulo era conservador, com afinidades lacerdistas. Mas temos jornais voltados para públicos mais exclusivos, como o de militantes de partidos revolucionários. Das páginas de jornais e revistas podemos tirar informações para nossos temas, mas tomando os cuidados próprios do historiador, sobretudo com a crítica da própria fonte e, quando necessário, o cotejamento com outras fontes documentais.

No meu capítulo no livro O Rio de Janeiro nos Jornais, por exemplo, eu utilizei exclusivamente o jornal O Globo. O leitor perceberá quanto o jornal foi tendencioso com o governo de Leonel Brizola, como negligenciou a importância da construção do Sambódromo para a cidade e que, inclusive, fez campanha contra o desfile das escolas de samba em dois dias. Contudo, eu obtive informações em suas páginas, como, por exemplo, quem esteve envolvido na obra, a paulatina construção do Sambódromo, a opinião dos sambistas e carnavalescos, os preços dos ingressos, como a Estação Primeira de Mangueira soube aproveitar a Praça da Apoteose no primeiro desfile, entre muitas outras referências.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas, justiça no pós-guerra e as duas guerras mundiais. Autor de "Quero fazer mestrado em história" (2022) e "O homem dos pedalinhos"(2021).

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