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Educação especial é fundamental na democratização do ensino. Foto: Unplash / Bermix Studio

Professor de história desenvolve material didático para estudantes surdos

Material elaborado por Paulo Roberto da Silva pode ser adaptado às diferentes realidades da educação básica no Brasil.
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Você já imaginou uma aula de história sem som? Essa pergunta pode parecer estranha, mas esta é a realidade de muitos estudantes surdos que necessitam de metodologias diferenciadas para desenvolverem o seu processo de aprendizagem.

A utilização de imagens e tradução simultânea das aulas para LIBRAS são fundamentais. Mas isso não é o suficiente. Ou não deveria. É do que diz o professor de história Paulo Roberto da Silva, em seu trabalho final para o ProfHistória. De acordo com Silva, esses recursos precisam ser acompanhados de outras ferramentas e estratégias para que estudantes surdos participem mais ativamente das aulas de história.

Silva organizou um material didático adaptado para o trabalho com estudantes surdos que tem tudo para se tornar uma referência na Educação Especial. Esse material pode ser adaptado por qualquer professor, inclusive de outras áreas, e tem por base conceitos oriundos da Pedagogia Visual e da semiótica.

O material didático adaptado

O trabalho de Silva no ProfHistória se intitula “Ensinando história para educandos surdos em uma escola inclusiva: um ensino possível” e foi defendido na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2020. Parte do trabalho consiste numa atividade pedagógica desenvolvida para ser aplicada para turmas de 9º ano que tenham alunos surdos. 

Essa atividade consiste no uso de três charges sobre a Primeira República veiculadas em duas revistas de grande circulação da Primeira República: “O Malho” e “Careta”. As temáticas são: Revolta da Vacina, Voto de Cabresto e República das Oligarquias.

A primeira etapa da atividade é a contextualização histórica das imagens: o professor fala sobre os veículos em que elas são publicadas, as ideias que mobilizam e o período em que foram produzidas. Segundo Silva, é muito importante que as imagens sejam apresentadas em grande escala, ampliadas, de preferência com o auxílio de um projetor.

Terminada a primeira etapa, ocorre a interpretação das imagens, que é feita em três fases: apontamento dos ícones, identificação dos índices e identificação dos símbolos.

No apontamento dos ícones, o professor incentiva os estudantes a identificarem as cores que aparecem nas charges, como estão distribuídas, se há predominância de alguma cor e como estão organizadas e distribuídas as linhas. O autor destaca que é interessante questionar a turma, surdos e ouvintes, sobre as sensações produzidas pelas cores da imagem. Em geral, as mesmas cores podem gerar impactos distintos em cada leitor.

Na identificação dos índices os estudantes são instigados a identificar os objetos, pessoas e as ações representadas na imagem. O objetivo é estabelecer relações de sentido entre os personagens representados e seu mundo vivido. Por exemplo: se estão representadas armas e pessoas com expressão de raiva, é possível que este seja um evento histórico relacionado a um conflito.

A identificação dos símbolos, por fim, é dedicada ao trabalho com o conhecimento histórico propriamente dito. Os estudantes respondem a questões como data de publicação da charge, data de produção, autor e tipo de fonte. É também nesse momento que o professor aprofunda os sentidos da produção da imagem em sua época.

Vacina obrigatória

Na charge de Leonidas, de 1904, sobre a vacinação obrigatória, Silva explora a forma como o povo foi representado pelo artista. Duas mulheres negras aparecem à frente dos revoltosos (que portam panelas, jarros e cerrotes) como se estivessem liderando a Revolta. Já Oswaldo Cruz, um dos médicos responsáveis pela política de aplicação obrigatória das vacinas, aparece montado em uma seringa, em analogia a um cavaleiro de guerra.

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Espectaculo para breve nas ruas d’esta cidade: Oswaldo Cruz, o Napoleão da seringa e lanceta, à frente das suas forças obrigatórias, será recebido e manifestado com denodo pela população. O interessante dos combates deixará a perder de vista o das batalhas de flores e o da guerra r usso-japonesa. E veremos n o fim da festa quem será o vaccinador à força!” A charge foi publicada 10 dias antes de ter eclodido os conflitos da Revolta da Vacina. Fonte: O Malho, ano I II, número 1 11, 29 de outubro de 1 904, p. 13.

Ao debater a imagem com os estudantes, Silva explica como distintos grupos sociais podem ter interpretado a imagem na época, e ressalta que esse antigo conflito ocorreu, dentre outros motivos, por falta de diálogo entre as autoridades e a população sobre a relevância das vacinas para a saúde pública. A obrigatoriedade da vacinação, no contexto da Primeira República, teria sido mais um ato arbitrário, de cima para baixo, que não envolveu ações educativas e dialógicas junto à população.

Finalmente, o professor propõe uma comparação entre a obrigatoriedade da vacinação em 1904 e agora, no contexto da pandemia do novo coronavírus. É possível estabelecer semelhanças e diferenças? Como as autoridades se comportaram em 1904 e nos últimos dois anos? Ainda é possível alegar desconhecimento dos benefícios da vacina ou reclamar de sua obrigatoriedade? São algumas perguntas possíveis na atividade.

Necessidade de engajamento

As etapas de análise propostas por Silva precisam ser acompanhadas do encorajamento da participação de todos os estudantes, surdos e ouvintes. De acordo com o professor, uma das formas de se obter esse tipo de engajamento é estabelecendo que os estudantes surdos respondam às atividades primeiro – isso aumentaria não só a sua participação, como também permitiria aos demais estudantes conhecerem percepções que podem ser muito diferentes das suas.  

Thaís Pio Marques

Faz parte da equipe do Café História, onde realiza estágio voluntário. Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Durante a graduação fez parte do Grupo PET Conexões de Saberes – Licenciaturas, voltado para a elaboração e desenvolvimento de Projetos pedagógicos interdisciplinares. Atualmente, organiza o perfil de Instagram “Poesia e oralidade”, onde compartilha textos breves sobre competições de poesia (slams) e seus participantes. O trabalho na rede social é
articulado aos estudos sobre História Oral e História Pública.

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