Documentário examina a demolição do Palácio Monroe

3 de maio de 2017
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Edifício de arquitetura eclética, antiga sede do Senado Federal, o Monroe foi demolido entre 1975 e 1976. Hoje, uma praça vazia com um chafariz seco e um estacionamento subterrâneo ocupam o seu lugar, no centro do Rio de Janeiro.

Bruno Leal | Agência Café História

No dia 11 de maio de 2017, estreia nos cinemas brasileiros “Crônica da Demolição”, de Eduardo Ades. O documentário, produzido pela Imagem-Tempo e Tela Brasilis, com coprodução do Canal Brasil, conta a história de um dos episódios mais controversos da História da arquitetura brasileira: a demolição do Palácio Monroe, antiga sede do Senado Federal. Edifício de enorme valor histórico e arquitetônico do centro do Rio de Janeiro, o Palácio Monroe foi demolido em meados dos anos 1970. Muitos, na época, usaram a justificativa de que ele atrapalharia ou mesmo inviabilizaria as obras da estação Cinelândia do metrô.

Vista do Palácio Monroe.
Palácio Monroe nos seus tempos áureos. Foto: Arquivo do Senado.

A equipe do Café História viu com exclusividade o documentário e a avaliação é muito boa. O filme propõe uma discussão consistente sobre os embates entre tradição e modernidade no Brasil, além de explorar a relação do regime militar com a especulação imobiliária que já domina o Rio de Janeiro. Mais do que expor fatos, falas de especialistas e imagens de arquivos, “Crônica da Demolição” é um documentário que tem posições e hipóteses. O diretor Eduardo Ades problematiza, por exemplo, a campanha de parte da imprensa, sobretudo do jornal O Globo, em prol da demolição, assim como faz uma dura crítica aos arquitetos brasileiros de matriz modernista, caso de Lúcio Costa, um dos principais nomes da construção de Brasília e defensor ardoroso da demolição do Monroe. Sente-se falta de historiadores no documentário, mas isso não afeta de forma alguma a força do filme, imperdível para todos aqueles que se interessam por História.

A História do Palácio

A História do Palácio Monroe começa na Exposição Universal de Saint Louis, em Missouri, nos Estados Unidos, em 1904, uma espécie de feira mundial que tinha o objetivo de promover o que havia de mais moderno nas nações ocidentais em termos de arquitetura, invenções e até comidas. Foi lá, por exemplo, que foram criados o hot-dog e o refrigerante Dr. Pepper. O Brasil tinha o seu espaço no evento, e nele o Coronel Francisco Marcelino de Sousa Aguiar, arquiteto e engenheiro militar, construiu uma estrutura metálica grande e imponente, mas móvel, que se destacava frente às demais que faziam parte da exposição. A obra de Aguiar foi muito elogiada, sobretudo na imprensa americana. No fim, Aguiar foi contemplado com o Grande Prêmio Mundial de Arquitetura.

Uma vez finalizada a exposição, o edifício de Aguiar foi completamente desmontado e trazido para o Brasil, sendo então remontado na novíssima Avenida Central, no Rio de Janeiro. Recebeu o nome Pavilhão de St. Louis. Depois, por sugestão de Joaquim Nabuco, foi rebatizado de Palácio Monroe, em homenagem a James Monroe, presidente dos Estados Unidos (1817 e 1825), criador da chamada “Doutrina Monroe”.

Em pouco tempo, a construção localizada na região da Cinelândia se tornou um dos cartões-postais da cidade e símbolo do ecletismo arquitetônico da então capital federal. O Palácio abrigou diversas instituições, sendo a mais notória o Senado Federal, de 1925 a 1960 – exceto durante o Estado Novo (1937-1945), quando Vargas fechou o Congresso. Foi também sede da Terceira Conferência Pan-Americana, de 1906, no Rio.

A partir dos anos 1950, no âmbito de uma intensa onda de especulação que já começava a mudar profundamente a paisagem urbana do Rio de Janeiro, diversos atores políticos começaram a defender a demolição do Monroe em detrimento da modernização da capital. O debate envolveu os meios de comunicação, arquitetos, autoridades da prefeitura, governo federal, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN) e setores da opinião pública. Com a mudança da capital para Brasília, em meados dos anos 1960, o debate perdeu força. Mas em meados da década de 1970, a proposta de demolição voltou com tudo, especialmente com a construção do metrô. Difundiu-se, na época, que a posição do Monroe inviabilizaria a estação prevista para subir na Cinelândia – que, vale dizer, é contestado pelo documentário de Eduardo Ades. O diretor mostra que as obras do metrô contornavam o palácio.

Apesar do seu valor artístico, político, arquitetônico e sobretudo histórico, a demolição do Monroe foi aprovada. Ela aconteceu entre 1975 e 1976, durante o período militar, por determinação do presidente Ernesto Geisel. Nesse processo, parte de suas peças e materiais foram vendidos. O mobiliário do palácio, por exemplo, está, hoje, no Senado Federal, em Brasília. Suas peças mais famosas são os leões que adornavam as portas: um dos pares está numa fazenda em Uberaba, e outro, no Instituto Brennand, em Pernambuco. Em seu lugar, foram construídos uma praça, um chafariz (hoje, seco) e um estacionamento subterrâneo – só construído, diga-se, mais de 20 anos depois da demolição.

Historiador comenta a demolição

O Café História conversou com o historiador André Luiz Campos sobre a demolição do Monroe. Campos, que é professor de História do Brasil República do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, condena a demolição:

– A destruição do Palácio Monroe foi um crime contra o patrimônio histórico e artístico e contra a memória afetiva dos cariocas. Foi um sinal do desprezo pela democracia tão característica daquela época de arbítrio. Um tempo de ditadura é propício a interesses escusos e mesquinhos: o jornal O Globo encabeçou a campanha pela sua destruição e dizia-se, na época, que o próprio general Geisel, então presidente da República, autorizou a demolição do Palácio, pois tinha uma desavença pessoal com o filho do arquiteto, um colega de farda.

Ainda segundo o professor da UERJ, a demolição do Palácio pode ser compreendida como um “culto ao progresso que despreza a tradição e o patrimônio histórico como valores importantes da formação da identidade, da cultura e cidadania de um povo”, haja vista que o Monroe, além de sede do antigo Senado Federal, foi o Pavilhão do Brasil na Exposição de Saint Luis e sede da Terceira Conferência Pan-Americana.

Campos também destaca o preconceito contra o estilo do Monroe:

– O Monroe era um edifício de estilo eclético que compunha, ao lado do Teatro Municipal, do Palácio Pedro Ernesto, da Biblioteca Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes, o centro monumental do Rio de Janeiro, testemunha do ecletismo arquitetônico da Bela Época da capital da República. Por preconceito contra este estilo, também apoiaram a demolição os arquitetos modernistas sob a liderança de Lúcio Costa, que então eram hegemônicos no IPHAN. Contra a demolição se colocaram o Jornal do Brasil e algumas entidades representativas da cultura que, entretanto, não puderam vencer a ignorância e o arbítrio daqueles tempos.

O Palácio Monroe em documentário

O documentário de Eduardo Ades é um exame minucioso da demolição do Palácio Monroe. Conta com depoimentos de pessoas envolvidas na época como Noel de Almeida (ex-presidente do Metrô), Humberto Barreto (assessor do presidente Geisel), Maria Elisa Carrazzoni (conselheira do SPHAN) e Jonas Sliachticas Filho (restaurador de arte, que participou da demolição), que trazem novas luzes para esclarecer os mistérios que rondam o episódio. Arquitetos como Alex Nicolaeff, Alfredo Britto e Ítalo Campofiorito, assim como o ex-prefeito Cesar Maia, entre outros, também colaboram para a construção dessa trama.

Este é o primeiro longa-metragem do diretor Eduardo Ades, formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e que estreou na direção com o premiado curta “A dama do Estácio”, estrelado por Fernanda Montenegro. Em “Crônica da Demolição”, Ades conta com uma centena de fotos antigas e 26 filmes de arquivo – incluindo um raro registro a cores da demolição do palácio – resultado de um ano de pesquisa em mais de 30 acervos e instituições. Suas filmagens foram realizadas no Rio de Janeiro – lançando um novo olhar sobre o centro da cidade – no Senado Federal, em Brasília, e em Uberaba, na fazenda que hoje abriga um portão e os leões do palácio. Foi preciso um ano de trabalho de montagem para converter 60 horas de material bruto em um filme de 90 minutos.

A estreia mundial de Crônica da Demolição aconteceu no Festival do Rio, na Competição Oficial da Mostra Première Brasil em 2016. O documentário participou ainda da Mostra de São Paulo e festivais de cinema e arquitetura na Turquia e na África do Sul entre outros. No total, foram 15 festivais e 5 prêmios: Melhor Documentário no Brasília Int’l Film Festival, Melhor Direção e Melhor Montagem no CineJardim, e Melhor Pesquisa e Melhor Edição de Imagem/Som no REcine – Festival de Cinema de Arquivo. “Crônica da Demolição” entra em cartaz nas salas brasileiras no dia 11 de maio de 2017.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

11 Comments

  1. Não imaginam o quanto me envergonho de ter tido ancestrais militares, os mesmos responsáveis indiretos pela destruição do patrimônio de minha cidade e de meu país. De todas as sacanagens que nos fizeram alguns, encabeçados por Geisel (que os amigos chamam de jeizél, como em jezebél, a prostituta bíblica) a da destruição do Monroe foram pós-climáticas à destruição das elites políticas, a maior parte de esquerda, até hoje não substituídas no Congresso e na vida política brasileira. Porque essa destruição geral gratuita? A resposta é fácil e hoje se repete em Brasília com a gang que domina o poder federal: para tentar resolver um ou mais problemas que aos poucos se descortinam, no caso, o da construção de uma linha de trens subterrânea, que se demonstra agressiva ao panorama urbano local, haja vista as várias agressões físicas exigidas, como as de por detrás do Theatro Municipal, aonde um prédio desabou matando pessoas. Esses progres de araque, que querem enfiar-nos goela abaixo metros e outros benefícios desnecessários ou mal elaborados (o metro não é o único) não se seguram na apreciação geral da História e das estórias a ela conectas. Espero que o Documentário nos mostre isso claramente e sem vacilos!

    • Não me envergonho dos militares!! Nossos combatentes da FEB, nossos heróis, não fazem parte desse jogo político, e são militares. Essa visão radical sobre os militares partem de esquerdopatas fantasiados de democratas. Penso q a demolição foi um erro lamentável, afronta as nossas lembranças históricas, mas generalizar , faz parte dessa esquerda ridicula

      • Concordo com você quanto a não generalizar os militares, até porque existem e sempre existiram militares esquerdistas, o que acontece é que muitos foram expurgados pelas diversas crises políticas, e agora os de esquerda que lá ainda tem não demonstram a sua ideologia. Mas você erra ao chamar os esquerdistas de esquerdopatas, demonstrando ideologia, extremismo e generalização que você tanto denunciou neles, parece que você vestiu a carapuça, levou para o pessoa por ser filha de militar.

  2. Os arquiteto modernistas foram decisivos para a demolição não somente do Monroe, mas como quase em toda a sua totalidade da Avenida Rio Branco, que era uma ode ao ecletismo. Eu afirmo, vivi naquela época, o IPHAN foi dominado por décadas por Lucio Costa, Niemeyer entre outros, e, esses caras, endossavam tudo que era pedido de demolição, nada tinha valor arquitetônico, em menos de 20 anos, dos anos 30 para os 50, quase todos os edíficios da primeira geração foram embora, o que é uma pena, havia prédios belíssimos como o do Jornal do Comércio e o da Colombo, Costa era o diabo, mesmo aposentado do Iphan, o homem sonhava em demolir o Monroe, que era o bolo da cereja daquilo tudo, então, fizeram o diabo para demoli-lo, não se enganem, os Modernistas, junto com a Globo, foram os grandes responsáveis por esta M… que aconteceu no centro do Rio, que apesar de tudo, insiste em ser lindo, como diria o saudoso maestro Tom!

  3. Boa noite, confrade e confreiras!

    Reservo-me no direito de afirmar que nunca fui simpático à figura do senhor arquiteto Lúcio Costa. Há alguns anos li uma matéria em que dizia que ele teria dito coisas desagradáveis sobre Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”, mas que depois teria voltado atrás.

    Abraços,

    Professor Clarindo
    Instituto Amigos do Patrimônio Cultural – IAPAC
    [email protected]
    (21) 97232-7877 (Oi e WhatsApp)

  4. …A presença do palácio de Monroe nos u.s.a e nos “Estados unidos do brazil” eram ícones “DO DOMINIO BERRANTE DA INGLATERRA (york-maçonaria) SOBRE AS AMERICAS”. A maçônaria fundadora de nossa República e política obviamente segue com seu domínio até hoje (resultado é o país que temos). A demolição do palácio de Monroe foi uma tentativa de amenizar o que está escancarado na cara de todos. É impossível esconder o sol e a lua. Mas as pessoas fingem que não entendem e seguem de bico fechado.

  5. Os modernistas, leia-se, Lucio Costa e Oscar Niemeyer também fizeram grande pressão pela demolição do Palácio, isso foi abordado no documentário ou não ?

  6. Um absurdo mesmo, nada justifica este crime contra o patrimônio cultural da cidade.Proponho iniciarmos uma campanha por aua reconstrução .É possível?

    • Um grande estrago patrimonial mesmo.
      Mas acho que a reconstrução já não é possível.
      No entanto, uma exposição permanente sobre ele seria bem legal!

  7. Acho a sua reconstrução viável sim, pois não usam a praça para nada…Seria um dos mais belos pontos turísticos do Rio…Lembrando que o Monroe era o cartão postal do Rio antes do Cristo…Qualquer coisa vamos a luta. 21 980549196

  8. Acho sim que é obrigação de arquitetos e engenheiros iniciarem uma campanha pela reconstrução do palácio monoe, pois se a burrice partiu deles , deveria partir da mesma classe essa iniciativa, na verdade nem sei por que alguém ainda não levantou essa bandeira.

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