Mourão comemora golpe civil-militar de 1964 no Twitter

31 de março de 2020
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De acordo com o vice-presidente da República, golpe foi dado para “enfrentar a desordem, subversão e corrupção que abalavam as instituições e assustavam a população”.

Bruno Leal | Agência Café História

O vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva do Exército Brasileiro, utilizou a sua conta pessoal no Twitter nesta terça-feira, 31 de março, para enaltecer o golpe militar de 1964, que completa hoje 56 anos. 

“Há 56 anos, as FA intervieram na política nacional para enfrentar a desordem, subversão e corrupção que abalavam as instituições e assustavam a população. Com a eleição do General Castello Branco, iniciaram-se as reformas que desenvolveram o Brasil”, escreveu o vice-presidente, que adicionou ao texto a hashtag “#31deMarçopertenceàHistória”.

A comemoração do golpe civil-militar não é uma novidade no Brasil. O evento começou a ser comemorado pela própria ditadura militar, que usava a data para fazer propaganda política do regime. Com a redemocratização do país, este tipo de celebração se tornou limitada a pequenos círculos militares. No governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), a comemoração se tornou mais frequente, sobretudo no âmbito do Clube Militar, no Rio de Janeiro. No governo Jair Bolsonaro, o golpe tem sido comemorado abertamente por diversos setores do governo, a começar pelos presidente e vice-presidente da República, o que tem provocado inúmeros protestos de pesquisadores, autoridades públicas e entidades como a OAB.

Golpe Civil-Militar de 1964
O vice-presidente General Hamilton Mourão, Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Em 2019, o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE) coordenou os debates em torno do Projeto de Lei 980/15, que propõe a criminalização da comemoração do golpe de 1964 e prevê diversas ações com o objetivo criar uma cultura de valorização da Democracia e dos Direitos Humanos. O projeto segue em discussão na Câmara dos Deputados (veja aqui um debate na Comissão de Cultura e leia aqui um artigo do Café História). 

Historiador comenta

Ao Café História, o historiador Paulo César Gomes, editor do portal História da Ditadura e autor dos livros “Liberdade vigiada: As relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês: Do golpe à anistia” e “Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: A visão da espionagem”, comentou as palavras do vice-presidente da República:

“Em seu lento e inacabado processo de transição para a democracia, o Brasil optou por uma política de conciliação com as autoridades do regime militar. Junta-se a isso uma longa tradição política autoritária, a ausência de punição aos agentes do Estado que cometeram crimes – protegidos pela lei de Anistia – e a inexistência de uma política oficial de memória comprometida com os direitos humanos. Temos a receita ideal para que discursos negacionistas tenham ganhado força ao longo dos últimos anos. Incialmente emitidos de modo marginal, com a eleição de Bolsonaro, tais discursos tornaram-se política oficial de Estado. A fala do vice-presidente demonstra que a percepção falseada sobre o golpe de 1964 e a ditadura ganha aparência de verdade ao ser divulgada pela segunda autoridade máxima do país. Ignora-se anos de produção historiográfica séria e eticamente comprometida. Produzida não apenas por grandes especialistas brasileiros, mas também estrangeiros. Os danos causados pela difusão de uma perspetiva falsa sobre o passado ditatorial brasileiro são enormes. E não sejamos ingênuos: certamente há a intenção de justificar a implementação de políticas autoritárias no presente”.

Assassinatos, desaparecimentos e corrupção

Em dois anos e sete meses de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, em seu relatório final, 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país. Entre essas pessoas, 210 são desaparecidas. 

O regime também foi altamente corrupto. O tema tem sido objeto de recentes pesquisas historiográficas, condestabres para os livros “Estranhas Catedrais”, do historiador Pedro Campos, e “Ditadura e Corrupção”, do também historiador Diego Knack.

Como citar esta notícia 

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. Mourão comemora golpe civil-militar de 1964 no Twitter (notícia). In: Café História – História feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/mourao-comemora-golpe-civil-militar-de-1964-no-twitter Publicado em: 31 mar. 2020.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

7 Comments

  1. Há alguns historiadores que sustentavam em seus trabalhos o “silêncio” ou a”aparente falta de memória” da sociedade brasileira acerca do regime civil-militar brasileiro. Foram produções historiograficas da década de 1990. Nesse novo século, as intensões de setores da socieade brasileira é de avivamento escancarado e de restauração desse regime antidemocrático.

  2. Há mortos por enterrar, vítimas, feridos, doentes, enfermos por cuidar, estragos por consertar desta insanidade autoritária, truculenta prepotente, covarde

  3. Eu vivi esse momento, não conheci alguém que tenha tido problemas, o povo não se envolveu foi uma luta de terrorista e anarquistas contra o exercito. Os mortos e desaparecidos eram combatentes ou não souberam explicar o próprio envolvimento.

    • Obrigado pelo comentário, Antônio. A historiografia, contudo, diz o contrário. Recentemente, por exemplo, publicamos um artigo aqui mesmo no Café História, sobre a repressão que cientistas da Fiocruz sofreram por parte do regime. Também são conhecidos episódios de forte repressão contra indígenas e até mesmo de bailes nas periferias cariocas. Músicos foram censurados, lideranças sindicais e estudantis foram perseguidas e exiladas. Partidos políticos foram proibidos. Havia informantes nas universidade, nas fábricas e até mesmo nas igrejas. Todas essas pessoas faziam parte do “povo”, não? O que os historiadores mostram é que não passam de centenas o número de pessoas que se envolveram com a luta armada, ou seja, a minoria da minoria. Abraço!

  4. Mourao, pega o seu comparsa e caminhem de volta para o inferno, de onde vcs NUNCA deveriam ter saido. Democracia sempre! #cassacaodachapabolsonaroemourao

  5. Querido Antonio ,não irei me alongar,se possivel de uma lida nos relatorios
    das comissões estaduais da verdade (CEV).
    Um forte abraço.

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