Historiadora analisa estereótipos em torno das mulheres e dos papéis sexuais veiculados na imprensa ilustrada carioca do início do século XX

18 de junho de 2020
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Obra de Cristina Schettini também revela práticas daquele tempo e oferece boa oportunidade para reflexões sobre comportamento atual em relação à sexualidade feminina.

André Gobi | Cecult IFCH – Unicamp

A obra de Cristiana Schettini “Clichês Baratos – Sexo e humor na imprensa ilustrada carioca do início do século XX”, acaba de ser lançada em formato e-pub pela Editora da Unicamp como parte da coleção Históri@ Ilustrada, produzida pelo Centro de Pesquisa em História Social (CECULT) da universidade e que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Cristiana atua como professora do Instituto de Altos Estudios Sociales da Universidade Nacional de General San Martín (UNSAM) e também como pesquisadora do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), na Argentina.

O livro, nas palavras da autora, é “uma breve história de um conjunto de publicações ilustradas, praticamente desconhecidas hoje, que se dedicaram a um estilo peculiar de humor sexual e erótico no começo do século XX”.

As duas publicações analisadas possuem grande valor histórico, mas tiveram vida curta. O “Sans Dessous”, por exemplo, durou menos de um ano (entre 1909 e 1910) e foi proibido de circular pelos correios. Já “O Rio Nu” teve vida mais longa, resistindo de 1898 a 1916. Tais publicações retratavam, de forma irônica e erótica, a vida noturna carioca e as ações de sociabilidade dos cidadãos de diversas classes sociais, origens e ofícios.

“Comecei a perceber que aquela imprensa tão despretensiosa podia ser lida como um momento valioso da construção de identificações e hierarquias entre grupos sociais por meio da moralidade, da sexualidade e do gênero”, diz a autora.

Os textos, escritos por homens, quando se referiam às mulheres, geralmente traziam caracterizações femininas que refletiam as visões da época, como “viuvinhas”, “criadas”, “coristas”, jovens e velhas, “respeitáveis”, “semi-virgens”, “livres”, “francesas”, “polacas” (prostitutas europeias) e “nacionais”.

Historiadora analisa estereótipos em torno das mulheres e dos papéis sexuais veiculados na imprensa ilustrada carioca do início do século XX 1

As narrativas, indicadas como “leituras para homens”, eram carregadas de atribuições morais e raciais, acompanhadas de desenhos ou fotografias que exibiam corpos femininos em suas curvas, que podiam estar vestidos ou não, representando o desejo masculino.

A obra mostra como uma sociedade recém-saída da escravidão e que dava os primeiros passos num regime republicano lidava com as transformações de um Rio de Janeiro que passava a oferecer entretenimento para preencher o tempo livre, em especial à vida noturna com suas atrações diversas. E neste contexto, a prostituição passa a exercer um fator de sociabilidade, em que sujeitos de origens sociais distintas, de alguma forma, se cruzam.

Schettini revela na obra muito do papel da prostituição nessa sociedade, como o fato de uma das seções mais populares de O Rio Nu, intitulada “Nas Zonas”, ser dedicada à prostituição e atuar, segundo a obra, “como uma conexão direta da folha com o mercado sexual”.

Algumas dessas mulheres retratadas conseguiam tirar proveito da exposição e usar o espaço como publicidade. “Em um mundo tão desfavorável como aquele, elas encontraram maneiras de participar do destino que suas imagens tomaram, pelo menos em alguns momentos. Não se trata de romantizá-las, mas de reconhecer que, às vezes, elas sabiam mais do que podemos imaginar sobre como intervir na produção e circulação de suas imagens”, pondera a autora.

Assim como toda a coleção Históri@ Ilustrada, “Clichês Baratos” está disponível apenas em formato digital e oferece aos leitores acesso imediato a um amplo conjunto de fotografias, vídeos e canções que compunham aquele universo, tornando a experiência de leitura mais rica e interessante para todos os tipos de público.

O livro já pode ser adquirido nas seguintes lojas: Editora da Unicamp, na Amazon, na AppleKobo e Livraria Cultura.

Como citar esta notícia

GOBI, André. Historiadora analisa estereótipos em torno das mulheres e dos papéis sexuais veiculados na imprensa ilustrada carioca do início do século XX. (Notícia). In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/estereotipos-femininos-na-imprensa/. Publicado em: 18 jun. 2020. ISSN: 2674-5917.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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