“A Felicidade das Pequenas Coisas”: poder transformador da educação

“A Felicidade das Pequenas Coisas” traz nosso mote norteador com uma diferença: aqui não é o professor que inspira os alunos, mas sim é inspirado por eles.
19 de outubro de 2023
“A Felicidade das Pequenas Coisas”: poder transformador da educação 1
Foto: Divulgação

Poderíamos celebrar o Dia dos Professores com uma longa lista de filmes com professores inspiradores. Indo de grandes clássicos como “Ao Mestre, com Carinho” (1967) e “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989) até filmes mais recentes com esta temática, teríamos dicas para muitas sessões de cinema. Um destes filmes recentes que poderiam figurar na lista é “A Felicidade das Pequenas Coisas”, que traz nosso mote norteador com uma diferença: aqui não é o professor que inspira os alunos, mas sim é inspirado por eles.

Ugyen Dorji (Sherab Dorji) tem um sonho: ir para a Austrália e se tornar cantor. Enquanto isso não acontece – falta-lhe um visto de trabalho – ele tem um dever a cumprir com seu país: está no quarto de cinco anos de trabalho obrigatório para o governo. Ugyen é professor e não gosta do que faz. E está prestes a ficar ainda mais insatisfeito.

Ugyen é mandado pela secretaria do governo para a aldeia de Lunana, local montanhoso de apenas 56 habitantes onde fica a escola mais isolada do mundo. Uma viagem de oito dias montanha acima deve ser empreendida para chegar a Lunana, caminho que Ugyen faz na companhia de dois aldeões. Chegando lá, é recebido com festa, mas fica em choque com as condições que encontra.

A escola, que funciona apenas nos meses quentes do ano, está em situação precária, falta papel para os alunos e não existe lousa na sala, o que obriga Ugyen a escrever nas paredes com carvão. Mesmo assim, os estudantes são interessados e carinhosos, em especial a líder da turma, que toma a dianteira em tudo: a pequena Pem Zam. Com os alunos recebendo-o tão bem, Ugyen repensa seu plano inicial.

Devido à altitude, Lunana é uma aldeia muito fria. Para manter o fogo aceso, os locais usam esterco de iaque. Vendo Ugyen pegando esterco fresco para endurecer ao sol e posteriormente se aquecer, a pastora de iaques Saldon (Keldon Lhamo Gurung) decide presenteá-lo com um de seus animais. Fascinado pela moça, Ugyen também lhe pede um favor: que ela lhe ensine uma canção típica para ele cantar com as crianças.

A figura do professor é reverenciada em Lunana. Para além da recepção calorosa da aldeia, Ugyen sente seu status diferenciado por sempre ter alguém lhe oferecendo alguma coisa, seja uma ajuda ou uma refeição na tigela de madeira, exclusiva para pessoas importantes. No Butão, o Budismo é uma religião muito forte, e nela a figura dos professores e gurus é muito reverenciada. Algo que poderíamos aprender com eles: em 2018, uma pesquisa mostrou que o Brasil é o país do mundo que menos valoriza seus professores.
O pai de Pem Zam é alcoólatra, algo estabelecido logo no começo do filme e depois não mais mencionado. Poderíamos imaginar que esta seria uma subtrama importante, com a vida de Pem Zam sendo mudada pelo novo professor, mas isso não acontece, e há uma razão: em “A Felicidade das Pequenas Coisas” não é o professor que muda a vida dos alunos, mas ele que tem a sua vida mudada pelos pupilos.

“A Felicidade das Pequenas Coisas” foi o primeiro filme do Butão a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Surpreendentemente, é o filme de estreia do diretor Pawo Choyning Dorji, que também teve as funções de roteirista e produtor da película. O filme acumulou prêmios em diversos festivais ao redor do mundo, prêmios estes conferidos tanto pela crítica quanto pelo público, que abraçou a narrativa e se emocionou junto.

Pawo Dorji conta que foi numa viagem pelos recônditos mais longínquos de seu país que surgiu a inspiração para o filme. Na viagem, ele acumulou histórias inspiradoras e viu muita beleza numa vida que outros considerariam demasiado dura. Foi no vilarejo de Lunana, entre estreantes no cinema e crianças que nunca saíram daquele lugar, que Pawo fez as filmagens, em ordem cronológica, e aplicou um truque como metáfora do caminho de Ugyen: no começo usou a câmera na mão, inconstantemente balançando, e conforme o professor se estabelecia as cenas passaram a ser filmadas com a câmera num tripé, mais seguro.

Um dos alunos, ao ser perguntado por Ugyen o que quer ser quando crescer, responde que quer ser professor porque professores têm o poder de transformar o futuro. Um futuro melhor é o que todos, sem distinção, almejamos. E ele começa conosco: conforme valorizamos a educação e a figura do professor, estamos ajudando-o a nesta nobre missão.

Letícia Magalhães

Historiadora e crítica de cinema. Contribuiu com sites como Filmes e Games e Leia Literatura. Mantém desde 2010 o blog Crítica Retrô, sobre filmes clássicos e antigos, e contribui para os sites Revista Eletrônica Ambrosia e Cine Suffragette, no qual é também editora. Foi vencedora do prêmio do Collegium do Festival de Cinema Mudo de Pordenone em 2021, escrevendo sobre o que mais gosta: cinema e história.

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