O Partido Nazista no Brasil

O Café História entrevistou Luis Edmundo de Souza Moraes, professor do Departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Moraes é especialista na História do Partido Nazista no Brasil.
12 de janeiro de 2009
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Luis-Edmundo-de-Souza-Moraes
Luis Edmundo de Souza Moraes em entrevista concedida a a rFi.

Um tema como o nazismo tem tudo o que é preciso para – em mãos erradas – produzir sensacionalismo. Aqui no Café História, no entanto, o tema está em boas mãos. Pesquisador cuidadoso, o historiador Luis Edmundo de Souza Moraes, professor do Departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), é um dos maiores especialistas em Partido Nazista no Brasil. Mais recentemente ele, vem pesquisando a questão do “negacionismo”. Confira a seguir a entrevista que fizemos com Moraes, a primeira do Café História.

Luís Edmundo de Souza Moraes é graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional – UFRJ (1996) e doutor em História pelo Centro de Pesquisas sobre o Anti-semitismo da Universidade Técnica de Berlim (2002). Atualmente é professor de História Contemporânea (graduação e pós-graduação) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Seu campo de pesquisa se desenvolveu em torno da História do Nacional Socialismo e da extrema-direita européia, com atenção especial sobre o problema do Nazismo no Brasil e sobre o Holocausto.

Como começou o seu interesse por História? Que importância tem a História hoje?

Em relação ao meu interesse pela História acho que posso falar que, mesmo que eu tivesse sido desde a infância curioso a respeito do passado, curiosidade alimentada por livros e por filmes, foi durante o curso de graduação em História, quando eu me envolvi pela primeira vez com pesquisa, que o interesse pela História foi motivado. Foi aí que começou a ficar claro pra mim o que significava trabalhar com História e surgiu o interesse pela profissão.

A segunda parte da pergunta é mais complicada. Falar da importância da História no mundo de hoje, pode significar falar sobre a importância que a História “tem” (em termos descritivos) ou sobre a importância que a História “deve ter” (em termos normativos). Em relação à importância que a História TEM no mundo de hoje, eu diria que a escrita sobre um tempo passado, seja ela a História ou outra forma qualquer de escrita sobre o passado (o romance histórico, a memorialística etc.) sempre desempenhou um papel socialmente decisivo. Tanto na construção de identidades sociais como na legitimação de projetos políticos “do presente”, os escritos sobre o passado têm lugar de destaque por operarem com um tipo de legitimidade socialmente muito eficaz que é a legitimidade “dada pelo passado”. É muito provável que a História jamais deixe de ocupar este lugar, voluntária ou involuntariamente. Do ponto de vista do conhecimento sobre o mundo social, entretanto, a importância das ciências sociais está em outro lugar. É aí que está a importância que eu acho que a História DEVE TER no mundo de hoje. As ciências sociais de uma forma geral, incluída aí a História, têm o papel exatamente de tomar esta relação entre as próprias ciências sociais e a política como objeto e, por um lado, localizá-las no tempo e no espaço e, por outro, evidenciar o caráter de artifício destas identidades sociais e destes projetos políticos que são publicamente apresentados e “vendidos” como “naturais”.

Passemos agora para as suas áreas de pesquisa. Entre 1928 e 1938, o Partido Nazista no Brasil era o maior do gênero fora da Alemanha, com quase 3000 membros. Por que este partido conquistou tantos adeptos em nosso país e que tipo de penetração ele tinha na vida política e cultural do Brasil?

Em relação ao Partido Nazista no Brasil é importante, antes de tudo, limpar um pouco o terreno. Este é um tema que sofre de algo muito comum em nossa área: a contaminação da produção historiográfica pelas imagens sensacionalistas produzidas pelo senso comum. Policiais, jornalistas e políticos envolvidos no combate ao Nazismo nos anos trinta e quarenta produziram mitos que foram incorporados a trabalhos acadêmicos de forma pouco ou nada crítica. A partir dos anos 70, alguns historiadores, dos quais vale destacar René Gertz, começaram a separar o joio do trigo e ver o que era e o que não era possível ser dito sobre o partido com o material disponível em arquivos alemães e brasileiros. Contudo é comum encontrarmos velhos e conhecidos mitos reatualizados em trabalhos acadêmicos recentes. Um dos importantes mitos fundadores do estudo sobre a Seção do Partido Nazista no Brasil (o Landesgruppe Brasilien do NSDAP) diz respeito ao fato de ela ser altamente organizada e politicamente centralizada. A documentação disponível indica exatamente o contrário: um altíssimo grau de descentralização e de desarticulação organizativa e a incapacidade de exercício de uma direção política para todos os núcleos existentes no Brasil. A existência de grupos organizados e reconhecidos pela direção do partido na Alemanha remonta a 1928, mas uma direção política formal para o país só existe a partir de 1934. Ainda assim, para grande parte dos núcleos, a direção centralizada do partido para o Brasil é somente uma peça formal. Isto indica que falar da Seção do NSDAP no Brasil implica em considerar a diversidade regional como a marca de grande parte de seu período de existência legal no Brasil. Indo à pergunta, nós temos um problema: informações sobre o local onde os militantes se filiaram não estão disponíveis para quase todos os casos. Ainda assim, os núcleos desenvolveram estratégias de recrutamento diversas e as razões para a filiação ao partido no Brasil são muito distintas entre si. Os poucos casos para os quais dispomos destas informações apontam para o fato de que existem desde razões políticas (adesão ao programa), até as que podemos chamar de sentimentais (a ideia de que o NSDAP representa a “pátria de origem”) e pessoais (insistência de um familiar ou de um amigo). Qualquer afirmação mais geral sobre isto esbarra na insuficiência das fontes e no fato de que não se sabe se os casos disponíveis são representativos para falar do partido como um todo.

Sobre a segunda pergunta, se o “grande número de militantes” implicou em alguma influência do partido na vida política e cultural do Brasil, eu diria que nenhuma resposta satisfatória pode ser dada considerando-se o Brasil visto que as relações locais eram muito distintas: em Blumenau sua presença pública era muito maior que do que em São Paulo, onde era maior do que no Rio de Janeiro, enquanto em outras localidades tinham núcleos, a presença pública do partido era nula. Além disso, os números que você apresenta exigem algum cuidado. Em minha dissertação de mestrado (1996) eu tabulei as listas de filiados produzidas pelo exército americano com base nas fichas do partido, e só posteriormente me dei conta de imprecisões que impediam que algumas questões fossem respondidas. O total de quase três mil filiados no final dos anos trinta coincide com as estatísticas do partido na Alemanha. Em 1980 o René Gertz já chamava a atenção para o fato de que o número de pessoas que mantinham relação política com o partido (filiados e não filiados) era possivelmente algo em torno de 5.000 pessoas. Ainda assim, se em números absolutos isto é bastante, em números relativos (proporção de filiados em relação ao número de cidadãos alemães) é ultrapassado por Chile e Argentina.

Quais eram os planos de Hitler para o Brasil, caso a Alemanha tivesse saído vitoriosa da Guerra?

A esta pergunta eu poderia responder simplesmente: se existia algum, ninguém sabe. De fato um dos mitos aos quais me referia anteriormente é o de que existiam planos de conquista territorial ou planos bem acabados relativos à presença do NSDAP no Brasil. Na realidade, a única fonte que mencionava planos bem elaborados expostos por Hitler era o livro de Hermann Rauschning “Conversas com Hitler” (Gespräche mit Hitler), ex-dirigente do NSDAP de Danzig, que foi identificado como uma fraude nos anos 80 por Wolfgang Hänel, um professor suíço. Além disso, são procuradas evidências destes planos supostamente existentes desde pelo menos os anos cinquenta e até agora nada que seja relevante foi encontrado. Ao lado de “informações” fabricadas por serviços secretos ou pela diplomacia dos aliados, pela polícia política brasileira e reproduzidos pela imprensa, existem opiniões de militantes de base ou de membros de direções intermediárias que não têm valor como expressão de posições da direção partidária. E não existem indícios políticos de que um plano assim, ou mesmo objetivos claros em relação ao Brasil, tivessem existido. Em resumo, não existem fontes documentais relevantes que indiquem qualquer existência de planos de Hitler para a ação do Partido Nazista no Brasil durante ou depois da guerra.

Como os alemães vêm lidando com seu passado nazista desde o fim da Segunda Guerra Mundial? Há algum sentimento de culpa ou isso já foi superado pelas novas gerações?

A pergunta pressupõe que “os alemães” representem algum tipo de homogeneidade da qual se possa falar de forma geral. Eu diria que esta pressuposição não se sustenta: os alemães de extrema-direita nunca se sentiram culpados, na realidade se sentiram agredidos com a ocupação e com a revelação de que o Nazismo assassinara em torno de 6 milhões de judeus em campos de concentração, além de ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, comunistas, deficientes físicos e mentais e outros grupos. Da mesma forma, os comunistas alemães não se sentiram culpados pelos crimes do nazismo, mas sim vítimas, e um dos primeiros grupos de vítimas. O mesmo vale para os social-democratas e liberais anti-nazistas que tomaram parte em movimentos de resistência ao nazismo. Falar de culpa coletiva é falar de política de estado das forças de ocupação: a tese da culpa coletiva foi o que orientou a política de ocupação dos aliados ocidentais, em particular as políticas de desnazificação e de reeducação desenvolvida pelos Estados Unidos em sua Área de ocupação no imediato pós-guerra. Posteriormente e para além da tese da culpa coletiva, a antiga Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha) se vê em alguma medida como herdeira jurídica do Estado Alemão existente até 1945. Isto significou que a RFA assume a responsabilidade por reparar os Crimes de Estado cometidos sob o Terceiro Reich, havendo inclusive uma legislação específica que normatiza a reparação aos crimes do nazismo, a Lei Federal de Reparações (a Bundesentschädigungsgesetz), ancorado não na ideia de culpa coletiva, mas no princípio jurídico de que o Estado, qualquer Estado, deve ser responsabilizado por suas ações.

Uma terceira dimensão do problema diz respeito ao fato de a sociedade alemã ter sido exposta ao debate sobre a sua própria responsabilidade pelos crimes que tiveram lugar durante o Terceiro Reich. Muitos são os porta-vozes da tese de que a sociedade alemã tem responsabilidade tanto pelo que aconteceu quanto em criar mecanismos para que não aconteça mais. E, ao lado de diversas instituições da sociedade civil, o Estado foi um importante financiador e executor de uma política de criação de instituições que impedissem o esquecimento (museus, monumentos, etc.) bem como de mecanismos que impedissem a repetição do passado nazista. Muitos, alemães e não alemães que vivem na Alemanha dão suporte ativo a este tipo de política e a preocupação em lembrar o Nacional-Socialismo, o Terceiro Reich e o Holocausto continuam tendo relação não com uma ideia de “culpa coletiva”, mas sim com a adesão a um campo de valores que recusa o nazismo e uma atividade política ativa nesta direção. Na Alemanha, além da extrema-direita, são setores conservadores da chamada Nova Direita que desde os anos 1970 mobilizam esforços para relativizar os crimes nazistas e para tirar o nacional socialismo do foco de atenção pública.

Os autores que negam o Holocausto são chamados de negacionistas ou “revisionistas”. Qual a origem desses termos?

A primeira coisa importante sobre isto, e eu tenho insistido muito sobre isto ultimamente, é que os dois termos não são sinônimos. O termo revisionismo é uma auto-denominação, ou seja, é o termo escolhido por intelectuais neo-nazistas para se apresentar publicamente. E isto por uma razão muito simples: estar predisposto a fazer revisões, em geral, a ser anti-dogmático e ser aberto à diferença e ao diálogo, em nosso mundo é algo positivo. No campo do conhecimento, especificamente, a revisão é ela mesma a razão de ser do conhecimento científico: o conhecimento que não admite refutação, que não admite revisão pode estar no campo do pensamento teológico ou mágico, mas não no campo do pensamento científico ou filosófico. A refutação e a revisão são parte integrante do processo de construção do conhecimento formalizado das ciências e da filosofia. Ou seja, a prática revisionista é uma prática própria da construção do conhecimento e neste sentido ela é positiva. Se auto-denominando e se apresentando publicamente como revisionistas, intelectuais de extrema-direita buscam dar legitimidade a sua atividade, que está muito distante da prática de construção do conhecimento no campo das ciências humanas. Quando eles dizem que o holocausto nunca existiu, que os nazistas não cometeram crimes contra judeus, contra ciganos, contra deficientes físicos eles não estão de fato revendo coisa nenhuma, mas simplesmente negando algo. Fico pensando em algo tão esdrúxulo quanto isto da História brasileira e acho que, por exemplo, afirmar que o Brasil nunca experimentou a escravidão, que muitos africanos vieram para cá em busca de trabalho assalariado etc. poderia ser algo equivalente à afirmação de que nenhum judeu foi assassinado em campos de extermínio durante a Segunda Guerra Mundial. Isto não é, de fato, rever coisa alguma.

Não se trata aqui de nenhuma atividade REVISIONISTA, mas sim de uma atitude NEGACIONISTA. O termo “negacionismo” refere-se especificamente a um campo propriamente intelectual de movimentos de extrema-direita do pós-guerra, cujo projeto incorpora principalmente a defesa e a reabilitação do nacional socialismo e do III Reich e a negação da existência dos campos de extermínio e do Holocausto nazista. Na realidade o que os faz negacionistas não é simplesmente aquilo que dizem, mas também e principalmente seus procedimentos: a conclusão já está pronta antes de qualquer pesquisa e se as fontes documentais, testemunhais e outras evidências não concordam com elas, então pior para as fontes: elas são deixadas de lado em nome da conclusão necessária e sempre existente.

Embora o Terceiro Reich tenha sido muito burocratizado de uma forma geral, Hitler não era muito afeito a documentos. Em muitos casos, não colocava suas ordens nos papéis, sobretudo as mais sensíveis. Em que medida, a ausência de documentos pode ser usada por negacionistas para amenizar a culpa de Hitler em relação ao Holocausto ou até mesmo para negar o genocídio?

Falar dos procedimentos diretivos e dos canais de tomada de decisão de Hitler implica em entender que a estrutura burocrática típica dos estados modernos convive no Terceiro Reich com formas de exercício do poder atípicos para esta forma de estado. O Terceiro Reich adotou princípios jurídicos contraditórios ao valorizar a legislação escrita (na realidade é impressionante o número de regulações formais emitidas na Alemanha entre 1933 e 1945) ao lado de sua devalorização e mesmo da valorização das regulações não escritas: a ditadura nazista nunca aboliu a constituição liberal-democrática de Weimar, por exemplo. Ao lado disso, a chamada “Vontade do Führer” (Führers Wille) foi instituída como instrumento jurídico formal no Terceiro Reich, que implicava, segundo Ernst Huber, um dos mais destacados teóricos constitucionais do Terceiro Reich, no reconhecimento de que as Leis do Führer concretizam princípios não escritos da assim chamada comunidade nacional. Todas as determinações do Führer, continua Huber, são expressão direta de uma concepção mais elevada de lei e não se comparariam à concepção de lei própria ao estado moderno, com seu corpo de leis escritas. Dessa forma, a ordem registrada em papel e assinada, para muitas ações decisivas do estado – ou de alguma de suas agências – simplesmente não existiu porque nunca foi necessária. O que não significa que a ação não tenha existido ou mesmo que Hitler não sabia o que estava acontecendo. Mesmo sem recorrer a concepções distintas de legislação, é fácil perceber que a ausência de ordens escritas não é exclusividade do Terceiro Reich. Na realidade em um conjunto grande de regimes podem ser identificados canais de tomada de decisão que resultaram em decisões não documentadas. O fato de que não exista uma ordem escrita que autorizasse o assassinato sistemático dos judeus não permite afirmar que ele não existiu, mas simplesmente que a decisão sobre ele não foi registrada. Este é de fato um dos argumentos mais pueris do repertório dos negacionistas.

Partido Nazista no Brasil
Foto da capa da dissertação de mestrado de Moraes, defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFRJ, no Museu Nacional. Sua tese se debruçou sobre o mesmo tema, o Partido Nazista no Brasil. Foto: Bruno Leal.

Segundo o intelectual Andreas Huyssen, vivemos hoje um verdadeiro boom de memória, sendo o tema do Holocausto bastante representativo deste fenômeno. Como essa onda de memória apontada por Huyssen (presente nos monumentos, museus, mídia…) dialoga com o saber histórico institucionalizado?

A relação entre memória (institucionalizada) e saber histórico (institucionalizado) não é de fato das mais simples. E aqui queria pensar sobre o que poderíamos chamar de memória social, ou seja, uma imagem do passado socialmente construída e partilhada. E isto em nosso mundo presentista, onde o passado é algo fugidio, marca de um tempo particular, como indicam Huyssen e muitos outros intelectuais. Pensar na forma como o Holocausto é tematizado pelos negacionistas nos obriga a refletir sobre isto. O que me interessa de modo particular em relação a este problema diz respeito ao fato de que as memórias socialmente partilhadas devem ser entendidas como uma construção possível do passado dentre outras. Estas construções do passado compõem, em maior ou menor grau, as identidades de grupos sociais e potencializam ou despotencializam projetos políticos que envolvem ou que partem do grupo. É possível dizer que a afirmação social de uma imagem sobre o passado (uma memória socialmente estabelecida) tem uma relação menos direta com processo de produção de conhecimento histórico admitido como válido pela História-disciplina do que com variáveis que estão muito mais próximas da política e da religião. A atividade dos negacionistas é um exemplo excepcional disto. Os trabalhos dos negacionistas não são escritos para um público leitor de historiadores. Na realidade, mesmo afirmando que são historiadores, os procedimentos que permitem com que eles façam suas afirmações são risíveis. Eles não se encaixam em quaisquer critérios de validade do campo das ciências sociais e qualquer historiador, mesmo que não seja especialista no tema, pode perceber que os procedimentos metodológicos são absolutamente inadequados. A sua ação é muito claramente uma ação política voltada para um público leigo com pouco ou nenhum conhecimento sobre a História contemporânea consolidada através do ensino ou de outros meios. A intervenção destes intelectuais de extrema-direita objetiva fazer com que um público com este perfil acredite em seu pseudo-passado (um Terceiro Reich com nazistas bonzinhos e sem o assassinato de milhões de Judeus, doentes mentais, ciganos e outros grupos) para que este passe a compor a memória social em um espaço social específico.

Qual o papel da História institucionalizada nesta disputa? Por um lado cabe a ela apresentar resultados de pesquisa pautada pelo mais estrito rigor metodológico (equívocos de método e pouco rigor no tratamento de material empírico abriram espaço para que os neo-nazistas desqualificassem a produção historiográfica como um todo sobre o holocausto e o nazismo). Por outro lado, cabe também aos historiadores o problema de constituir aquilo que chamei de uma “consciência histórica” sólida sobre a História contemporânea. Este é um desafio que a disciplina não pode deixar de lado. E o foco principal aqui é a História tal qual transmitida na escola, seus materiais, as formas de transmissão bem como o fato de que, em um grande número de casos, estudantes saem do ensino médio sem sequer ter ouvido falar em holocausto ou imaginando que se trate de mais um dos casos de morte gerada pela guerra, como a dos soldados em campos de batalha ou de civis em cidades sitiadas e bombardeadas etc.

Chegamos ao fim de nossa conversa. Em relação aos temas do negacionismo e do Partido Nazista no Brasil, que bibliografia você poderia recomendar aos nossos leitores?

Sobre o Partido Nazista no Brasil, existem várias teses e dissertações não publicadas, de qualidade também variada. Dos trabalhos publicados em língua portuguesa, de destaque são os trabalhos de René Gertz. Ele tem vários artigos e livros sobre o tema, mas talvez o mais abrangente seja Fascismo no Sul do Brasil, tradução de sua tese de doutorado defendida em Berlim em 1980 e publicada em 1987 pela Mercado Aberto de Porto Alegre. Giralda Seyferth também tem um artigo importante chamado o Nazismo e a Imprensa Teuto-Brasileira no Estado de Santa Catarina, publicado na Revista do Museu Paulista em 1979. Em 1981 foi publicada sua tese de doutorado que deu origem ao referido artigo: Nacionalismo e Identidade Étnica, que dedica uma parte significativa para tratar dos nazistas. Há o livro de Marionilde Brepohl de Magalhães chamado “Pangermanismo e Nazismo” publicado em 1988 em campinas. Além destes, existem dois artigos meus sobre o tema. Um deles trata dos grupos locais do Partido Nazista no Rio de Janeiro e em Blumenau publicado em 2003 no livro “Cruzando Fronteiras Disciplinares: um panorama dos estudos migratórios” organizado por Hélion Povoa Neto e por Ademir Pacelli e o outro discute problemas de pesquisa sobre o NSDAP no Brasil e que está em processo de lançamento, (provavelmente ainda em Dezembro) no livro organizado por Maurício Parada Fascismos: “Conceitos e Experiências” pela editora Mauad. Recentemente também foi publicada a tese de mestrado de Ana Maria Dietrich sobre o Partido em São Paulo, para o qual eu fiz o prefácio. Em Alemão existem alguns trabalhos que merecem menção: o mais recente, salvo engano, é o meu próprio livro “Konflikt und Anerkennung” (Conflito e Reconhecimento), publicado pela Editora Metropol de Berlin em 2005, uma versão um pouco modificada de minha tese de doutorado.

Outras consultas obrigatórias são os trabalhos de Jürgen Muller, “Nationalsozialismus in Lateinamerika”, um estudo comparativo sobre a presença do NSDAP na Argentina, Brasil, Chile e México, publicado em 1997 em Stuttgart, e de Olav Gaudig e Peter Veit sobre a forma como a imprensa em língua alemã de Argentina, Brasil e Chile tematizaram o nacional socialismo, publicado em 1997 em Berlim. Deles há um extrato da tese publicado em um artigo em espanhol na revista Estudios Interdisciplinares de América Latina y Caribe em 1996. Sobre o negacionismo, a literatura em língua portuguesa é mais limitada. O primeiro a ser publicado é o livro de Pierre Vidal-Naquet, “Assassinos da Memória”, que reúne artigos sobre o negacionismo publicados desde 1980. Depois temos a dissertação de mestrado da Natália dos Reis Cruz, “Negando a História. A Editora Revisão e o Neonazismo”, defendida na UFF em 1997 e ainda não publicada. Depois disso foram publicadas em 2000 as comunicações de uma conferência que teve lugar em Porto Alegra no livro “Neonazismo, Negacinismo e Extremismo Político”, organizado por Luis Milman e por Paulo Fagundes Vizentini. Também, de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus, “Anti-semitismo e Nacionalismo, Negacionismo e Memória: Revisão Editora e as estratégias da Intolerância (1987-2003)”, São Paulo, Editora Unesp, 2006. Eu tenho dois trabalhos sobre o tema: em 2004 saiu um pequeno verbete de minha autoria com o título “Revisionismo-Negacionista”, publicado na “Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX”, organizada pelo Francisco Carlos Teixeira da Silva; e em 2008 apresento um artigo ao encontro regional da ANPUH do Rio de Janeiro e que consta dos anais do evento.

Como citar essa entrevista

MORAES, Luis Edmundo de Souza. O Partido Nazista no Brasil (Entrevista). Entrevista concedida a Bruno Leal Pastor de Carvalho. In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/o-partido-nazista-no-brasil/. Publicado em: 12 jan. 2009. Acesso: [informar data].

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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