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O que são “usos políticos do passado”, segundo este historiador

O que são “usos políticos do passado”, segundo este historiador 1

O historiador Fernando Nicolazzi é um dos coordenadores do Luppa, o Laboratório de Estudos sobre os Usos do Passado (Luppa). Foto: acervo pessoal do entrevistado.

O termo “usos políticos do passado” tem ganhado cada vez mais espaço nos debates acadêmicos e nas redes sociais. Para entender melhor o que significa, conversamos com o historiador Fernando Nicolazzi, professor do Departamento de História da UFRGS e um dos coordenadores do LUPPA – Laboratório de Estudos Sobre os Usos Políticos do Passado, vinculado ao Departamento de História da UFRGS.

Segundo Nicolazzi, há diferentes “usos do passado”. No campo individual e privado, explica o historiador, o passado está presente em expressões de memórias afetivas e familiares, através de álbuns fotográficos, da comemoração de aniversários e da preservação de cartas antigas. No campo comercial, o passado também é usado, atribuindo valor a objetos que são vendidos, como é o caso dos produtos vintages.

Mas o que seriam os chamados “usos políticos do passado”? Como o próprio nome deixa claro, trata-se, nesses casos, da utilização do passado para fins exclusivamente políticos. Eles ocorrem, por exemplo, quando personagens ou acontecimentos históricos são usados meramente para justificar ações, escolhas, ideias, sentimentos e agendas políticas do presente. Em geral ocorrem no espaço público. Como já mostrado aqui no Café História, a figura de Tiradentes foi ressignificada tanto pela direita quanto pela esquerda no século XX, de forma a justificar diferentes projetos políticos.

Segundo explica Nicolazzi, de tão comum, essa prática se tornou objeto de estudo de acadêmicos nos últimos anos:

“É um campo de pesquisa que não se estrutura necessariamente a partir de uma disciplina específica, mas que é atravessado por diversos espaços de saber: a historiografia, a etnografia, a sociologia, a filosofia, a psicologia, a psicanálise, o direito, os estudos sobre memória, os estudos culturais, as perspectivas decoloniais, entre tantos outros”, afirmou.

O historiador destaca ainda que esses estudos floresceram a partir da segunda metade do século XX, por meio de questionamentos sobre as perspectivas modernas que compreendiam o passado como um elemento “morto”. Ao longo dos anos, a ampliação dessas pesquisas tem contribuído para a análise crítica das narrativas públicas sobre o passado. Dada a impossibilidade de recorrer ao passado de forma neutra, seus usos podem estar engajados tanto com a reafirmação de princípios democráticos, quanto com a defesa de elementos conservadores e/ou ditatoriais:

“Os passados são também objetos de poder. O elogio do Estado escravista construído no Brasil do século XIX e a defesa do modelo autoritário estabelecido pela ditadura iniciada em 1964 são dois exemplos contemporâneos que mostram que o interesse principal não reside nos dilemas vivenciados no passado, mas sim nos impasses criados no presente”, afirma Nicolazzi.

De acordo ainda com o historiador, a relação com o presente é uma das principais características dos usos políticos do passado. Ou seja, o foco desse campo de pesquisa está nas escolhas dos distintos grupos sociais ao rememorar, dialogar e representar elementos pretéritos. O que torna um passado presente? Quais os interesses de um determinado grupo em recorrer a acontecimentos passados? Para Nicolazzi, “a atenção daqueles e daquelas comprometidos com uma sociedade mais justa e democrática deve estar voltada para saber se alguns passados abertos não acabam por fechar possíveis futuros.”

Para saber mais

O LUPPA – Laboratório de Estudos Sobre os Usos Políticos do Passado é um espaço formado por pesquisadores, incluindo estudantes de graduação, brasileiros e estrangeiros engajados nos estudos sobre os usos políticos do passado e nos usos públicos da História. O grupo possui um canal no YouTube com diversas séries voltadas para a divulgação dos projetos que desenvolvem, à transmissão de eventos e ao debate com demais pesquisadores.  

Dentre elas, destaco a série “Diálogos Luppa” que recebeu, durante a pandemia, diversos pesquisadores para tratar de questões caras ao conhecimento histórico, como teorias LGBTQIA+ e negacionismos. Há também a série “Iniciação Científica”, em que estudantes de graduação, com linguagem didática e acessível, divulgam os processos e principais resultados de suas pesquisas vinculadas ao LUPPA.   

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