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Breve guia de leitura para entender o período Vargas

Breve guia de leitura para entender o período Vargas 7

Presidente Getúlio Dornelles Vargas (1939-1945) em Minas Gerais: visita a Araxá, MG. Abril de 1940 Fonte: Arquivo Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT, PRP.409 - Dossiê.

Nenhuma figura foi tão predominante na política brasileira, na primeira metade do século XX, que o gaúcho de São Borja, Getúlio Vargas (1882-1954). Vargas foi presidente da República em dois momentos. O primeiro corresponde ao período 1930-1945. Ele começa com uma cadeia de eventos dramáticos que convencionou-se chamar de “Revolução de 1930”, responsável por levar Vargas ao Palácio do Catete, e termina com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando Vargas, mesmo contrariado, deixa o poder. Entre um evento e outro, o Brasil testemunhou levantes armados, a emergência do nacionalismo e do trabalhismo, revoltas populares, duas constituições federais, conspirações de esquerda e de direita, o desenvolvimento da indústria brasileira, um golpe de estado e uma dura ditadura que violou diversos direitos humanos.

O segundo momento, por sua vez, corresponde ao período 1951-1953. Embora muito mais curto que o primeiro, não foi menos expressivo. De volta ao Catete, agora por meio do voto, Vargas viu-se envolvido em escândalos de corrupção, atentados e ameaças de golpe. Foi nesse período também que ele criou grandes empresas públicas, como a Petrobrás, e teve adversários à altura, como o jornalista Carlos Lacerda. Esse novo governo terminou com o seu suicídio e a comoção pública que a ele se seguiu.

Se você se sente um pouco perdido em meio a tantos acontecimentos, essa bibliografia pode te ajudar. Ela foi elaborada para aqueles que desejam conhecer melhor os dois governos Vargas. Adiante, indicamos a leitura de obras clássicas da historiografia, como “A invenção do trabalhismo”, de Angela de Castro Gomes, “As instituições brasileiras da era Vargas”, organizada por Maria Celina D’Araújo e “O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo”, organizada por Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado.  

Mas também apresentamos obras bem mais recentes, que inauguram novas interpretações ou exploram novas nuances do período. É o caso das coletâneas “Governo Vargas: um projeto de nação” e “Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas”, organizada por uma nova geração de pesquisadores, e “Imigrante ideal: O Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945)”, do historiador Fabio Koifman, que examina a política imigratória do Estado Novo.

A produção historiográfica sobre os governos Vargas é consistente e vasta. Mas isso não significa que os historiadores esgotaram as possibilidades de análise e pesquisa sobre eles. Podemos dizer, por exemplo, que os historiadores, em geral, deram mais atenção aos aspectos políticos, econômicos e culturais do Estado Novo do que a violência por ele produzida, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945). Por que? Talvez porque o autoritarismo da ditadura militar (1964-1985) tenha eclipsado o autoritarismo estado novista; talvez porque o trabalhismo de Vargas tenha amortizado sua brutalidade. Ainda faltam estudos que analisem a história dessa historiografia. 

Vargas em campanha com o povo: a face política e popular. Foto: Arquivo Nacional.

Um outro ponto interessante a marcar a produção dos historiadores da área diz respeito à questão da nomenclatura. A maioria dos historiadores e historiadoras, incluindo os/as especialistas no tema, costumam usar o temos “Era Vargas”, pois entendem que o período foi, de fato, um divisor de águas. Mas há pesquisadores e pesquisadoras que discordam do que chamam de “eravarguismo”. Eles alertam que a historiografia tem falado em “Era Vargas” sem levar em conta a adjetivação e a impropriedade crítica que o termo “Era” implica. Para esse grupo, a ideia de “Era” pressupõe superlativo ou, no mínimo, entusiasmo pelo período, além de gerir risco de sua monumentalização.

Nesta bibliografia comentada, você vai encontrar historiadores e historiadoras de diferentes matizes. Não existe, a priori, um certo ou errado, mas visões diferentes. E é isso que faz desta historiografia uma das mais pulsantes no país.

Não incluímos nesta lista nenhuma obra específica sobre o integralismo porque já produzimos uma bibliografia comentada exclusivamente sobre o tema.

Se antes de mergulhar nessas leituras, você quiser ler algo mais curto sobre o período Vargas, nós indicamos alguns conteúdos publicados aqui mesmo no Café História, caso dos artigos de Thiago Mourelle, de Deivison Amaral e Rafael Nascimento Gomes, todos eles pesquisadores do período.  

“A invenção do trabalhismo”, de Angela de Castro Gomes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

Nessa obra, a historiadora Angela de Castro Gomes propõe um olhar inovador para os estudos das relações da classe trabalhadora com o Estado. O período varguista é o seu principal foco de análise. Gomes afirma que para melhor compreensão desse contexto político e social faz-se necessário o estudo das lutas da classe trabalhadora ao longo dos primeiros anos da República: desde sua proclamação, em 1889 até a primeira constituição do governo Vargas, em 1934. Vale destacar que a historiadora busca romper com as análises que simplificam o período da “Era Vargas” como populista, por meio da chave interpretativa do líder carismático, capaz de manipular os interesses da classe trabalhadora. Por outro lado, a autora complexifica esse período da história brasileira com a utilização do conceito de trabalhismo. Nessa linha interpretativa, Gomes investiga os projetos do Estado para a classe trabalhadora, não pelo viés da imposição, mas pelas estratégias utilizadas pelo governo varguista a fim de construir, tanto nos sentidos materiais (promulgação de leis trabalhistas e instituição da carteira de trabalho) quantos nos sentidos simbólicos (valorização do trabalhador e condenação da vadiagem), um tipo ideal de cidadão: o “trabalhador disciplinado”.

Ao mesmo tempo em que foca seu olhar nos projetos do Estado, Gomes dedica-se também ao estudo dos interesses da classe trabalhadora em dialogar com esses projetos. A historiadora entende esses trabalhadores como sujeitos históricos que participaram ativamente dos processos de conquista de direitos trabalhistas e das próprias interações com o Estado, fosse convergindo ou divergindo dos interesses do governo.

“As instituições brasileiras da Era Vargas”, organizado por Maria Celina D’Araújo. Rio de Janeiro: Editora UERJ e Editora FGV, 1999.

Esse livro é uma coletânea que reúne artigos de sete pesquisadores especializados no período da dos governos Vargas. A obra é de especial interesse aos que iniciam os estudos a esse respeito, por seu caráter didático e pela seleção de análises diversificadas sobre a temática. Na apresentação da coletânea, a organizadora da obra, Maria Celina D’Araújo, destaca que o período varguista marcou a transição do Brasil: passamos de um país agrário para um país em um novo contexto urbano-industrial.

Cada um dos artigos foca um aspecto específico sobre os anos do governo varguista, dentre eles, o projeto econômico conhecido como nacional-desenvolvimentismo, as relações estabelecidas no período entre a cultura nacional e a intelectualidade e os anos autoritários do Estado Novo, por exemplo. A organizadora da obra enfatiza que o contexto de sua publicação, nos primeiros anos após o fim da ditadura militar, era marcado pelo clima de reflexão sobre as experiências políticas do passado, bem como a proposição de novos projetos de futuro para a democracia brasileira. Dessa forma, o livro contribui não apenas para o estudo do governo Vargas em seu contexto específico, mas também sobre suas ressignificações no presente. Ao final do livro, há uma cronologia com alguns marcos do período varguista e transcrições de cartas escritas pelo próprio Getúlio Vargas, elementos que marcam o caráter didático da obra. A obra tem download gratuito.

“O Brasil republicano, v. 2 – O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo”, organizado por Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado, Civilização Brasileira, 2007.

Esse volume da coleção “O Brasil republicano” é especialmente dedicado ao período do governo Vargas. Segundo seus organizadores, dois dos maiores conhecedores do período, a obra foi estruturada visando um público amplo, como estudantes de graduação em Ciências Sociais e estudantes do ensino médio. Essa característica está presente na linguagem didática e acessível do livro. Foram convidados estudiosos de diversificadas temáticas para compor o volume, que contém 10 artigos.

Dentre os assuntos abordados, está a Ação Integralista Brasileira, organização de cunho fascista articulada por pequenos partidos de extrema direita, legalizada até a ascensão do Estado Novo, de acordo com os autores Marcos Chor Maio e Roney Cytrynowicz. Já as relações entre o Estado e a formulação de uma nova identidade nacional a partir do Governo Vargas, voltada para a valorização da miscigenação brasileira é foco da análise de Lúcia Lippi Oliveira, no artigo “Sinais da modernidade na era Vargas: vida literária, cinema e rádio”. Segundo a autora, o mito da democracia racial, baseado na falsa harmonia entre os elementos da cultura do branco, do negro, do indígena e do mestiço, ganhou repercussão nacional nesse período. Uma das principais ferramentas de difusão dessa perspectiva pelo Estado foi a produção cultural, por meio de elementos como a música, o cinema e o esporte, por exemplo. Para quem deseja um encontro com distintas temáticas e sujeitos históricos que protagonizaram o período varguista, esse volume é um bom começo.        

“Governo Vargas: um projeto de nação”, coletânea organizada por André Barbosa Fraga, Mayra Coan Lago e Thiago Cavaliere Mourelle. Rio de Janeiro: 7 letras, 2020.

Esta coletânea traz o que há de mais novo nos estudos sobre o Regime Vargas. O leitor encontrará nela 9 capítulos que passam por diferentes dimensões dos governos Vargas. É uma leitura bastante adequada para quem conhece pouco o período e está em busca de um livro que combine informações básicas com novas interpretações historiográficas. Thiago Mourelle, autor do primeiro capítulo e um dos organizadores, examina, por exemplo, os impactos da Crise de 1929 no Brasil. De acordo com o autor, existe uma ligação muito estreita entre a crise econômica global e o viés autoritário de Vargas no Palácio do Catete. “Não seria exagero afirmar que os embates em torno da situação financeira intensificaram o desgaste entre o presidente e o Poder Legislativo, o que fez Vargas apressar a busca pelo retorno à ditadura”, diz Mourelle.

Mas o livro não se fecha apenas nos aspectos políticos e econômicos do regime. Você já pensou no desenvolvimento científico brasileiro durante os anos Vargas? Se nunca leu nada a respeito, você irá gostar do texto de Yasmin Vianna Bragança, que fala sobre a “grande cruzada pela educação, saúde e higiene”. E se quiser pensar os aspectos ligados à história cultural, pode ir direito ao capítulo escrito por Mayara Coan Lago, que discute os imaginários populares sobre a família no Estado Novo”. Há ainda no livro debates sobre a constituinte, mundos do trabalho, indústria e modelos de desenvolvimento.

“Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas”, coletânea organizada por Marly de Almeida Gomes Vianna, Érica Sarmiento da Silva e Leandro Pereira Gonçalves. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.    

Quando pensamos em arbítrio, tortura e supressão de liberdades na história política do Brasil, pensamos imediatamente na ditadura militar (1964-1985). Embora essa associação seja plenamente justificada, ela acabou, por vezes, eclipsando o autoritarismo do Estado Novo, que também perseguiu, exilou e até matou quem as suas lideranças consideravam “inimigos da ordem e dos verdadeiros valores brasileiros”.

O livro “Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas” traz uma grande contribuição neste sentido, uma vez que, a partir do uso de documentação que permaneceu, durante muito tempo, interditada aos pesquisadores, caso dos arquivos do Deops/Dops, examina as diversas dimensões da repressão política, da paranoia e da xenofobia presente no Brasil de Vargas, sobretudo do Estado Novo. Seus capítulos explicam como estrangeiros, comunistas, sindicalistas, integralistas e os diversos outros grupos sociais, políticos ou ideológicos, com mais ou menos rigor, de forma mais ou menos sistematizada, foram alvo dos arroubos autoritários de Vargas.

Essa leitura, portanto, é recomendada para aqueles que desejam conhecer um pouco mais da repressão produzida durante os anos em que Vargas esteve no poder, período este em que palavras como “polícia”, “prisão”, “deportação” e “expulsão” assombraram aqueles que ousaram denunciar as injustiças, o personalismo e a violência de Vargas. 

“Imigrante ideal: O Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945)”, de Fabio Koifman. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

Durante o período em que Vargas esteve no poder, o Brasil ostentou uma política imigratória racista e restritiva. Por meio de circulares secretas que se baseavam na eugenia, no antissemitismo e no racismo, o governo brasileiro dificultou a imigração de diversos grupos populacionais e étnicos, sobretudo judeus, negros e japoneses. No caso dos judeus, perseguidos pelo nazismo na Europa, essa era uma questão de vida ou morte. “Imigrante Ideal”, de Fabio Koifman, é uma obra incontornável para quem deseja conhecer essa história. O livro examina a construção desta política imigratória racista, que ainda perduraria por algumas décadas após o fim do Estado Novo. Koifman mostra como nossas lideranças políticas estiveram empenhadas em facilitar a entrada de imigrantes brancos e católicos, pois entendiam que esse perfil era o mais adequado à “composição racial brasileira” e ao projeto de “melhoramento racial” do Brasil. 

Como citar esta Bibliografia Comentada

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de; MARQUES, Thaís Pio. Breve guia de leitura para entender o período Vargas (Bibliografia Comentada). In: Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/bibliografia-comentada-do-periodo-vargas/. Publicado em: 19 jul. 2021. ISSN: 2674-5917.

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