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Dicas de livros: janeiro de 2017

Dicas de livros: janeiro de 2017 7
No primeiro “Dicas de Livros” de 2017, um especial  sobre a Primeira Guerra Mundial.

Em 2014, a Primeira Guerra Mundial chegou ao seu primeiro centenário. Na ocasião, historiadores, museus, líderes europeus e população lembraram de um dos conflitos mais terríveis da História humana. Em 2017, a reflexão sobre o centenário ainda mobiliza diversos pesquisadores. Neste “Dicas de Livros” especial, destacamos uma coleção (“Linha do Tempo”) lançada pela editora brasileira Mundaréu entre 2014 e 2015. São seis livros (memorialistas e de ficção) até então inéditos no mercado editorial brasileiro. Todos os títulos possuem enorme qualidade literária e editorial, e expressam o espírito de um tempo: os anos da Primeira Guerra Mundial e os anos imediatamente anteriores e posteriores.

Uma juventude na Alemanha | Ernst Toller | Mundaréu | 2015 | 273 pp.

Escrito pelo dramaturgo alemão de origem judaica Ernst Toller (1893-1939), “Uma juventude na Alemanha” não é um livro apenas sobre a Primeira Guerra Mundial, mas uma espécie de biografia dos 30 primeiros anos de Toller. Esse período foi essencial para o país natal do autor e para o mundo de uma forma geral: o Império Alemão avançou para o leste, a Primeira Guerra Mundial eclodiu, a República de Weimar falhou e os nazistas conquistaram o poder. Toller é um arguto observador de todos esses dramáticos eventos. Na verdade, ele foi bem mais do que um mero observador. O dramaturgo participou da Liga Espartaquista, escreveu obras expressionistas e combateu na Primeira Guerra Mundial. Tornou-se pacifista e esteve muito próximo do socialismo. Depois da tomada do poder, na Alemanha, pelos nazistas em 1933, Toller migrou para os Estados Unidos – onde veio a cometer suicídio em 1939. Como o próprio autor classifica a obra, “não é apenas minha juventude que está aqui registrada, mas a juventude de uma geração e, além disso, parte da História de uma época. Essa juventude trilhou muitos caminhos, seguiu falsos ídolos e falsos líderes, mas nunca deixou de buscar o esclarecimento e de seguir os preceitos dos espíritos”. A edição da Mundaréu no Brasil ainda traz uma apresentação de Joseph Roth: “Um apolítico vai ao Reichstag”, publicada originalmente no Frankfurter Zeitung em 30 de maio de 1924. Para saber mais sobre esta bela obra, clique aqui.

Marcha de Radetzky | Joseph Roth | Mundaréu | 2014 | 423 pp.

Joseph Roth (1894-1939), judeu austríaco, nasceu na Galícia, antigo território do Império Austro-Húngaro e hoje dividida entre Ucrânia e Polônia. Em “A Marca de Radetzky”, seu terceiro livro, publicado em 1932, o autor aborda o período que vai do declínio do Império Austro-Húngaro à sua queda, ao final da Primeira Guerra Mundial, na qual Roth lutou. Para isso, adota como fio condutor a história de três gerações da família de um soldado alçado à nobreza por ter salvado a vida do Kaiser. As trajetórias de avô, filho e neto são indissociáveis do vasto Império Austro-Húngaro. A edição da Mundaréu traz um pequeno, mas significativo prólogo de Luis Sergio Kraus, professor livre-docente de Literatura Hebraica e Judaica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, autor de uma tese de doutorado intitulada “Exílio entre o Shtetl e o Crepúsculo: Joseph Roth e o Judaísmo no fin-de-siècle austríaco” e defendida na USP, em 2006. De acordo com Krausz, “em Marcha de Radetzky, o mergulho nas causas do esfacelamento do ecúmeno austro-húngaro, um mundo europeu inteiramente diverso daquele que se instalaria após 1918, faz-se de forma obsessiva. A descrição que Roth empreende da trajetória de três gerações da família Trotta, que vivem sob a égide do longevo Franz Joseph I, revela o crescente formalismo e enrijecimento da velha ordem habsbúrbica, com os quais concorre o esvaziamento crescente dos rituais que a pontuam e definem, em todas as esferas da vida cotidiana pública e privada”. Para saber mais sobre a obra, clique aqui.

Um ano sobre o Altiplano | Emilio Lussu | Mundaréu | 2014 | 206 pp.

“Poder dizer, ao raiar do dia, uma hora antes do assalto, ‘pronto, vou dormir ainda meia hora, posso ainda dormir meia hora, depois vou despertar e vou fumar um cigarro, esquento uma xícara de café, que saboreio em pequenos goles e daí fumo um outro cigarro’ parecia a programação feliz de toda uma vida”. Este pequeno trecho é representativo da famosa obra do italiano Emilio Lussu, “Um ano sobre o Altiplano”, publicada em 1937. A obra narra um ano (1916-1917) da luta contra o exército austro-húngaro nas montanhas do norte da Itália, explorando de forma crítica e bastante realista o cotidiano dos soldados da Brigada Sassari, formada principalmente por camponeses. Lussu era oficial na brigada e testemunhou e irracionalidade e a falta de sentido da guerra. Como de praxe, esta bela obra da editora Mundaréu também traz um bom texto de apresentação. Aqui, quem escreve é Ugo Giorgetti, cineasta brasileiro, premiado no Festival de Gramado de 1989 e atualmente colunista do Estado de S. Paulo. Ao se referir à obra de Lussu, Giorgetti sublinha: “a guerra terrível de Lussu é atravessada pelo seu senso de ironia e episódios sangrentos e terríveis misturam-se a outros irônicos, quando não francamente cômicos. Mal preparada para entrar na guerra – como estavam todos os demais participantes dela, com a exceção, talvez, da Alemanha –, a Itália pouco tinha a oferecer em troca de estoicismo e da abnegação de seus soldados”. Para saber mais, clique aqui.

O Fogo | Henri Barbusse | Mundaréu | 2015 | 404 pp.

O clássico “O Fogo”, do escritor francês Henri Barbusse (1873-1935), retrata a vida de um pelotão de homens simples, vindos de diversas partes da França, e que esperam apenas sobreviver à Primeira Guerra Mundial e voltar à normalidade. Diferente de várias outras obras, “O Fogo” foi publicado ainda durante o conflito, em 1915. Mas nem por isso é menos impressionante. Barbusse, embora pacifista, com saúde debilitada e aos 41 anos, alistou-se voluntariamente no exército francês por razões humanitárias na guerra. Tendo passado pelo front, ele relata os dramas dos soldados rasos, suas expectativas, sonhos e desilusões. É um retrato de uma guerra diferente das outras, marcadas pelas novas tecnologias e pela escala industrial de morte e violência. Ao lado de Erich Maria Remarque, autor de “Nada de novo no front”, Barbusse talvez seja o mais reconhecido “autor” de Primeira Guerra Mundial. Um exemplo do seu reconhecimento é o prêmio Goncourt, o mais importante prêmio literário francês, que ele recebeu em 1916. Não faltam motivos para ler “O Fogo”. Além do texto franco e extremamente bem escrito de Barbusse, a Mundaréu traz uma apresentação escrita pelo historiador francês Marc Bloch, também este um combatente da “Grande Guerra”. Um texto inédito em língua portuguesa no qual o fundador da “Escola dos Annales” defende a importância do testemunho no trabalho historiográfico. Uma das grandes inovações dos Annales foi a expansão do conceito de fonte histórica, incorporando registros que até então não eram considerados “confiáveis” ou “dignos” por muitos historiadores, como obras memorialísticas e relatos como o de Barbusse. Clique aqui para saber mais sobre esse belíssimo livro.

Memórias de um oficial de infantaria | Siegried Sassoon | Mundaréu | 2014 | 324 pp.

No Poets’ Corner da Abadia de Westminster, em Londres, 16 poetas da Grande Guerra são homenageados. Siegried Sassoon (1886-1967) é um deles. Mas além de poesias sobre o horror e a brutalidade da guerra, Sassoon é também o autor de “Memórias de um oficial de infantaria”, publicado pela primeira vez em 1937. Na obra, o escritor retrata principalmente a guerra nas trincheiras. Ao invés de representar apenas a violência, Sassoon também explora o lado humano presente no dia a dia do conflito, ou melhor, o lado humano daqueles que se envolveram neste conflito. Seu alter ego no livro é o soldado George Sherston, que, tal como ele, também se alistou voluntariamente sem pensar muito a respeito do que a guerra significava. A narrativa é muito próxima de um diário, o que permite ao leitor perceber as mudanças do personagem, muitas das quais graduais, mas extremamente significativas. Na guerra, Sassoon foi ferido duas vezes em combate e por isso foi condecorado. Quando retornou à Inglaterra logo após o primeiro ferimento, fez ferrenha oposição à guerra, chegando a publicar um manifesto pelo fim do conflito, documento este que foi lido no parlamento. É considerado hoje um dos maiores memorialistas ingleses. Para saber mais obre “Memórias de um oficial de infantaria”, clique aqui.

O Súdito | Heinrich Mann | Mundaréu | 2014 | 447 pp.

Filho de uma brasileira de Paraty, Júlia da Silva Bruhns, e de um abastado comerciante e senador de Lubeck, Alemanha, Luiz Heinrich Mann (1871-1950), que também era irmão do também escritor Thomas Mann, Heinrich Mann foi um dos autores mais conhecidos e lidos da República de Weimar. Boa parte desta fama se deve ao livro “O Súdito”, concluído antes do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Censurada, no entanto, a obra foi publicada somente em 1919, sendo uma das críticas mais ferozes da época ao reinado de Guilherme II. “O Súdito” permite ao leitor conhecer uma série de eventos e questões que culminaram com a Grande Guerra, caso do militarismo e do autoritarismo alemão, tudo isso através da trajetória do personagem Diedrich Hessling, um pequeno industrial e fanático admirador do imperador alemão Guilherme II. A partir desse tipo humano, Heinrich Mann constrói um acurado panorama social e político da Alemanha no final do século XIX. Mais do que uma sátira, “O Súdito” é um livro de fina representação das vicissitudes de um período histórico marcado pelo cinismo dos governantes e da violência. Mann foi um dos escritores cujos livros foram queimados pelo nazismo nos anos 1930. Para ler mais a respeito, clique aqui.

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