Você sabia que abril é o Mês do Livro? Em abril são comemoradas diversas datas ligadas à literatura: Dia Internacional do Livro Infantil em 02/04 (em homenagem ao aniversário de Hans Christian Andersen), Dia Nacional do Livro Infantil em 18/04 (em comemoração ao aniversário de Monteiro Lobato) e Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor em 23/04. A literatura serviu de inspiração ao cinema desde seus primórdios, com Georges Méliès. E hoje ainda continua forte, com diversas adaptações de livros para as telas todos os anos. Se for uma narrativa que prende e que ainda exalta o amor pelo cinema, melhor ainda. Esse é o caso com “A Contadora de Filmes”.
Maria Margarita (Alondra Valenzuela) vive numa aldeia junto à uma mina de salitre no deserto do Atacama, no Chile, em 1966. Em sua casa também vivem o pai, Medardo (Antonio de la Torre), a mãe, Maria Magnólia (Bérénice Bejo), e os três irmãos, cujos nomes todos começam com a letra M. O M repetido é o segredo do sucesso, segundo Medardo: basta ver Marilyn Monroe, que não era ninguém quando assinava Norma Jean. O raciocínio inverso também é válido, por exemplo, com Marion Michael Morison, vulgo John Wayne.
Quando Medardo sofre um acidente de trabalho e fica paralisado da cintura para baixo, a vida da família muda completamente. A principal mudança é que não terão mais dinheiro para todos irem ao cinema aos domingos. Fazem então um concurso: cada domingo, um dos filhos vai ao cinema e, chegando em casa, conta para a família o enredo do filme que viu. Quem contar melhor, ganha o direito de ser o contador oficial de filmes.
O próprio título já entrega que quem ganha o concurso é Maria Margarita, que se torna contadora oficial não só da família, mas de todo o povoado. Ela passa a atrair multidões todos os finais de domingo, e a família passa a cobrar ingresso para poderem ouvi-la. Vez ou outra, ela também conta filmes em domicílio. Os anos passam e ela continua no ofício (agora interpretada por Sara Becker), mesmo com os baques da vida. O cinema muda seu destino.
Este é verdadeiramente um filme internacional. Bérénice Bejo nasceu na Argentina, mas fez carreira na França, tendo sido indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “O Artista” (2011). Daniel Brühl, que faz um administrador da mina, é alemão e poliglota, mas filho de pai brasileiro. O roteiro ficou por conta dos espanhóis Rafa Ruso e Isabel Coixet e do brasileiro Walter Salles, que já era fã incondicional do livro de Hernán Rivera Letelier.
“A contadora de filmes”: diretora e mudanças
A diretora Lone Scherfig é dinamarquesa, e deixou sua marca logo de cara com um filme dentro do movimento Dogma 95, “Italiano para Principiantes”, que ganhou o prêmio do júri do Festival de Berlim em 2001. Em 2009, dirigiu um de seus filmes mais conhecidos, “Educação”, que rendeu uma indicação ao Oscar para Carey Mulligan.
Foram feitas, obviamente, mudanças do livro para o filme. A principal é que Maria Magnólia é alçada no cinema ao posto de quase protagonista, enquanto no livro ela não passa de um espectro, uma lembrança, uma pessoa cujo nome e presença não merecem ser lembrados. As demais mudanças no roteiro foram feitas para tornar o filme menos trágico e mais esperançoso.
Uma brincadeira gostosa de se fazer enquanto se assiste ao filme é procurar reconhecer os filmes vistos pela protagonista no cinema, embora por vezes a graça seja interrompida pela citação do título – aí, vale ver quais você já assistiu. Entretanto, uma crítica no Letterboxd diz que a real experiência do cinema num pueblo não foi retratada, pois era uma experiência caótica e os filmes que lá chegavam eram, em geral, de segunda categoria, os “filmes B”.
Começando a narrativa em 1966, era óbvio que ela chegaria ao fatídico ano de 1973, quando houve um golpe militar no Chile que assassinou o então presidente Salvador Allende e colocou no poder Augusto Pinochet – recentemente parodiado no filme “O Conde”. Menos que um spoiler, a revelação dos resultados do golpe em “A Contadora de Filmes” é muito verdadeira: ele matou não apenas sonhos, mas também a maior fábrica de sonhos do mundo, pois o cinema do pueblo de Maria Margarita foi fechado.
Filmes sobre filmes sempre existiram, e a metalinguagem continua sendo queridinha entre os cineastas. Hoje, não tão ácida quanto no passado – que nos legou nos anos 50 críticas ao mundo do cinema com, por exemplo, “Crepúsculo dos Deuses” (1950) e “Assim Estava Escrito” (1952). Hoje, o cinema sobre cinema é feito mais de elogios que de críticas, e podemos citar como exemplo bem recente “Loucos por Cinema!”, do francês Arnaud Desplechin. Categorizados como “cartas de amor para o cinema”, é ótimo que ainda continuem sendo feitos com tanta constância, para nunca perdermos de vista a magia da sétima arte.