História do Brasil na Alemanha

29 de julho de 2012
Entrevista com Jurandir Malerba (PUCRS)

Em março deste ano, o historiador e professor de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Jurandir Malerba, se tornou o primeiro professor-visitante da novíssima Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros, em Berlim, na Alemanha. A Cátedra é uma iniciativa do governo alemão para promover a expansão dos estudos sobre Brasil naquele país e funciona no âmbito do “Instituto de Estudo Latinos Americanos”, da Universidade Livre de Berlim. Em entrevista exclusiva ao Café História Malerba contou um pouco sobre esta interessante e honrosa experiência. Confira e comente!

Jurandir Malerba - FU Berlim
Jurandir Malerba é professor da PUCRS. Foto: FU Berlim

Bruno Leal: Professor Jurandir Malerba, muito obrigado por conversar com o Café História. Este será com certeza um papo muito interessante. Podemos começar pelo mais básico: o que significa, em termos acadêmicos, a criação da Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros? Como funciona uma cátedra como essa? Quais são os seus objetivos?

Jurandir Malerba: A Cátedra é uma iniciativa do governo alemão no sentido de promover a expansão dos estudos sobre Brasil neste país. Esse movimento se dá em várias frentes, nas carteiras de comércio, nas relações de política estatal e, neste caso, no âmbito acadêmico. Trata-se de uma parceria do governo alemão, por meio do DAAD, sua principal agência oficial de fomento a pesquisa, e a Universidade Livre de Berlim. O projeto prevê o desenvolvimento de estudos e pesquisas e a capacitação de estudantes alemães, particularmente no âmbito da pós-graduação dentro da grande área de ciências humanas. Entre as estratégias, estabeleceu-se a participação de acadêmicos seniores nas atividades do Lateinamerika Institut (LAI), como professores visitantes, um por ano durante os próximos quatro anos.

Bruno Leal: Sérgio Buarque de Holanda teve uma relação bastante particular com a Alemanha. Além da profunda influência da sociologia de Max Weber em sua vasta obra, o historiador ainda viveu alguns anos na Alemanha, onde trabalhando como correspondente dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, testemunhou a República de Weimar e a ascensão do Nazismo. Essa relação de Sérgio Buarque com a Alemanha foi fundamental para a criação da cátedra? E por que somente agora?

Jurandir Malerba: De fato, a formação intelectual de SBH foi profundamente marcada por sua passagem pela Alemanha nos anos decisivos de 1929-1930. Essa viagem fez-se divisor de águas em sua formação, a grande ruptura quando definitivamente faz a opção pela História como profissão de fé. Aqui frequentou ambiente artístico e intelectual fervilhante. Ele mesmo deixou registro de como foi decisivo seu encontro com Friedrich Meinecke, professor na Universidade de Berlim. Porque agora? Considerando o cenário da universidade europeia nos dias de hoje (em termos financeiros sobretudo), a criação da Cátedra se afigura um feito notável para o Instituto de América Latina (LAI) da Universidade Livre. Isso tem a ver, internamente, com a opção majoritária dos estudantes do Instituto pelo estudo de outros países da América Latina. A Cátedra visa justamente fomentar a área de Brasil ali. E externamente, por certo, com a situação de grande visibilidade internacional do país no exterior.

Bruno Leal: Jurandir, como é a sua rotina de professor na Alemanha? Que disciplinas/conteúdos que o senhor está atualmente oferecendo? Há muito interesse acadêmico na Alemanha por História do Brasil?

Jurandir Malerba: A pergunta é muito oportuna. Daria para falarmos horas no assunto. A reforma universitária de Bologna, que se terminou de implementar em anos recentes, foi uma necessidade de regulamentação e homogeinização da estrutura universitária nos países da zona do Euro. Aqui, há poucos que são completamente simpáticos à reforma, que teria “pasteurizado” o ensino etc. Mas, ainda assim, o conceito de “universidade” faz sentido por aqui, diferentemente do Brasil, onde a reforma universitária promovida pela ditadura civil-militar nos anos 1960 ainda perdura, quando se implementou esse sistema limitativo de créditos, de disciplinas obrigatória e eletivas, de chamada (frequência) etc. Em Berlim, por exemplo, há três grandes universidades (Freie, Humboldt e Potsdam), além das faculdades “técnicas” e, como o sistema é unificado, todos os alunos, de todos os cursos, podem se matricular nas disciplinas que lhes apetecer. Completamente diferente do sistema “colegial” que se mantém ainda em muitos centros no Brasil, mesmo nas áreas de ciências humanas. Estou oferecendo disciplinas de História e Cultura brasileira para alunos de graduação e mestrado (que estudam juntos; os de doutorado não fazem disciplinas!)

Bruno Leal: O senhor já passou por outras experiências acadêmicas internacionais em sua carreira. Quais foram essas outras experiências? Elas foram muito diferentes desta estadia na Alemanha?

Jurandir Malerba: Fui pesquisador visitante na Universidade Oxford, Inglaterra, no excelente e infelizmente extinto Centre for Brazilian Studies dirigido por Leslie Bethell, num momento e numa situação completamente diferente, onde só fiz pesquisa e organizei eventos. Foi uma experiência muito enriquecedora. Também fui professor visitante na Georgetown University, em Washington, uma universidade tradicional e dinâmica, de elevado scholarship. São realidades muito diversas entre si, mas todas muito enriquecedoras. Conhecer outras realidades acadêmicas é sempre enriquecedor, para contemplar em perspectiva a nossa própria realidade, detectar melhor nossos problemas e pontos fortes.

Bruno Leal: O Brasil está em destaque no cenário mundial há alguns anos. O país conseguiu controlar razoavelmente bem os impactos da crise econômica mundial, vai sediar importantes eventos esportivos e está pleiteando uma maior participação política em organismos internacionais de grande destaque. Na sua opinião, a criação desta Cátedra brasileira pela Universidade Livre de Berlim é um sinal deste momento? Nossa historiografia está alcançando um outro nível de reconhecimento no exterior?

Jurandir Malerba: Sim, sem dúvida. Mas são duas questões diferentes: uma, esse “protagonismo” do Brasil (eu tenho certa resistência em abraçar muito euforicamente essa tese). Outra, a inserção de nossa historiografia no debate internacional. Um antigo estudo de Carlos Fico e Ronald Polito mostrava como as coisas já foram muito piores antigamente. Nossa historiografia se profissionalizou muito nas duas últimas décadas e há profissionais brasileiros atuando com destaque em alguns centros internacionais. Mas há um longo caminho a ser trilhado nesse processo de profissionalização. A própria estrutura universitária brasileira (inclusive a pós-graduação) opera contra essa profissionalização. Também existe uma enorme assimetria na forma de organização e alocação de recursos dentro do próprio país, que precisa ser revista. Mas tudo isso faz parte de uma agenda política (de política acadêmica) que vai se enfrentando muito lenta e timidamente (inclusive pelo fato da politização partidária inscrita dentro da própria universidade).

Bruno Leal: O senhor assumiu a Cátedra Sérgio Buarque de Holanda em março de 2011. Que experiências acadêmicas já foi possível desfrutar neste período? O comportamento dos estudantes da Universidade Livre de Berlim é muito diferente do comportamento dos estudantes que o senhor já teve em sua carreira no Brasil?

Jurandir Malerba: Como eu disse, o cotidiano da sala de aula é algo diferente, por causa de uma mentalidade e de uma experiência diferente. Não se trata de dizer que o sistema na Alemanha seja uma maravilha e os estudantes sejam “melhores” do que os brasileiros. Como eu disse, eles vêm de outro background. Isso vai desde a liberdade de construir seu currículo, de criar sua grade de disciplinas (que já foi maior antes de Bologna!), até a disposição das carteiras nas salas de aula. As aulas em forma de seminários são para se discutir textos. O debate flui. As aulas são semanais e têm uma hora e meia de duração, usadas para sanar dúvidas dos textos lidos.

Bruno Leal: Neste período, o senhor pretende se dedicar somente ao ensino ou também vai aproveitar para realizar pesquisas?

Jurandir Malerba: Meus encargos de ensino são bastante pesados, mas estou procurando conciliar meus interesses de pesquisa nas disciplinas que estou ofertando.

Bruno Leal: Muitos historiadores brasileiros realizam ou realizaram trabalhos de grande valor na Alemanha. É caso do professor Manoel Salgado (com um trabalho pioneiro com Reinhart Koselleck no Brasil), do professor Francisco Carlos Teixeira (com doutorado e pós-doutorado na Alemanha) ou de Luís Edmundo Souza Moraes (com um magnífico trabalho de doutorado feito na Alemanha sobre o Partido Nazista no Brasil), apenas para citar alguns nomes. O senhor acredita que nossa ligação historiográfica com a Alemanha já atingiu o seu ótimo ou ainda podemos ir muito além?

Jurandir Malerba: Com certeza há muito que se fazer. Até recentemente, como nos casos que você mencionou, eram iniciativas individuais, de pessoas interessadas em vir para cá e mergulhar na cultura e na tradição historiográfica alemã. Hoje, a internacionalização, a cooperação acadêmica é uma tendência mundial e as universidades brasileiras têm estabelecidos programas e convênios de cooperação mútua com vários países, inclusive com a Alemanha. Neste caso, a própria Capes tem várias parcerias com o DAAD que permitem o fluxo contínuo de profissionais (professores e estudantes) nos dois sentidos.

Bruno Leal: Qual o futuro da Cátedra depois do seu retorno ao Brasil? Todos os anos teremos um historiador brasileiro ministrando disciplinas? Também receberemos professores alemães visitantes?

Jurandir Malerba: Esse programa foi um projeto submetido pelo Lateinamerika Institut da FU ao DAAD. Neste primeiro momento, durante quatro anos, serão quatro pesquisadores das ciências humanas sucessivamente. Por acaso decidiram abrir com um historiador, mas na sequência virão profissionais da crítica literária, sociologia e economia. Espero que a experiência gere bons frutos e o programa se renove.

Bruno Leal: Geralmente, historiadores são profissionais bastante observadores de seu entorno. Que aspectos do cotidiano de uma cidade como Berlim chamaram sua atenção nestes últimos meses?

Jurandir Malerba: Isso também daria um livro (quem sabe?). Para além da vida acadêmica, Berlim é uma cidade única – mesmo dentro da Alemanha. Sua vida cultural é intensa, sua população diversa, com uma massa enorme de imigrantes de todas as partes do mundo. O que é rico e, por certo, não deixa de gerar alguma tensão. Mas não há como abordar este tema aqui.

Bruno Leal: Professor, muito obrigado pela conversa. Parabéns pelo trabalho. Nossa historiografia está muito bem representada na Alemanha. Para encerrar, gostaríamos de saber quais são os seus planos após essa experiência docente. Algum trabalho em andamento?

Jurandir Malerba: Muitos projetos em colaboração com os colegas daqui já estão começando a se desenhar, como é natural. Tenho certeza de que será uma parceria para vida inteira. Sempre muitos trabalhos em andamento, como um livro sobre as “festas chilenas”, que organizo com colegas do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e o segundo volume do Lições de História, este sobre a “crise da consciência histórica” europeia (entre aspas pois o conceito não é tranquilo), reunindo peças de autores como Burckhardt, Dilthey, Nietzsche, Collingwood, Windelband, Rickert, Croce, Beard, Becker, Robinson, Croce, Bloch, Fevre – apresentados por parceiros como Oswaldo Giacóia Jr, José Carlos Reis, René Gertz, Arthur Assis, Sérgio da Mata, Carlos Oiti, Pedro Caldas, Sérgio Duarte, Carlos Aguirre Rojas (e outros!). Com um texto introdutório inédito de Allan Meguill. Tenho certeza de que será uma peça valiosa para a formação de nossos estudantes. Para saber mais sobre a Cátedra, visite do site do Centro de Pesquisas Brasileiras da Universidade Livre de Berlim: http://www.lai.fu-berlin.de/pt/brasil/gastprofessur/malerba/index.html


Jurandir Malerba concluiu o doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo em 1997. Ocupou Visiting Positions nas University of Oxford (Inglaterra) e Georgetown University (Washington, DC); Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul desde Agosto de 2008. Inaugurou a Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros na Freie Universität/DAAD. Pesquisador do CNPq. Áreas de interesse: Brasil, teoria e História da historiografia.

Ana Paula Tavares

Subeditora do Café História. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas (PPHPBC/FGV) , bolsista CNPq. Possui graduação em Comunicação Social – habilitação jornalismo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (2006). É formada em teatro pela Casa de Artes de Laranjeiras – CAL (2010). Estuda História Intelectual, Imprensa, Mediação Cultural na trajetória da jornalista Yvonne Jean.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Don't Miss