Curador Digital da Biblioteca Britânica está no Brasil para trabalhar com acervo afro-brasileiro

1 de junho de 2017

Aquiles Alencar Brayner é pesquisador residente da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

Bruno Leal | Agência Café História

O pesquisador brasileiro Aquiles Alencar Brayner, Curador Digital da Biblioteca Britânica e doutor em Literatura Brasileira pelo King’s College London (Reino Unido), está desde o início deste ano trabalhando como pesquisador residente da Fundação Biblioteca Nacional. Ele desenvolve um projeto inédito que visa a criação da “Coleção BNDigital afro-brasileiro”. A ideia, em suma, é vincular a descrição catalográfica do acervo afro-brasileiro da Biblioteca Nacional e o objeto digital, além de disponibilizar esse material em plataformas abertas, tais como o Flickr e Wikimedia Commons, e permitir que o público contribua com a indexação dos objetos digitais, através da atribuição de tags às imagens.

Aquiles Alencar Brayner na FGV
Aquiles Alencar Brayner em palestra proferida na Fundação Getúlio Vargas. Foto: Bruno Leal

A Biblioteca Nacional do Brasil possui um rico acervo sobre a cultura afro-brasileira. São milhões de itens entre gravuras, mapas, fotografias, folhetos, pinturas, desenhos e periódicos, entre outros de valor inestimável. Parte deste material já recebeu a adequada descrição catalográfica e o inventário está disponível na internet há anos. Tendo em vista todas as possibilidades que as tecnologias da informação podem oferecer, porém, o acervo ainda possui muitas limitações. Não há, por exemplo, vínculo direto entre essas informações e as imagens às quais estas se referem. Além disso, elas não são indexadas por motores de busca comerciais, como o Google, e diferente do que praticam algumas bibliotecas mundo, o público ainda não participa direta ou indiretamente da construção do acervo disponibilizado.

Como ponto de partida para a formação da coleção, Brayner tomará a listagem de obras selecionadas para o projeto “Tráfico de Escravos no Brasil”, de 2003. Além de estabelecer um vínculo entre a descrição catalográfica e os objetos digitais, o pesquisador pretende abrir tais objetos para o tagueamento do público e levá-los para plataformas de compartilhamento de imagens. Com isso, o pesquisador espera possibilitar uma disseminação mais ampla e mais participativa deste valioso acervo da Biblioteca Nacional, além de recontextualizar as informações produzidas em outras épocas históricas.

Curadoria Digital

As medidas implementadas por Brayner na criação da “Coleção BNDigital afro-brasileiro” fazem parte do escopo de trabalho do chamado Curador Digital. Estabelecida recentemente, esta atividade preocupa-se com questões como a preservação, manutenção e avaliação de informações digitais, mas vem cada vez mais se expandindo no sentido de conceber formas mais inteligentes e significativas de seleção e difusão do conteúdo no meio digital e, a partir das ferramentas colaborativas da chamada Web 2.0, incluir o público e a sua inteligência coletiva na organização desta informação.

No projeto de pesquisa apresentado à Biblioteca Nacional, Brayner cita o projeto “Curador Mecânico” como caso de sucesso da Biblioteca Britânica, em especial no que diz respeito à participação do público. O projeto, lançado em 2013, disponibilizou 1 milhão de imagens extraídas de 68 mil livros digitalizados, publicados entre os séculos XVII e XIX. As imagens não ofereciam nenhum tipo de informação sobre o que retratavam, exceto os dados bibliográficos de cada título a que as imagens pertenciam.

“O projeto apresentou resultados surpreendentes ao formar não somente um novo acervo de gravuras extraídas de livros digitalizados da BL, mas, sobretudo, por ter os seus metadados gerados exclusivamente por usuários – metadados que foram agregados aos dados catalográficos da Biblioteca Britânica. De acordo com os últimos dados estatísticos coletados, as imagens disponibilizadas pelo projeto Curador Mecânico foram consultadas por mais de 400 milhões de usuários e receberam 500 mil tags distintas. Estas imagens se encontram hoje reagrupadas por sessões temáticas elaboradas a partir da incidência de descrições providas pelo público. Muitas delas estão sendo reutilizadas por educadores, artistas, estudantes e até mesmo terapeutas – um perfil de usuário distinto daquele que normalmente acessa o catálogo e acervo bibliográfico da Biblioteca”, explica Brayner.

Diálogo com a comunidade acadêmica carioca

Além do trabalho como pesquisador residente da Fundação Biblioteca Nacional, Brayner tem estabelecido diálogos importantes com a comunidade acadêmica do Rio de Janeiro. No dia 26 de abril, a convite do Laboratório de Humanidades Digitais (LHuD) da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV/CPDOC), ele ministrou a palestra “Laboratórios Digitais: um novo conceito na pesquisa e disseminação de acervos eletrônicos em instituições de memória cultural” (disponível abaixo). E no dia 18 de maio, a convite desta vez do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ (PPGHIS), Brayner ministrou a palestra “Curadoria Digital: recontextualizando a História”. Em ambas as ocasiões, a plateia estava lotada, reunindo não só historiadores, mas também bibliotecários, arquivistas e museólogos.

Nas duas palestras, Brayner discutiu os desafios da informação em um mundo cada vez mais digitalizado, o lugar da curadoria digital neste mundo e o crescimento das chamadas “Humanidades Digitais”. Em linhas gerais, conforme explicou, este “campo” se refere às ferramentas digitais e às possibilidades que estas oferecem ao pesquisador do campo das Humanidades no que diz respeito à sistematização das informações de acervos. Ele citou o caso de obras literárias que, pela primeira vez, podem ser completamente indexadas. A partir desta indexação, fica mais fácil e rápido para historiadores ou pesquisadores do campo literário analisarem, por exemplo, menção a lugares e pessoas, expressões, maneirismos, descrições, acontecimentos e outros dados – o que, antes das ferramentas digitais, demandaria o envolvimento de uma equipe e consumiria muito mais tempo. Com a tecnologia, a busca e a sistematização desses dados são realizados rapidamente e oferecem várias possibilidades de uso.

Quem quiser conhecer um pouco mais o trabalho desenvolvido por Brayner, tanto no Reino Unido quanto no Brasil, pode clicar aqui para visualizar, na íntegra e gratuitamente, as apresentações que ele utilizou nas duas palestras realizadas no Rio de Janeiro.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.

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